Grupos pró-Bolsonaro e Lava Jato mudam de nome e transferem audiência para Marçal

Compartilhe

A fim de impulsionar a candidatura de Pablo Marçal (PRTB) à Prefeitura de São Paulo, páginas e grupos criados originalmente para defender outros políticos e causas mudaram de nome e de identidade visual para transferir ao ex-coach a audiência que já possuíam.

Alguns dos grupos existiam desde 2016, e temas anteriores incluíam a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), da Operação Lava Jato e de pautas da extrema-direita. Todos trocaram de roupagem e passaram a divulgar Pablo Marçal — inclusive com a disseminação de desinformação e ataques contra adversários —, alcançando ao menos 1,2 milhão de usuários.

A reportagem identificou oito grupos — seis no Facebook, um no Telegram e um no WhatsApp — e três perfis no Instagram que trocaram de nome desde maio para divulgar a candidatura de Marçal, segundo levantamento feito em parceria por Aos Fatos, ICL Notícias e Intercept Brasil.

Um desses canais foi compartilhado pelo próprio Pablo Marçal e se tornou um meio de divulgação oficial da campanha dele.

Criada no Telegram em outubro de 2022, a comunidade chamada InfluenciadoresProBolsonaro foi rebatizada como Marçal por São Paulo. Essa mudança aconteceu no dia 8 de agosto, data do primeiro debate entre os candidatos à Prefeitura de São Paulo. Inicialmente com cerca de 52 mil membros, o grupo se expandiu rapidamente após ser divulgado pelo candidato e, hoje, reúne 117 mil usuários.

Nas eleições de 2022, essa mesma comunidade foi usada como parte da estratégia digital da campanha à reeleição de Jair Bolsonaro (PL). Em uma live realizada com o então presidente a duas semanas do segundo turno, Marçal passou a usar a comunidade para enviar “instruções” a supostos 320 mil influenciadores que ajudariam na campanha.

Na época, foi distribuído aos usuários um documento com o título “Faça o que precisa ser feito!”. O material, revelado pelo Poder360, instruía apoiadores a criarem grupos no WhatsApp, usarem uma imagem da bandeira do Brasil em seus perfis, gravarem vídeos e disseminarem as mensagens do grupo original.

Articulação no Facebook

A reportagem identificou indícios de articulação entre ao menos três grupos no Facebook que passaram a apoiar Marçal nas últimas semanas. As comunidades têm administradores em comum, que usam perfis falsos com fotos de mulheres geradas por inteligência artificial. Juntas, somam mais de 200 mil membros.

Inativo há ao menos sete meses antes de passar a apoiar Marçal, o grupo Juntos com o juiz Sergio Moro foi criado em março de 2016 para apoiar a Operação Lava Jato. Desde então, defendeu várias pautas da extrema-direita, como o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Em 7 de agosto deste ano, o nome da comunidade mudou para Juntos com Pablo Marçal - SP.

Os primeiros conteúdos relacionados a Marçal apareceram no grupo em 7 de agosto, com duas publicações em um espaço de quatro minutos: um retrato do candidato acompanhado do slogan “mude você que ele muda o Brasil” e uma foto dele em cima de um trio elétrico, fazendo gesto de arma ao lado de Bolsonaro.

“São Paulo não pode cair nas mãos da esquerda nem do PT!! Bora apoiar Pablo Marçal!! O Brasil precisa de São Paulo!!”, publicou a suposta administradora do grupo um dia antes do primeiro debate entre os candidatos à prefeitura paulistana.

Além de cortes de vídeos e entrevistas recentes, a página também compartilha desinformação. Nesta quarta (4), por exemplo, foi publicado um vídeo fora de contexto insinuando que brigadistas do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) seriam os responsáveis pelos incêndios florestais que ocorrem no país. A informação falsa foi desmentida pelo Aos Fatos em 2020.

Em alguns casos, a desinformação compartilhada pelo grupo possui caráter antidemocrático, levantando falsas acusações sobre a lisura do processo eleitoral. É o caso de post com uma charge que diz “eleição é farsa”.

Perfis falsos que administram o grupo Juntos com Pablo Marçal - SP também são membros do coletivo Pablo Marçal - Prefeito de São Paulo, que teve um passado ainda mais volátil desde sua criação, em janeiro de 2021:

  • Com 55,6 mil participantes hoje, o grupo foi fundado com uma identificação genérica à direita conservadora;
  • Em 2022, porém, atuou na campanha de Sergio Moro (União Brasil-PR) ao Senado;
  • Um dia após o primeiro turno das eleições daquele ano, o grupo passou a se chamar Bolsonaristas contra o PT;
  • No ano seguinte, a comunidade apoiou por um mês o líder da extrema-direita portuguesa André Ventura antes de reatar com Moro. Ao longo de dois meses, também foi manifestado apoio ao deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG).

Com quase 100 mil inscritos, o grupo privado Pablo Marçal BR — que passou a apoiar o candidato em maio deste ano, durante a pré-campanha — ainda guarda em sua URL uma menção às Forças Armadas.

Criada em 2017 com referência a “patriotas de direita”, a página passou a se chamar Amor militar - BR em dezembro de 2022, mas retirou a alusão aos quartéis logo após os atos golpistas de 8 de Janeiro.

A partir daquela época, o objetivo da conta passou a ser exaltar o legado de Bolsonaro — exceto por um período de pouco mais de um mês, entre maio e junho de 2023, quando prestou solidariedade ao senador Marcos do Val (Podemos-ES).

