Golpistas vendem falsos testes para detectar metanol em bebidas

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Em meio a uma crise de saúde que já deixou ao menos cinco mortos e dezenas de intoxicados por metanol, criminosos têm impulsionado nas redes anúncios golpistas de produtos que prometem detectar a presença da substância em bebidas.

Por meio de busca na biblioteca de anúncios da Meta, Aos Fatos localizou ao menos 24 publicações que promovem canetas e kits de testes que supostamente ajudariam na detecção do metanol. Todos os sites apontados pelos anúncios têm características comuns a páginas que aplicam golpes financeiros.

Procurado pelo Aos Fatos, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que não existem testes comercializados para o público que permitam detectar a presença de metanol em bebidas. Ainda segundo a pasta, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) é responsável por regular e autorizar a venda desses produtos, avaliando sua segurança e eficácia.

A imagem mostra três produtos lado a lado que afirmam detectar metanol em bebidas. À esquerda, há um dispositivo cilíndrico metálico cinza escuro com tela digital verde e a inscrição MeSafe Pen. Ao centro, aparece um objeto preto com luz azul e o nome SafeDrink Pro. À direita, há dois frascos plásticos com rótulos que trazem o texto 'Alerta Metanol – Teste rápido para bebidas', um com tampa branca e outro com tampa vermelha, ambos da marca 'SafeDrink Labs'.
Falsos testes de detecção de metanol usam imagens geradas por inteligência artificial (Reprodução)

O ministério orienta os consumidores a verificar se o item tem registro válido na Anvisa antes da compra ou uso, para evitar riscos à saúde.

Uma análise feita pelo Aos Fatos aponta fortes indícios de que as páginas buscam aplicar golpes nos usuários:

  • Nenhum dos testes têm registro na Anvisa, conforme pode ser verificado no site da própria agência;
  • As páginas não informam o CNPJ nem o nome do fabricante dos supostos testes;
  • As avaliações e depoimentos de supostos consumidores são falsos, assim como os selos de certificação apresentados;
  • A estética e o modus operandi das páginas de pagamento são idênticos às de outros golpes já desmentidos pelo Aos Fatos, em que é necessário preencher dados pessoais e pagar uma taxa supostamente referente ao frete do produto.

Um dos testes fraudulentos que tem sido propagado nas redes é a caneta SafeDrink Pro, cuja unidade é vendida por R$ 129,90. No site do produto, há a falsa promessa de “detecção instantânea de metanol e drogas”. A página também afirma que o dispositivo teria sido aprovado pela Anvisa, o que não procede.

Alguns anúncios do falso produto afirmam ainda que o aparelho teria sido desenvolvido por pesquisadores do Instituto Butantan, o que foi negado pela entidade.

A imagem mostra uma publicação patrocinada em rede social da página identificada como 'Safedrink'. O post traz texto publicitário afirmando que o produto 'SafeDrink Pro' detecta metanol e outras substâncias letais em bebidas. Abaixo do texto, há duas imagens lado a lado: à esquerda, a fachada de um prédio com o letreiro 'Instituto Butantan'; à direita, uma mão segurando um dispositivo preto com o nome 'SafeDrink Pro', posicionado sobre um copo com líquido vermelho.
Em um dos anúncios falsos é mencionado que o teste denominado SafeDrink Pro foi desenvolvido pelo Instituto Butatan, o que não procede

Por fim, uma análise da imagem da caneta aponta indícios de que se trata de conteúdo gerado por IA:

  • A imagem possui um losango estilizado no canto inferior direito, que é adicionado automaticamente a imagens criadas pela ferramenta Gemini, do Google;
  • Além disso, a suposto aparelho tem textura artificial e superfície sem imperfeições, algo incomum em fotos reais;
  • A iluminação da cena é uniforme, com sombra muito suave e pouca variação de luz no fundo;
  • Os reflexos no vidro da taça não apresentam a complexidade e a sutileza observadas em fotos reais;
A imagem mostra um dispositivo cilíndrico preto com a inscrição 'SafeDrink Pro' e uma pequena luz azul acesa, apoiado diante de uma caixa branca que exibe o mesmo nome e a imagem do produto. Ao lado, há uma taça de coquetel com líquido avermelhado e um canudo marrom, posicionada sobre uma superfície cinza e com fundo neutro.
Aos Fatos verificou que a imagem do produto ‘SafeDrinl Pro’ foi criada por IA

Testes Laboratoriais

Atualmente, a presença de metanol em bebidas pode ser comprovada apenas por testes laboratoriais.

As autoridades sanitárias utilizam a cromatografia gasosa, técnica considerada o padrão ouro para detecção da substância, que separa e analisa os componentes das misturas. Amostras de sangue ou urina de pacientes suspeitos de contaminação também são examinadas.

De acordo com os especialistas ouvidos por Aos Fatos em reportagem anterior, não há uma forma caseira de determinar a presença do metanol em bebidas alcoólicas, já que o composto é incolor e não altera o aroma ou o sabor da bebida. Por isso, autoridades desaconselham o consumo de destilados enquanto não há conclusões sobre a origem da contaminação.

Pesquisa e desenvolvimento de produtos

Pesquisadores brasileiros têm estudado e desenvolvido produtos que buscam detectar a presença de metanol em bebidas. Nenhum deles, no entanto, está disponível no mercado atualmente.

Na UEPB (Universidade Estadual da Paraíba), especialistas estão desenvolvendo um canudo que muda de cor ao entrar em contato com o metanol. Os produtos serão destinados, inicialmente, aos órgãos de vigilância sanitária, e não há previsão de venda para pessoas físicas.

Cientistas do Instituto de Química da Unesp (Universidade Estadual Paulista) também desenvolveram, ainda em 2022, um kit rápido e de baixo custo capaz de identificar a presença de metanol em bebidas alcoólicas e combustíveis. Faltam, porém, parceiros comerciais para que o produto chegue ao mercado.

Já pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) e da UFSJ (Universidade Federal de São João Del Rei) desenvolveram uma maneira de medir a presença de metanol em biodiesel que poderia ser adaptada para a análise de bebidas. O método utiliza um teste químico e uma foto tirada com uma câmera de celular para identificar a presença do composto tóxico.

Outro lado

Aos Fatos procurou a Meta para que a empresa comentasse a presença de anúncios de falsos testes e aparelhos em suas plataformas, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.

O caminho da apuração

Aos Fatos buscou por anúncios e publicações nas redes e plataformas de publicidade. Foram realizadas buscas reversas de imagem para verificar a autenticidade das fotos usadas e determinar se haviam sido geradas por IA. Em paralelo, consultamos o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Anvisa para confirmar a existência de produtos desse tipo com registro válido no país.

A reportagem também analisou os sites que comercializavam os kits e canetas, verificando a ausência de informações legais, como CNPJ, dados do fabricante e registros oficiais.

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