Indiciados pela PF nesta quinta-feira (21) sob suspeita de planejar um golpe de Estado em 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados usaram a desinformação eleitoral como estratégia para insuflar uma tentativa de ruptura do sistema democrático. Dentre os 37 nomes, ao menos sete divulgaram mentiras sobre o processo eleitoral.
Bolsonaro (PL), por exemplo, lança dúvidas sobre a integridade das eleições desde 2018. Seu discurso desinformativo, no entanto, se intensificou em 2022 devido ao favoritismo de Lula (PT) no pleito daquele ano.
Além das mentiras sobre as urnas, alguns nomes da lista também alimentaram a trama golpista com falas direcionadas aos manifestantes que, descontentes com os resultados de 2022, reuniram-se em frente aos quartéis para pedir intervenção militar.
Os indiciados responderão pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. O documento da PF foi encaminhado ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF (Supremo Tribunal Federal).
A PGR (Procuradoria-Geral da República) também avaliará se os indícios apontados pela PF são suficientes para apresentar denúncia contra Bolsonaro.
Aos Fatos resume, abaixo, os principais argumentos enganosos disseminados pelos indiciados:
- Jair Bolsonaro
- Walter Braga Netto
- Augusto Heleno
- Valdemar da Costa Neto
- Integrantes da ‘Abin Paralela’
- Filipe Martins
- Tércio Arnaud Tomaz
- Fernando Cerimedo
- Paulo Figueiredo Filho
1. Jair Bolsonaro
Primeiro ex-presidente desde a redemocratização a ser indiciado por planejar um atentado contra a democracia, Bolsonaro tem um longo histórico de declarações enganosas contra o sistema eleitoral. Desde 2018, ele sugere que as eleições brasileiras não só seriam fraudáveis como já haviam sido fraudadas.
Há registros de que o ex-presidente incitou outros integrantes do governo a disseminarem desinformação eleitoral. Segundo investigações da PF, ele coagiu ministros e outros participantes de uma reunião realizada em julho de 2022 a aderirem à sua tese de fraude.
Além das mentiras sobre as urnas, Bolsonaro também já sugeriu a possibilidade de uma intervenção militar constitucional baseada em uma leitura enganosa do artigo 142 da Carta. Antes mesmo de se tornar candidato à Presidência, ele citou o dispositivo como uma forma de permitir que as Forças Armadas rompessem com o sistema democrático.
De acordo com o contador de declarações mantido pelo Aos Fatos entre 2019 e 2022, Bolsonaro disseminou 340 declarações enganosas sobre o sistema eleitoral ao longo de seu mandato. Considerando todos os assuntos, o número de mentiras chegou a 6.685.
2. Walter Braga Netto
Apesar de não ter disseminado publicamente desinformação sobre fraudes eleitorais, o ex-ministro e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022 deu declarações que alimentaram as manifestações golpistas. No dia 18 de novembro daquele ano, por exemplo, ele disse a bolsonaristas que estavam reunidos em frente aos quartéis: “Não percam a fé. É só o que eu posso falar agora”.
Braga Netto também é um negacionista do golpe militar de 1964. Em 2021, quando era ministro da Defesa, o general publicou uma nota com uma tese mentirosa de que as Forças Armadas teriam assumido o poder para “pacificar o país”.
3. Augusto Heleno
Em maio de 2020, o general da reserva reagiu à possibilidade de Bolsonaro ter seu celular apreendido afirmando que isso poderia ter “consequências imprevisíveis” para a estabilidade do país. A afirmação foi considerada uma possível ameaça e gerou forte campanha nas redes a favor de uma intervenção militar e do fechamento do STF.
Após a eleição de Lula, Heleno foi um dos integrantes do governo Bolsonaro que aventaram abertamente a possibilidade de golpe, instigando as manifestações contra o resultado do pleito. Em dezembro de 2022, ao ser questionado por um apoiador se “bandido sobe a rampa”, em referência ao presidente eleito, Heleno respondeu: “não”.
O ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional e conselheiro de Bolsonaro também foi um dos participantes da reunião de julho de 2022 em que Bolsonaro buscou apoio para a falsa narrativa de fraude eleitoral.
4. Valdemar da Costa Neto
Após a derrota de Bolsonaro em 2022, o presidente do PL usou argumentos falsos baseados no relatório de Fernando Cerimedo para questionar o resultado das eleições. Segundo o documento apresentado, Bolsonaro teria vencido nas urnas de modelo UE2020, que seriam as únicas passíveis de auditoria — o que é mentira.
Foi por causa desse relatório, inclusive, que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes autorizou uma operação de busca e apreensão na residência do político em fevereiro deste ano.
Segundo o ministro, a investigação “demonstra que o Partido Liberal, através de seu representante máximo, Valdemar Costa Neto, tinha plena ciência da interlocução e do alinhamento que os investigados desenvolveram na construção da narrativa de fraude às urnas eletrônicas”.
