Dos 20 deputados nomeados para o grupo de trabalho que vai analisar um projeto para regular as redes sociais, após o fracasso do “PL das Fake News” (PL 2.630/2020), ao menos oito compartilharam desinformações em seus perfis oficiais desde o início do atual mandato, em janeiro de 2023.
Esses oito parlamentares já enganaram sobre temas como a crise no Rio Grande do Sul, eleições e questões ligadas a direitos sexuais e reprodutivos. Aos Fatos pesquisou por posts publicados entre 2023 e 2024, no X e no Instagram, e verificou que os seguintes membros do grupo fizeram alegações falsas ou distorcidas:
- Erika Hilton (PSOL-SP);
- Filipe Barros (PL-PR);
- Gustavo Gayer (PL-GO);
- Marcel Van Hattem (Novo-RS);
- Márcio Marinho (Republicanos-BA);
- Maurício Marcon (Podemos-RS);
- Rodrigo Valadares (União Brasil-SE);
- Simone Marquetto (MDB-SP).
Gayer e Filipe Barros já foram alvos de medidas judiciais por conta da disseminação de desinformação:
- O deputado por Goiás foi condenado pelo Tribunal de Justiça do estado em 2022 a publicar vídeos se retratando por ter publicado mentiras sobre a atuação da prefeitura de Goiânia no combate à pandemia da Covid-19;
- Gayer também foi citado no relatório final da CPI da Pandemia por ter usado seu canal no YouTube para mentir sobre o tratamento precoce e “apoiar teses do presidente da República contra vacinas”. Segundo o Google informou aos parlamentares, ele chegou a receber do YouTube R$ 40 mil de monetização pelos vídeos desinformativos sobre o tema;
- Em novembro de 2022, o então deputado eleito chegou a ter sua conta no Twitter suspensa por decisão do TSE por propagar desinformação eleitoral sobre as urnas eletrônicas. Ele também responde a outras ações no tribunal por suposto uso abusivo de suas redes durante o pleito.
- Já Filipe Barros (PL-PR) foi incluído pelo STF em 2020 no “Inquérito das Fake News” (inquérito 4.781) e, em 2021, no inquérito 4.878, que apura a divulgação de dados sigilosos da PF sobre as urnas eletrônicas. A corporação diz que o material, fornecido ao deputado para embasar um projeto de lei, foi repassado a Bolsonaro para “ampliar a narrativa fraudulenta contra o processo eleitoral”.
O grupo de trabalho foi instituído na última quarta-feira (5) pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e terá 90 dias iniciais para analisar e propor uma alternativa para a regulação das plataformas, prazo que pode ser prorrogado. A formação do colegiado havia sido anunciada em abril, quando Lira enterrou o relatório do “PL das Fake News” elaborado pelo deputado Orlando Silva (PC do B-SP) por considerar que o texto estava “polemizado” e não tinha condições de avançar após mais de um ano de impasse.
Veja abaixo quais foram algumas peças de desinformação compartilhadas.
RIO GRANDE DO SUL
Parlamentar da bancada gaúcha, o deputado Maurício Marcon (Podemos) desinformou sobre a tragédia climática que atinge o seu estado. Em post publicado no dia 3 de maio, o deputado alegou que os helicópteros das Forças Armadas não teriam conseguido alcançar a região devido ao mau tempo, enquanto aeronaves de civis como o empresário Luciano Hang estariam atuando em missões de resgate e ajuda humanitária.
Por mais que algumas aeronaves, de fato, estivessem paradas em Santa Catarina naquele momento por conta das condições climáticas, o post omite que os militares já estavam participando de operações de salvamento e transporte de mantimentos desde o dia 30 de abril.
ELEIÇÕES
Os deputados Gustavo Gayer e Mauricio Marcon compartilharam uma publicação de Elon Musk na qual o dono no X (ex-Twitter) afirma, sem provas, que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes teria interferido no resultado das eleições presidenciais de 2022.
A alegação foi feita no dia 18 de abril junto a uma publicação do jornalista e ativista conservador americano Michael Shellenberger sobre o Twitter Files Brazil, e faz parte de ataques feitos pelo empresário contra o magistrado.
Já o deputado Filipe Barros (PL-PR) fez falsas acusações sobre a chegada de militares americanos ao território brasileiro. Segundo ele, as ações seriam uma forma de o governo Lula retribuir uma suposta interferência de Joe Biden que teria garantido sua vitória nas eleições de 2022.
