Criminosos seguiram vendendo cartões de vacinação fraudados diretamente no sistema do SUS (Sistema Único de Saúde) mesmo após autoridades terem se comprometido a tomar providências, há três meses. Embora a AGU (Advocacia-Geral da União) tenha ingressado com uma ação na Justiça pedindo a suspensão dos perfis no Telegram, as contas foram deletadas somente nesta quinta-feira (11), após Aos Fatos reportá-las à plataforma mais uma vez.
O caso foi revelado pelo Aos Fatos em reportagem publicada em setembro do ano passado. A fraude é divulgada em grupos antivacina por usuários anônimos. Mediante pagamento, eles alteram os dados de pacientes no SUS, conforme a apuração comprovou à época e como indicam prints divulgados pelos próprios criminosos.
Na ação, a AGU solicitou a suspensão de perfis e grupos no Telegram que estivessem promovendo ou vendendo os certificados fraudados sob pena de suspensão da plataforma. O Aos Fatos verificou, no entanto, que alguns dos usuários citados na ação seguiam ativos e publicando mensagens em que ofereciam a fraude:
- Cinco usuários e ao menos três grupos citados pela AGU seguiam ativos com os mesmos nomes presentes na ação judicial até a manhã desta quinta-feira (11), enquanto um sexto usuário recriou o perfil com um nome similar;
- Já alguns usuários que tiveram os nomes mencionados na ação decidiram ocultar seus perfis, o que impossibilita que sejam encontrados pela barra de pesquisa;
- Aos Fatos também verificou que outros usuários e grupos usados pelos fraudadores que não foram citados pela AGU seguiam ativos. Nesses grupos, onde o esquema criminoso era disseminado junto de peças de desinformação sobre vacinas, havia cerca de 8.000 membros.
Um dos grupos em atividade encontrados pelo Aos Fatos foi criado em 3 de outubro do ano passado, dois dias antes de a AGU ingressar com a ação contra o Telegram. Desde então foram postadas cerca de 90 capturas de tela que supostamente comprovariam a negociação com clientes, o que inclui o processo de pagamento e registros de consumação da fraude. Algumas das capturas mostram inclusive os lotes das vacinas utilizadas. A imagem mais recente foi publicada na última segunda-feira (8).
O esquema anunciado nos grupos é idêntico ao revelado pelo Aos Fatos na reportagem publicada em setembro: de posse do número do CPF, do nome completo e do número do cartão do SUS do cliente, os criminosos inserem doses falsas de vacina direto no sistema do Ministério da Saúde. O pagamento só é feito após a comprovação de que a dose aparece no ConecteSUS.
Ao longo dos últimos meses, no entanto, houve uma guinada na área de atuação dos fraudadores, que agora miram principalmente pais de crianças e adolescentes. Em mensagem publicada há cerca de uma semana, por exemplo, os criminosos divulgaram a notícia de que o Ministério da Saúde havia incluído a vacina contra Covid-19 no calendário infantil acompanhada de uma mensagem que incentivava a fraude nos registros de crianças e adolescentes. “Não deixem que contaminem nossos pequenos”, dizia o post.
Em outro grupo, a mensagem mais recente, publicada na última terça-feira (9), oferecia a regularização da situação vacinal com data retroativa e espaçamento entre as doses.
OUTRO LADO
Questionado sobre a continuidade do esquema criminoso de venda de doses de vacina fraudadas mesmo após a ação judicial da AGU, o Telegram deletou perfis reportados pelo Aos Fatos e afirmou na tarde desta quinta-feira que desde a criação da plataforma “remove conteúdo prejudicial, incluindo fraudes e venda de produtos fraudulentos – incluindo certificados fraudulentos de Covid-19”. Aos Fatos verificou, no entanto, que dois grupos citados pela AGU constam como privados, embora figurem como inacessíveis. Já o terceiro aparece como deletado. Um dos usuários segue ativo.
Após a publicação da primeira reportagem, que relatava um caso que envolvia uma clínica da rede municipal do Rio de Janeiro, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro registrou um boletim de ocorrência pelo sistema online da Polícia Civil, que foi direcionado para a 21ª Delegacia de Polícia. Procurada por Aos Fatos para saber se houve abertura de investigações sobre o caso, a Polícia Civil não respondeu.
O Ministério da Saúde também não retornou o contato.
Já o MPF-RJ (Ministério Público Federal do Rio de Janeiro) respondeu à solicitação do Aos Fatos, mas afirmou que “há procedimento que menciona o aplicativo Telegram e passaportes vacinais” atualmente sob sigilo, e que portanto não poderia comentar.
Quanto à ação promovida pela AGU, o órgão informou inicialmente por telefone que ainda aguardava a análise do caso. A expectativa é que o julgamento ocorra após o recesso do Judiciário. Em nota posterior, a AGU disse que esperava que pedido de remoção dos canais do Telegram fosse apreciado pelo Poder Judiciário com a maior celeridade possível.
Aos Fatos licencia suas checagens para que plataformas digitais desenvolvam políticas de combate à desinformação. O Telegram é uma delas. Entenda.