5. Integrantes da ‘Abin paralela’
A lista de indiciados da PF traz pelo menos três nomes envolvidos no uso ilegal da estrutura da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para disseminar desinformação: o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que comandou o órgão no governo Bolsonaro, o agente da PF Marcelo Araújo Bormevet e o sargento do Exército Giancarlo Gomes Rodrigues.
As investigações da chamada “Abin paralela” mostram conversas em que Bormevet e Rodrigues — presos em junho — combinam ataques a alvos das ações clandestinas do grupo, incluindo o Aos Fatos. Em alguns casos, as ações ocorreram a pedido de Ramagem.
Entre os planos levados a cabo pelos agentes estão a criação de peças de desinformação que faziam insinuações sobre a segurança das urnas eletrônicas e de mentiras contra senadores que faziam parte da CPI da Covid-19 no Senado.
Além do envolvimento na “Abin Paralela”, Ramagem já teve declarações desmentidas pelo Aos Fatos após insinuar que o governo federal teria se omitido durante os ataques de 8 de Janeiro.
6. Filipe Martins
Apontado como um dos mentores do chamado "gabinete do ódio", Martins foi assessor especial de Assuntos Internacionais durante a gestão de Bolsonaro. Preso em 8 de fevereiro na Operação Tempus Veritatis, da Polícia Federal, sob suspeita de ter entregue ao ex-presidente uma minuta de golpe de Estado, ele foi solto em agosto deste ano.
Pouco antes de ser preso, Martins mentiu sobre o próprio histórico profissional para tentar levantar suspeitas sobre a integridade do processo eleitoral.
Em entrevista ao influenciador Bruno Aiub, conhecido como Monark, ele disse que teria assumido um suposto cargo de assessor internacional no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) “porque já tinha desconfiança sobre as urnas eletrônicas”. Conforme mostrou o Aos Fatos na época, Martins foi apenas estagiário do tribunal.
7. Tércio Arnaud Tomaz
Apontado como um dos principais nomes do “gabinete do ódio”, Tércio Arnaud Tomaz foi assessor especial da Presidência entre 2019 e 2022. Antes disso, atuou na campanha de Jair Bolsonaro à Presidência em 2018 e como assessor parlamentar do vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ).
Em depoimento à PF em março deste ano, ele confessou ter baixado e enviado ao ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, a live em que Fernando Cerimedo dissemina desinformação sobre o sistema de votação brasileiro.
Em 2020, investigação do DFRLab (Laboratório Forense Digital), da organização Atlantic Council, revelou que o então assessor era um dos administradores de páginas e perfis derrubados pelo Facebook por disseminação de desinformação e discurso de ódio. A acusação levou o assessor a ser investigado por diferentes inquéritos no Supremo e pela CPI das Fake News na Câmara dos Deputados.
8. Fernando Cerimedo
Consultor e influenciador argentino, Fernando Cerimedo ganhou relevância no cenário político brasileiro em 2022, após divulgar, em transmissão ao vivo no seu portal La Derecha Diário, um documento apócrifo com mentiras sobre as urnas eletrônicas.
O texto de mais de 70 páginas afirmava que os dispositivos de votação de modelos anteriores a 2020 não seriam passíveis de auditoria — o que não é verdade.
A alegação enganosa foi usada também em relatório apresentado pelo PL para pedir a anulação do segundo turno das eleições presidenciais de 2022. A mentira voltou a ser repetida por Cerimedo em audiência pública no Senado Federal menos de um mês depois.
Na época, a live e o canal de YouTube do influenciador foram derrubados no Brasil por decisão judicial.
9. Paulo Figueiredo Filho
Nas eleições de 2022, Figueiredo era comentarista da Jovem Pan e, após a derrota de Bolsonaro, usou seu espaço na emissora para insinuar que o resultado das urnas tinha sido fraudado – mentiras que voltou a repetir durante a cobertura dos ataques de 8 de janeiro de 2023 em Brasília.
O neto do ditador João Baptista Figueiredo também é responsável por começar, em novembro de 2022, uma campanha de difamação contra integrantes do alto comando do Exército, a fim de incitar o golpe.
O influenciador, que vive nos Estados Unidos, também participou da articulação com extremistas americanos para atacar as instituições brasileiras no exterior, fomentando a retórica de que o país viveria um regime autoritário.
O caminho da apuração
De posse da lista de indiciados pela Polícia Federal, Aos Fatos verificou que vários deles atuaram de modo permanente na produção de desinformação sobre a eleição brasileira. A partir de documentos públicos de outras investigações, reportagens de vários veículos e outras checagens, contextualizamos como os indiciados produziram conteúdos falsos e o destino deles até o indiciamento.