Desde o início dos incêndios florestais no Havaí, em 8 de agosto, vídeos descontextualizados estão sendo usados para alegar que os eventos no local e em outros países, como no Canadá, foram provocados de forma proposital. O objetivo dessas peças desinformativas é negar a emergência climática ou ainda confirmar supostos sinais do fim do mundo.
Negacionismo científico importado principalmente de desinformadores americanos tem surgido em versões brasileiras que misturam armas a laser, uma suposta “nova ordem mundial” e até mesmo a chegada do apocalipse segundo a doutrina católica.
- Na quinta-feira passada (17), o Aos Fatos desmentiu vídeos — como o do lançamento de um foguete — descontextualizados para enganar que raios laser seriam a causa dos incêndios no Havaí;
- Mesmo assim, o Radar Aos Fatos identificou que o conteúdo enganoso segue circulando em diversas plataformas, alguns com milhões de visualizações;
- A teoria da conspiração tem origem nos Estados Unidos e volta à tona quando há incêndios de grandes proporções no país.
Por meio dos vídeos descontextualizados, as publicações enganosas sugerem que os incêndios teriam sido causados de forma proposital por armas a laser conhecidas como DEW (directed energy weapon, ou “armas de energia dirigida”). A partir do argumento inicial, as teorias vão criando hipóteses para as causas do evento.
Uma das conspirações mais populares envolve a especulação imobiliária. Segundo ela, a emergência climática foi provocada por uma elite que incendiou a região deliberadamente a fim de desvalorizar o preço dos terrenos no local. A fim de comprovar a alegação, o argumento principal é que algumas filmagens mostram casas inteiramente consumidas pelo fogo, mas as árvores no entorno permanecem em pé, o que atestaria o uso do laser somente nas residências.
Outras publicações afirmam que os ataques a laser fazem parte de um plano de uma organização chamada entre conspiracionistas de “nova ordem mundial” — teoria antiga entre a extrema-direita americana — para controlar os rumos da Terra e, consequentemente, a sociedade. A “agenda do aquecimento global”, como são chamadas as medidas de combate às mudanças climáticas, seria uma das maneiras pelas quais a NOM dominaria a população. O argumento da busca por dominação global também é utilizado por publicações que culpam a China pelo início dos incêndios.
Tema em comum. O negacionismo climático é o fio que liga as diferentes teorias da conspiração envolvendo raios laser e a emergência climática no Havaí. Segundo especialistas, a tentativa de desacreditar a ciência e buscar soluções alternativas, muitas vezes fantasiosas, é uma reação comum às discussões sobre causas e soluções para eventos climáticos extremos.
Pesquisas sugerem que o negacionismo é uma forma de autopreservação. Quando confrontados com uma realidade ameaçadora e que demanda mudanças de comportamento, os negacionistas buscam nas conspirações uma alternativa que dê clareza e satisfaça a necessidade pessoal de controle da narrativa. Para isso, as teorias se utilizam da falta de entendimento geral sobre elementos da natureza, como o fogo e o vento, e outros conceitos de ciências.
Ainda envolvendo lasers e negacionismo climático, uma teoria bastante popular afirma que um episódio dos Simpsons prevê os eventos climáticos extremos ocorridos no Havaí. Exibido em 2016, o capítulo “Monty Burns’ Fleeing Circus” mostra um raio laser vindo do céu e incendiando a cidade fictícia de Springfield. Apenas no TikTok em português, vídeos disseminando a conspiração acumulavam mais de 2 milhões de visualizações até a tarde desta quinta-feira (24).
As postagens juntam cenas do episódio com imagens descontextualizadas, como a foto de um lançamento de foguete feito pela empresa SpaceX em 2019, para estabelecer um paralelo entre a animação e eventos da vida real. Entretanto, além de os raios lasers não serem a causa dos incêndios, tampouco foram em Springfield: no episódio em questão, o fogo foi consequência do refletor de uma estátua de metal.
TEORIA IMPORTADA
As publicações enganosas que circulam no Brasil são idênticas a peças que também viralizaram nos Estados Unidos. Lá, a teoria conspiratória foi disseminada inclusive por influenciadores de direita. Um exemplo é o radialista Stew Peters, que no dia 10 de agosto publicou no X (ex-Twitter) que a alegação de que os incêndios teriam sido causados pelo furacão seria uma bobagem: “Só uma arma de energia dirigida pode causar esse tipo de destruição”.
Por mais absurda que pareça, essa teoria da conspiração não é nova. Em 2018, quando o estado da Califórnia foi atingido por um incêndio florestal de grande escala, essa “possibilidade” foi sugerida por Marjorie Taylor Greene, republicana e adepta da conspiração QAnon que, dois anos depois, foi eleita para a Câmara dos Estados Unidos como representante do estado da Geórgia.
Para Taylor Greene, o que causou as queimadas foi um satélite que concentrou a energia do sol e ateou fogo na Califórnia. Segundo ela, essa tecnologia teria sido criada pela família Rothschild, rotineiramente associada a teorias de conspiração que englobam antissemitismo, a dominação mundial e a aniquilação de pessoas.
Desde então, é comum que a teoria da conspiração apareça de novo quando há incêndios de grandes proporções nos Estados Unidos. Publicações voltaram a citar as armas a laser como causa dos incêndios florestais que atingiram a costa Leste do país em 2020 e também do fogo na Califórnia em 2021, segundo o site Snopes. No último caso, por exemplo, os usuários conspiracionistas defendiam que a arma teria iniciado o fogo para abrir espaço para um metrô.
FIM DO MUNDO
Além do negacionismo climático envolvendo lasers, vídeos sobre os incêndios no Havaí também estão sendo usados para alegar que o fim do mundo está próximo, especialmente em perfis cristãos. Em publicações que acumulam mais de 4,5 milhões de visualizações, a emergência climática é tratada como uma consequência divina:
- Cenas do céu avermelhado durante os incêndios e vídeos que mostram as grandes proporções dos incêndios, por exemplo, são interpretados como sinais do fim dos tempos;
- Vídeos e fotos da destruição — como o cemitério de automóveis queimados — também têm sido compartilhadas junto de mensagens como “Cidade pega fogo, é o apocalipse”;
- Para muitos usuários, o fato de a Igreja Católica Maria Lanakila ter ficado intacta após os incêndios atestaria que o fogo estaria ligado ao apocalipse. Só no TikTok, publicações do tipo (veja abaixo) acumulam mais de 3 milhões de visualizações. Ainda não se sabe o que impediu que a construção fosse atingida, mas outras igrejas da região, como a Waiola, pegaram fogo.