O parlamentar distorce uma operação de cooperação feita entre os exércitos do Brasil e dos Estados Unidos, que acontece anualmente, para mentir sobre fraude eleitoral. A atividade acontece desde 2015, quando foi promulgado um Acordo de Cooperação de Defesa entre Brasil e Estados Unidos.
Além disso, não há provas de que o governo Biden tenha interferido no resultado das eleições brasileiras. O post de Barros descontextualiza uma reportagem publicada pelo Financial Times em junho do ano passado e replicada pela imprensa brasileira que afirma que os Estados Unidos atuaram em 2022 para garantir a segurança e a lisura do pleito, sem a intenção de favorecer qualquer candidato.
VACINAS
O deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), que defendeu o ineficaz “tratamento precoce” durante a pandemia da Covid-19, continuou distorcendo dados e informações sobre a doença neste mandato. Em março de 2023, ele compartilhou uma reportagem da Gazeta do Povo junto com a alegação de que a vacina da AstraZeneca teria feito “explodir” os casos de doenças cardíacas entre jovens.
A própria reportagem citada pelo deputado mostra que não é bem assim: “Os autores esclarecem que o risco absoluto de complicações severas após tomar qualquer uma das vacinas contra Covid é ‘baixo e precisa ser avaliado contra os riscos associados à infecção dos não-vacinados com [o vírus] SARS-CoV-2’”.
Apesar de os vacinados com a AstraZeneca de fato apresentarem maior risco de problemas cardíacos em comparação com os que receberam outros imunizantes, a chance continua sendo menor do que a existente entre pessoas não vacinadas que foram infectadas com a Covid-19, afirma o estudo. Especialistas também apontaram que o artigo citado não faz uma ligação causal entre a vacina e as mortes.
GÊNERO E SEXUALIDADE
Um em cada quatro parlamentares do GT desinformou sobre pautas de gênero e sexualidade desde o início do atual mandato. Entre eles está a deputada Simone Marquetto (MDB-SP), uma das coordenadoras da Frente Parlamentar Mista Contra o Aborto.
Em fevereiro deste ano, Marquetto alegou em publicação nas redes que uma nota técnica do Ministério da Saúde teria ampliado o acesso ao aborto no Brasil. Na realidade, o documento — que foi suspenso após ataques ao governo — apenas reforçava os casos de aborto já previstos em lei, que incluem gravidez com risco de vida à mãe, gestação resultante de estupro e anencefalia do feto.
A desinformação também apareceu em publicações dos deputados Gustavo Gayer e Maurício Marcon.
Três parlamentares — Gayer, Valadares e Márcio Marinho (Republicanos-BA) — também publicaram no Instagram votos pela proibição da “mudança de sexo em crianças com verba da União”. A inclusão dessa vedação na Lei de Diretrizes Orçamentárias, no entanto, é baseada em desinformação, uma vez que crianças e adolescentes não podem passar por cirurgia de afirmação de gênero no Brasil.
OUTRAS DESINFORMAÇÕES
A deputada Erika Hilton (PSOL-SP) também distorceu a PEC 3/2022, conhecida como “PEC das Praias”, ao alegar que o texto privatizaria o litoral brasileiro, que é considerado pela Constituição como um bem público de uso comum do povo.
O texto não altera a situação das praias ou de toda a zona costeira, como sugere a mensagem da deputada. Ele, na verdade, permite que os terrenos de marinha — regiões que ficam localizadas antes das faixas de areia — já ocupados sejam transferidos da União para estados, municípios e pessoas físicas e jurídicas. Mesmo se a PEC for aprovada, o artigo 20 da Constituição continua determinando que as praias marítimas e o mar são bens do poder público federal.
Já o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) compartilhou uma publicação no X (ex-Twitter) do usuário Joaquin Teixeira, perfil que se autointitula como humorístico, para alegar que o governo federal teria liberado R$ 16 bilhões para artistas no fim do ano passado.
A alegação faz referência a peças desinformativas que diziam que o governo Lula teria gasto a quantia citada com a Lei Rouanet (lei nº 8.313/1991) em 2023. Na realidade, a cifra representa o limite de recursos que todos os projetos culturais aprovados no ano poderiam ter captado junto à iniciativa privada. Segundo o governo, do montante aprovado, apenas R$ 1,27 bilhão foi efetivamente obtido pelos projetos até o dia 19 de dezembro daquele ano.
Outro lado. Aos Fatos procurou a assessoria de todos os oito deputados citados na reportagem na tarde desta quinta-feira (6). Eventuais respostas serão adicionadas ao texto assim que forem enviadas.