Outros temas que emergem do passado de páginas que agora apoiam Marçal são mobilizações por greves de caminhoneiros e a votação do chamado “PL das Fake News” (PL 2.630/2020), projeto de lei que naufragou após campanhas de desinformação e ataques de parlamentares extremistas.

Militância e monetização

O professor da UFBA Leonardo Nascimento, coordenador do Laboratório de Humanidades Digitais, estuda o movimento de grupos e canais políticos nas redes. Ele avalia que é necessário observar como a militância política está vinculada a interesses econômicos. Por essa razão, explica, ocorrem mudanças como as identificadas pela reportagem.

“O posicionamento político via redes sociais não está desvinculado da ideia de monetizar essa participação. Essas coisas se confundem, e você precisa ter muitas pessoas nos grupos e canais”, diz Nascimento.

“Esses grupos não possuem uma filiação ideológica ou estreita a um candidato. Na maior parte das vezes, formam um arquipélago de interesses”, ele continua.

“São criados com objetivos mercadológicos, de vender coisas, e outros são criados como de debate temático, mas que em momentos de eleições ou de crise se transformam para atingir um determinado objetivo político — eleger um candidato ou defender uma causa, se posicionar sobre algum acontecimento.”

Enquanto isso, no Instagram

A virada das páginas de direita na plataforma da Meta também ocorreu a partir de maio, quando Marçal ainda era pré-candidato à Prefeitura. Juntos, os perfis somam 500 mil seguidores.

Com 335 mil seguidores, a página Pablo Marçal Oficial SP® se descreve como “perfil reserva oficial” do candidato à Prefeitura de São Paulo.

Apesar de a atual política de transparência da Meta não permitir mais ver os nomes anteriores de um perfil, é possível verificar que ele foi mudado uma vez.

No post fixado, a conta faz referência à suspensão das redes do candidato como “censura” e pede que os seguidores aumentem o alcance da página, para “transformar essa injustiça em mobilização”.

Antes de maio, a página compartilhava conteúdos típicos de perfis bolsonaristas, como vídeos e memes do ex-presidente e de seus aliados e ataques ao governo, ao PT e à esquerda.

O cenário é idêntico ao do perfil Pablo Marçal Perfeito, com 99 mil seguidores, que já mudou de nome seis vezes. Antes de passar a postar conteúdos ligados à campanha do ex-coach, em maio, a página publicava vídeos e imagens ligados ao universo bolsonarista e era mantida pela influenciadora Ana Moreno, candidata a vereadora em Natal pelo PL.

Atualmente, Moreno divulga sua campanha em uma conta muito menor, com 28,6 mil seguidores. A reportagem não conseguiu verificar se a influenciadora continua como administradora da conta Pablo Marçal Perfeito.

Já a Pablo Marçal Prefeito, que tem 118 mil seguidores, mudou de nome três vezes desde que foi criada, em novembro de 2023. A reportagem apurou que a página faz parte de uma rede de perfis de direita mantida pelo influenciador Uelton Costa, candidato a vereador em Goiânia pelo PL e ligado ao deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO).


Esta reportagem integra o projeto “Os Ilusionistas”, uma aliança jornalística coordenada pelo Clip (Centro Latino-americano de Investigação Jornalística) em que repórteres e pesquisadores digitais de 15 organizações e veículos de mídia latino-americanos investigam, de forma colaborativa, a circulação de informações falsas e a manipulação de conversas públicas na mídia digital durante este “super ano eleitoral” de 2024 na América Latina. No Brasil, participam do consórcio o ICL Notícias, Aos Fatos e Intercept Brasil.

O caminho da apuração

A reportagem soube por uma fonte da mudança no nome da comunidade no Telegram e apurou que ela estava sendo divulgada por Pablo Marçal após a derrubada de suas redes pela Justiça Eleitoral.

A partir dessa informação, a investigação levantou grupos de Facebook e páginas no Instagram de apoio a Marçal e consultou seu histórico. No caso do WhatsApp, foram comparados os nomes de grupos acompanhados pelo Radar Aos Fatos.

Foi consultado um especialista, para analisar o fenômeno. Por fim, a reportagem procurou a assessoria de imprensa de Pablo Marçal e os influenciadores citados para pedir um posicionamento.

Los Ilusionistas

Uma investigação jornalística que busca desvendar a desinformação política no “super ano eleitoral” de 2024 na América Latina. Liderado pelo Centro Latino-americano de Investigação Jornalística (Clip) em aliança com ICL Notícias, Aos Fatos e Intercept Brasil, El Faro (El Salvador), Lab Ciudadano (Honduras), Animal Político e Mexicanos Contra la Corrupción (México), La Prensa e Foco Panamá (Panamá), IDL Reporteros e Ojo Público (Perú), Diario Libre (República Dominicana), El Observador (Uruguai), Fake News Hunters, Cocuyo Effect, ProBox, C-Informa e Medianalisis (Venezuela).

Referências

  1. Aos Fatos (1, 2 e 3)
  2. YouTube (@OAntagonista)
  3. Poder360 (1 e 2)
  4. TSE

Compartilhe

Leia também

falsoVídeo feito por IA circula como se mostrasse furacão Milton

Vídeo feito por IA circula como se mostrasse furacão Milton

falsoÉ falso que DiCaprio se desculpou por festas de Diddy

É falso que DiCaprio se desculpou por festas de Diddy

falsoVídeo exibe catástrofes em outros países e épocas como se fossem furacão Milton

Vídeo exibe catástrofes em outros países e épocas como se fossem furacão Milton