“Não dá pra ficar nesse lenga-lenga”, disse o presidente Lula (PT) ao comentar, na última quarta-feira (12), o tempo que o Ibama tem levado para autorizar ou não que a Petrobras realize pesquisas e eventualmente explore petróleo na bacia da foz do rio Amazonas — “sonho” defendido pelo petista desde o início de seu governo.
A pressão de Lula para que a decisão seja tomada tem motivo: quanto mais tarde ela vier, mais próxima estará a COP-30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), que acontece em novembro, em Belém.
Para especialistas, a defesa da exploração lança uma mensagem contraditória, uma vez que o país estará presidindo uma conferência cujas agendas envolvem a transição energética.
O governo, no entanto, enxerga a questão com um olhar político e acredita que a exploração da região pode gerar capital para as eleições de 2026 ao levar desenvolvimento socioeconômico para a região, que tem como um de seus representantes o recém-eleito presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
Entenda o que está por trás da discussão sobre a exploração, cujo licenciamento é discutido desde 2013:
1. Linha do tempo de posicionamentos do governo sobre a questão
- Nov.2022: dias depois de Lula vencer a eleição, a Reuters publica que o PT avaliava acionar a Justiça para tentar interromper o processo de licenciamento da exploração do poço localizado na bacia da foz do rio Amazonas;
- Mar.2023: ao ser questionada sobre o assunto, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, diz que a Petrobras “deve transitar para ser uma empresa de energia. Não só de exploração de petróleo”. Dias depois, no entanto, o presidente da estatal, Jean Paul Prates, defende o projeto de exploração;
- Mai.2023: o Ibama nega o pedido de licença ambiental para a perfuração do poço e Lula comenta o caso pela primeira vez. “Se explorar esse petróleo tiver problemas para a Amazônia, certamente não será explorado. Mas eu acho difícil, porque é 530 km de distância da Amazônia [argumento que foi problematizado pelo Aos Fatos]”. Marina também comenta a decisão, que classifica como “técnica”, e afirma que posição “devia ser respeitada”;
- Ago.2023: Lula diz que “continua sonhando” com a exploração de petróleo na região e defende pesquisas para descobrir se há ou não combustível fóssil no local. Nesse mesmo mês, a AGU (Advocacia-Geral da União) publica um parecer defendendo que a questão seja levada à CCAF (Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal) para a realização de um acordo entre a Petrobras e o Ibama. Marina, então, critica a AGU, dizendo que “não existe conciliação para questões técnicas”;
- Set.2023: Lula, mais uma vez, defende que é necessário pesquisar para descobrir se há petróleo no local e repete que a exploração não deve afetar o rio, já que o poço se encontra a “575 quilômetros à margem”;
- Out.2023: Prates diz que Petrobras quer começar a explorar bacia em 2024;

- Jan.2024: Marina Silva diz que, apesar do licenciamento ser uma questão técnica, a decisão de explorar ou não a bacia é de responsabilidade do governo;
- Mai.2024: nova presidente da Petrobras, Magda Chambriard, defende a exploração de petróleo no local;
- Jun.2024: o próprio Lula concorda que a defesa da exploração contradiz o posicionamento do governo pela transição energética. Mas “enquanto a transição energética não resolve o nosso problema, o Brasil tem que ganhar dinheiro com esse petróleo”;
- Fev.2025: no início do mês, Lula diz que irá “destravar” a licença ambiental e coloca panos quentes em Marina Silva ao defender que ela não seria a responsável pela demora da decisão do Ibama. O presidente então critica o Ibama pela suposta demora em dar o aval para o licenciamento. Em resposta, servidores do instituto dizem que a fala é “inadmissível”.
2. Por que a Petrobras quer explorar a bacia?
Com cerca de 350 mil km², a bacia da foz do rio Amazonas se estende do Pará à Guiana Francesa. Desde a década de 1970, 95 poços foram perfurados na região, todos em águas rasas. A maioria dos projetos foram abandonados devido à falta de viabilidade comercial, acidentes e dificuldades logísticas. Agora, a Petrobras propõe explorar a área em águas profundas.

O interesse da estatal na área ressurgiu após grandes descobertas de petróleo na Guiana e no Suriname. Em 2021, estimativas indicaram que a margem equatorial poderia conter de 20 a 30 bilhões de barris, e especialistas acreditam que a bacia da foz do rio Amazonas tem potencial semelhante. No entanto, essa estimativa só poderia ser confirmada após novas perfurações.
A Petrobras solicitou licenciamento de pesquisa ao Ibama para verificar a presença de petróleo no bloco FZA-M-59. Caso confirmada a viabilidade comercial, a estatal buscaria então nova licença para produção. No entanto, o Ibama barrou a licença inicial, alegando necessidade de mais estudos ambientais. A Petrobras recorreu e aguarda nova decisão.
3. Quais os argumentos favoráveis e contrários à exploração?
De acordo com especialistas, a perfuração para exploração de petróleo na bacia da foz do Amazonas pode gerar diversos impactos ambientais e sociais:
- A região é altamente sensível, abrigando o Grande Sistema de Recifes do Amazonas e a maior zona contínua de manguezais do mundo;
- A movimentação de embarcações e aeronaves pode afetar a fauna local, enquanto os abalos sísmicos da perfuração podem prejudicar a vida marinha e até impactar comunidades indígenas que vivem próximas ao local;
- A atividade econômica pode gerar especulação imobiliária e aumento do desmatamento.
A Petrobras argumenta que o risco ambiental é baixo e que há planos para monitoramento e atendimento da fauna em caso de incidentes. Além disso, especialistas apontam que as correntes marítimas da região reduzem as chances de contaminação das praias brasileiras em caso de vazamento.
Há também desafios técnicos para a operação, como as fortes correntezas da região, que já levaram a Petrobras a abandonar um poço na mesma bacia em 2011. Embora a estatal tenha experiência em águas profundas, o risco de acidentes não pode ser completamente descartado. Caso ocorra um vazamento, a distância da costa e das bases de apoio pode dificultar ações rápidas de contenção.
No campo econômico, a Petrobras argumenta que a exploração abriria uma nova fronteira para o Brasil, fortalecendo a segurança energética do país. Estima-se que a margem equatorial possa conter entre 10 e 30 bilhões de barris de petróleo, o que poderia elevar a produção nacional em mais de 1,1 milhão de barris por dia a partir de 2029. A exploração também geraria empregos e impulsionaria setores como hotelaria e alimentação na região.
No entanto, ambientalistas alertam que a perfuração pode não trazer os benefícios esperados. O petróleo pode não ser encontrado em quantidade suficiente ou sua extração pode demorar décadas, tornando o investimento menos viável diante da crescente transição global para energias renováveis. Além disso, a exploração aumentaria as emissões de dióxido de carbono, prejudicando as metas ambientais do Brasil e sua reputação internacional.
Defensores do projeto discordam dessa visão. Eles argumentam que a demanda por petróleo deve permanecer alta e que a indústria tem desenvolvido tecnologias para reduzir impactos ambientais. Além do uso como combustível, o petróleo ainda é essencial para a produção de plásticos e outros materiais, e os acordos internacionais focam na compensação das emissões, não na eliminação total do recurso.
O caminho da apuração
Aos Fatos procurou por posicionamentos de Lula e integrantes do governo sobre a exploração da bacia da foz do rio Amazonas para construir uma linha do tempo.
Também resumimos a explicação da reportagem “O que está em disputa na abertura do poço de petróleo na bacia da foz do rio Amazonas” publicada pelo Aos Fatos em agosto de 2023.