Oportunismo de Zuckerberg com fim de checagem nos EUA é prenúncio do que virá no resto do mundo

Compartilhe

O anúncio da Meta de que irá encerrar seu programa de checagem de fatos nos Estados Unidos é a movimentação mais relevante de Mark Zuckerberg para consolidar a aproximação que realiza há meses com Donald Trump.

Na quinta-feira (2), a empresa divulgou a saída de Nick Clegg, presidente da área de relações governamentais, e a promoção do vice-presidente Joel Kaplan. Os motivos dessa mudança ficam evidentes ao comparar as carreiras e os posicionamentos públicos de ambos.

Ex-vice-primeiro-ministro do Reino Unido, Clegg construiu uma trajetória na política com posições de centro-esquerda. Desde que entrou na Meta, em 2018, defende a checagem de fatos como fundamental para a democracia. Em setembro, durante evento em Londres, ele opinou que, ao encerrar os esforços de moderação de conteúdo, Elon Musk tornou o X “numa espécie de cavalo de batalha ideológico e hiperpartidário de um homem só”.

Já Kaplan é um advogado formado em Harvard e filiado ao Partido Republicano, que trabalhou na campanha presidencial de George W. Bush e ocupou cargos nos oito anos de governo dele. Depois, virou lobista no setor de energia — e migrou para o Facebook em 2011, a convite de Sheryl Sandberg, sua ex-colega de universidade, então diretora de operações e braço direito de Zuckerberg até 2022.

Kaplan virou chefe do escritório de Washington em 2014, quando os Estados Unidos estavam às vésperas da eleição de Trump. Após a vitória, em 2016, as conexões do executivo foram fundamentais para a empresa avançar seus interesses durante o primeiro governo Trump, quando ele desafiava as regras de moderação do Facebook, como narra reportagem da Wired de 2022.

Agora, Kaplan busca expandir sua visão para além dos Estados Unidos. Nesta terça (7), em entrevista ao programa Fox & Friends — que tem Trump como fiel espectador —, ele disse que o retorno do republicano à Casa Branca representa “uma oportunidade” para reagir contra a moderação de conteúdo, à qual ele também se referiu como “censura”.

“Temos uma nova administração e um novo presidente que estão chegando e que são grandes defensores da liberdade de expressão, e isso faz a diferença”, afirmou.

“Uma das coisas que já percebemos é que, quando você tem um governo dos Estados Unidos que pressiona por censura, isso abre a temporada para que outros governos ao redor do mundo, onde sequer há as proteções [à liberdade de expressão] da primeira emenda, também pressionem empresas americanas”, ele continuou.

“Trabalharemos com o presidente Trump para impedir esse tipo de coisa em todo o mundo.”

Entre todas as versões oficiais divulgadas pela Meta, a entrevista com o executivo é a que mais se aproxima do verdadeiro motivo da decisão — agradar Donald Trump —, tanto pelo meio como pela mensagem.

O presidente que tomará posse no próximo dia 20 já ameaçou mandar Zuckerberg para a prisão, mas isso são águas passadas. A eleição americana ficou marcada pela convergência de interesses entre o republicano e as big techs.

O CEO da Meta ligou para Trump durante a campanha, após o tiro de raspão na tentativa de assassinato. No fim de novembro, foi a Mar-a-Lago — resort de Trump na Flórida que serve de base para o governo de transição — e tiveram uma reunião. Em dezembro, a Meta doou US$ 1 milhão para a cerimônia de posse.

Uma das mensagens passadas tanto por Kaplan como por Zuckerberg, no vídeo desta terça (7), é de que a Meta está “voltando às raízes”. “Atingimos um ponto em que simplesmente há muitos erros e muita censura”, disse o CEO, referindo-se ao trabalho dos checadores de fatos — que apoiava desde 2016, quando o programa foi criado.

“Zuckerberg faz uma confusão deliberada entre o que é o programa de checadores e a estrutura de moderação de conteúdo”, diz Iná Jost, coordenadora de pesquisa do InternetLab.

“Ele dá a entender que os checadores têm ingerência direta na circulação de conteúdo — no que vai circular, no que vai ser alcançado, no tamanho do alcance, no que vai ser retirado, no falso positivo, no falso negativo —, quando, na verdade, os checadores servem como um apoio a essa grande engrenagem que é a moderação de conteúdo.”

Zuckerberg acena a parcela relevante da base de Trump até mesmo no visual — uma camiseta preta oversized, uma corrente de ouro com pingente e um relógio chamativo, na moda de homens jovens que assistem às lutas do UFC, do qual ele é fã.

Na segunda-feira (6), a Meta informou que Dana White, presidente da franquia de MMA e apoiador do presidente eleito, passaria a compor o conselho da empresa. O UFC ocupa espaço importante no universo masculino de Trump, como escrevi na Plataforma #52 (12.dez.2024).

Por mais que a Meta tenha interesse em manter boas relações com governos de mercados relevantes, como é o caso do Brasil, está clara qual será a diretriz de moderação de conteúdo daqui em diante. Assim como o ex-Twitter sob Elon Musk se tornou linha auxiliar do extremismo de direita, Zuckerberg demonstra a disposição de fazer o mesmo — só que com alcance maior e consequências negativas ainda mais graves.

“O ponto principal é: levamos desinformação a sério”, Zuckerberg escreveu em um post em novembro de 2016, durante a campanha que levaria Trump pela primeira vez à Casa Branca, a primeira disputa presidencial nos Estados Unidos com uma enxurrada de mentiras.

“Há muitas organizações de verificação de fatos respeitadas e, embora tenhamos entrado em contato com algumas, planejamos aprender com muitas outras”, ele continuou. O programa de checagem de fatos foi anunciado no mês seguinte, dezembro de 2016.

A escolha oportunista de Zuckerberg de encerrá-lo agora — e ainda por cima atacar a reputação dos ex-parceiros — segue a mesma lógica da decisão que tomou há oito anos: é melhor para os negócios.

Há oito anos, enfrentando repercussões do escândalo da Cambridge Analytica e a novidade representada pela campanha desinformativa de Donald Trump, o Facebook tomou o caminho mais responsável, que protegia sua reputação diante de tomadores de decisão.

Agora, com Trump de volta ao poder mais extremista do que nunca, a Meta achou melhor navegar com a maré. Zuckerberg cansou de pedir desculpas, mesmo que o mundo saia perdendo.

Referências

  1. Aos Fatos (1, 2 e 3)
  2. Politico
  3. Wired
  4. YouTube (Fox & Friends)
  5. Vox
  6. BBC
  7. Axios
  8. Facebook (Mark Zuckerberg) (1 e 2)
  9. The Verge (1 e 2)
  10. Núcleo
  11. The New York Times

Compartilhe

Leia também

falsoVídeo do letreiro de Hollywood em chamas foi gerado por IA

Vídeo do letreiro de Hollywood em chamas foi gerado por IA

falsoÉ falso que Haddad disse que plano do governo Lula é ‘taxar tudo’

É falso que Haddad disse que plano do governo Lula é ‘taxar tudo’

Checagem coíbe fraudes e exploração de tragédias em redes da Meta

Checagem coíbe fraudes e exploração de tragédias em redes da Meta