Não é verdade que o governo Lula desviou ampolas de urânio enriquecido para o Irã em 2023. As peças de desinformação compartilham duas reportagens do g1 que não têm relação entre si. Diferentemente do que sugerem os posts, o desaparecimento de ampolas do material em Resende (RJ) ocorreu meses depois da partida de dois navios iranianos que atracaram no Rio de Janeiro.
Publicações com o conteúdo enganoso acumulavam 11 mil compartilhamentos no Facebook até a tarde desta terça-feira (17).
Mas olha, a indústria nuclear do Brasil investiga sumiço de ampolas com amostra de urânio enriquecido em Resende. Quando? 16 de agosto de 2023 [...] Isso me fez lembrar dessa notícia [...] 1 do 3 de 2023. Navios de guerra do Irã estão atracados no Porto do Rio. Visita gera reação de autoridades dos EUA. Navio de guerra do Irã. Irã, urânio, terrorismo.

Publicações enganam ao relacionar duas notícias publicadas pelo g1 em 2023 para sugerir que o governo Lula teria desviado urânio enriquecido para o Irã fabricar armas nucleares:
- A primeira reportagem noticia uma investigação da INB (Indústrias Nucleares do Brasil) sobre o sumiço de ampolas com amostras de urânio enriquecido em Resende;
- Já o segundo texto afirma que navios de guerra do Irã atracaram no Porto do Rio, o que gerou uma reação de autoridades americanas.
Diferentemente do que sugerem as peças de desinformação, os casos não têm relação entre si. A ausência dos tubos do mineral foi identificada em julho de 2023, após a transferência do recurso entre áreas de armazenamento da FCN (Fábrica de Combustível Nuclear). A informação foi noticiada no mês seguinte.
Nesse período, os navios de guerra iranianos já não estavam mais no Brasil. As embarcações Iris Makran e Iris Dena foram autorizadas a atracar por meio de publicação no Diário Oficial da União durante o período de 26 de fevereiro a 4 de março — quatro meses antes, portanto, de a INB identificar o sumiço do recurso.
Aos Fatos não identificou nenhum registro de que o navio tenha recebido qualquer remessa do mineral durante sua estadia. Também não há indícios de que houve exportação de urânio ao Irã em qualquer momento.
Procurada pelo Aos Fatos, a Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República) afirmou, em nota, que o Brasil nunca vendeu urânio para o Irã e que o país é signatário de tratados que impedem a proliferação de armamento nuclear. A pesquisa e produção de urânio enriquecido no Brasil é de caráter “exclusivamente pacífico”.
A quantidade de urânio que desapareceu em 2023 — duas ampolas de 8g de urânio enriquecido a 4,25% — também não seria suficiente para criar armas nucleares. Segundo a CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear), responsável pelo controle da atividade nuclear no Brasil, os frascos continham apenas amostras do material, em quantidades cuja "liberação não acarreta danos radiológicos à saúde de um indivíduo".

A peça de desinformação passou a viralizar nos últimos dias na esteira dos conflitos entre Israel e Irã. A publicação enganosa foi compartilhada inclusive por parlamentares, como o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Aos Fatos procurou o parlamentar para que pudesse comentar a checagem, mas não houve retorno.
O caminho da apuração
Aos Fatos analisou a íntegra das duas notícias do g1 citadas pelas peças de desinformação, além de outros textos que contextualizam os casos. Também procuramos a Secom (Secretaria de Comunicação Social) e a INB para abrir espaço para eventuais posicionamentos sobre a desinformação viral.
Por fim, entramos em contato com o deputado Eduardo Bolsonaro para que ele pudesse comentar a checagem, mas não houve resposta.