Em meados de outubro, passadas as eleições municipais no Brasil, vim passar uma temporada nos Estados Unidos por motivos familiares. Desde então, meu feed nas redes mudou. Não com base nos conteúdos publicados por novos amigos que fiz e adicionei, mas nos conteúdos sugeridos para mim, produzidos por perfis que sequer conheço.
O exemplo mais óbvio foram os anúncios no Instagram. Se antes eu estava acostumada a ver propagandas de roupas ou produtos de beleza, agora recebo muitos anúncios de vagas de emprego. Nada relacionado a jornalismo, mas trabalhos temporários como babá, passeadora de cães, cuidadora de idosos ou outros bicos.
Nada contra esses empregos, mas eu não estava interessada nessas vagas uma vez que, além de atuar como repórter no Aos Fatos, não posso trabalhar legalmente para empresas nos Estados Unidos. Meu visto permite apenas que eu faça atividades voluntárias ou participe de atividades educativas temporárias enquanto estiver aqui.
Sem entrar no mérito das inúmeras evidências de que os anúncios se tratavam de golpes — eram impulsionados por páginas recém-criadas com um mesmo padrão estético, que direcionavam a sites que pediam dados pessoais —, me chamou mais atenção o fato de estarem sendo segmentados para mim, uma mulher brasileira recém-chegada aos Estados Unidos.
Por isso, decidi tomar registro de todas as vezes que anúncios do tipo apareciam para mim. E não foram poucas: entre 25 de outubro e 16 de dezembro, foram 30 — mais do que um a cada dois dias, sendo que nem todos esses dias eu utilizei o Instagram e minha média de uso diário foi menor que 20 minutos.

Fui atrás do perfil dos anunciantes na Biblioteca de Anúncios da Meta, em busca de pistas que ajudassem a explicar por que eu estava recebendo esses anúncios, mas não consegui chegar muito longe. Como eram anúncios de emprego e não de “temas sociais, eleições ou política”, a plataforma não fornece informações sobre a segmentação dos anúncios.
Mesmo quando fornece, é possível saber apenas gênero, faixa etária e localização das pessoas que viram determinado anúncio. Mas essas peças publicitárias estavam sendo direcionadas mais especificamente do que isso.
Recorri então ao jornalismo tradicional: perguntei a alguns colegas norte-americanos se eles também eram impactados por esses anúncios e suas redes. E eles disseram que não. Já outros colegas imigrantes se identificaram comigo. Um deles, que é um homem cisgênero, disse que chegou a receber anúncio para venda de esperma — serviço legalizado em alguns estados aqui.
Segundo a Meta, os anunciantes podem selecionar públicos-alvos com base em idade, gênero, localização, idioma, interação com o seu conteúdo e interesses, levantados com base na atividade dos usuários.
Assim, não existe um filtro que envie anúncios apenas para imigrantes, mas a combinação de alguns desses parâmetros fez com que as falsas vagas de emprego fossem enviadas para mim e não para meus colegas nativos. Por exemplo, se o anunciante procurar pessoas que usam o Instagram em português e estão nos Estados Unidos.
Longe da jurisdição da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e mais distante ainda de uma regulação que garanta transparência, é difícil provar que esses anúncios estejam sendo impulsionados apenas para imigrantes — parcela que nos Estados Unidos soma cerca de 14% da população, das quais 23% está no país ilegalmente. Mas é isso que apontam os indícios colhidos pela reportagem. E eles são suficientes para levantar questionamentos.
O que mais as plataformas sabem de nós? Como distribuem essas informações para seus anunciantes? Será que essa combinação de parâmetros que leva ao envio de anúncios só para imigrantes está sendo usada politicamente? Se por acaso eu, ou algum colega imigrante, acessar esses links de empregos informais, quem mais pode ficar sabendo disso?
Em um contexto de endurecimento da política migratória nos Estados Unidos prometido por Donald Trump e de fortalecimento de grupos extremistas anti-imigração, são perguntas que o Instagram deve ser chamado a responder.