Beto Barata/Agência Senado

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Junho de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Família Bolsonaro pediu o fim do foro privilegiado 9 vezes antes de decisão que beneficiou Flávio

Por Amanda Ribeiro

26 de junho de 2020, 19h13

A família Bolsonaro defendeu publicamente o fim do foro privilegiado ao menos nove vezes desde 2017, todas antes de o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) recorrer ao mecanismo no inquérito que o investiga pela prática de “rachadinha”. Nesse período, o parlamentar se posicionou em três ocasiões contra a prerrogativa; o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em quatro; o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos) uma vez cada, segundo levantamento do Aos Fatos em registros nas redes sociais e na imprensa.

Na quinta-feira (25), Flávio entrou com um recurso no TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) para que a investigação tramitasse na segunda instância, com base no foro privilegiado. O recurso foi aceito e, com isso, o caso deixou de ser conduzido pelo juiz Flávio Itabaiana, que determinou a prisão do ex-assessor do senador e amigo do presidente, Fabrício Queiroz, em 18 de junho.

Agora, as provas obtidas por autorização de juízes de primeira instância podem, inclusive, ser anuladas caso o Órgão Especial do TJ-RJ, novo responsável pelo caso, acate um eventual pedido de Flávio. No processo, o senador é suspeito de recolher parte dos salários de funcionários de seu gabinete quando era deputado estadual no Rio, o que é ilegal.

Essa é a segunda vez que Flávio recorre ao foro privilegiado para tentar alterar o curso das investigações do Ministério Público. Em janeiro do ano passado, sua defesa usou a prerrogativa para acionar o STF (Supremo Tribunal Federal) e garantir que o processo passasse às mãos da corte, mas a solicitação não foi atendida.

O foro especial por prerrogativa de função, também conhecido como foro privilegiado, é um mecanismo usado para determinar a competência penal sobre ações contra autoridades públicas. Isso significa que uma ação contra um parlamentar, por exemplo, deve ser julgada por um tribunal superior, diferentemente do que ocorre com os demais cidadãos.

Abaixo, Aos Fatos detalha as críticas, a mudança no tom e o silêncio do senador e de sua família sobre o foro privilegiado.


Flávio Bolsonaro

Flávio Bolsonaro era um defensor do fim do foro privilegiado antes do início das investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre o esquema de “rachadinhas” — nome dado à prática em que funcionários públicos devolvem ilegalmente parte de seus salários a quem os contratou.

Em vídeo que não teve a origem determinada por Aos Fatos, mas que circula nas redes de parlamentares da oposição desde o início de 2019, Flávio afirma que “criminoso tem que cumprir o que a lei estabelece como pena para ele. Então não é passar a mão na cabeça de marginal, não é uma lei diferente para um cidadão e diferente para outro não. A lei é igual para todos. Ou pelo menos deveria para ser”.

Antes disso, em publicação no Twitter em maio de 2017, o então deputado estadual pelo Rio de Janeiro criticou a intenção de alteração, por meio de Proposta de Emenda à Constituição, do foro privilegiado, que seria estendido para ex-presidentes.

“Mudar a lei por uma ocasião de momento me cheira a golpe. O povo pode enxergar uma manobra para que Lula tente alcançar foro privilegiado”. Na época, Lula não havia sido preso pela Operação Lava Jato e era cotado como o candidato do PT às eleições presidenciais do ano seguinte.

O discurso de Flávio sobre o assunto, no entanto, sofreu mutações à medida em que avançavam as investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre a prática das “rachadinhas” na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). Em janeiro de 2019, quando já havia sido eleito senador, mas ainda não havia tomado posse do cargo, ele pediu ao STF que suspendesse as investigações sobre as movimentações financeiras de seu ex-assessor, Fabrício Queiroz. De acordo com ele, como agora era senador, o processo deveria passar à Suprema Corte.

Em entrevista à Record no dia 18 daquele mês, o ex-deputado estadual afirmou que era contra o foro, mas que não tinha escolha. “Eu sou contra o foro, mas não é uma escolha minha. O foro é por prerrogativa de função. Então, querendo ou não querendo, eu tenho que entrar com o remédio legal no órgão competente. O STF é o único órgão que pode falar qual é o foro”.

Quando, no dia 1º de fevereiro, o ministro do STF Marco Aurélio Mello decidiu negar o pedido da defesa do agora senador, Flávio voltou atrás e disse nunca ter recorrido ao foro. "A decisão do ministro Marco Aurélio hoje, na verdade, foi o que pedimos na reclamação. Eu cumpri a legislação, cumpri a decisão do Supremo, que é a autoridade responsável por analisar caso a caso, qual o foro competente e decidiu que é o Rio de Janeiro e assim vou fazer".

Apesar de afirmar, nessas duas ocasiões, que a decisão sobre a prerrogativa caberia ao STF, Flávio decidiu recentemente recorrer à primeira instância, que concedeu o pedido de foro especial ao senador nesta quinta-feira (25). No pedido assinado pela advogada Luciana Pires, foi questionada a competência da primeira instância para julgar o caso, já que, à época dos fatos investigados, Flávio era deputado estadual.

A decisão do TJ-RJ sobre o caso contraria o entendimento vigente do Supremo Tribunal Federal. Em decisão de maio de 2018, os ministros determinaram que a prerrogativa de foro se estende apenas a crimes cometidos no exercício do cargo e em razão das funções relacionadas a ele. Como deixou o cargo de deputado estadual, que ocupava à época dos crimes investigados, Flávio não teria mais direito à proteção em casos que ocorreram durante o mandato na Assembleia Legislativa do Rio.

Esse entendimento foi adotado em casos de investigações de figuras como o ex-presidente Michel Temer (MDB), por exemplo. Ao abandonar o cargo, os quatro inquéritos pelos quais o emedebista respondia no STF foram remetidos à primeira instância.


Jair Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro também reúne declarações pelo fim do foro privilegiado. Uma delas, gravada em 2017, repercutiu nas redes sociais depois da decisão do TJ-RJ em favor de Flávio: nela, sentado ao lado do filho mais velho, Bolsonaro chama o mecanismo de “porcaria”. “Dos 513 deputados, uns 450 vão ser reeleitos [nas eleições de 2018]. Por que eles têm que ser reeleitos? Para continuar com o foro privilegiado? O único prejudicado com o foro privilegiado sou eu. Eu não quero essa porcaria de foro privilegiado”.

Nesse mesmo ano, o então deputado federal se manifestou ao menos outras três vezes sobre a prerrogativa, em especial para comentar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que acabava com a possibilidade de uso do mecanismo no caso de crimes comuns. Originada no Senado, a PEC foi aprovada por unanimidade e remetida à Câmara em 2017, onde ainda não foi votada.

Questionado em entrevista à Veja sobre a proposta, Bolsonaro se disse contra o foro, mas fez uma ressalva que repetiria em ao menos três outras ocasiões: a de que, se casada a um possível entendimento do STF de que crimes cometidos por políticos só poderiam ter prisão aprovada em última instância, a impunidade aumentaria.

“Então qualquer parlamentar, ao ser processado lá em primeira instância, ele vai ter um caminho muito longo a percorrer, 20, 25, 30 anos, até lá, vai morrer, até chegar ao mesmo local de onde ele saiu. Então, a meu entender, é um engodo isso aí. É uma forma de fazer com que esses que têm foro privilegiado levem 25, 30 anos até terem uma decisão final sobre o seu processo”.

Aos Fatos não localizou declarações do presidente favoráveis ou contrárias ao foro especial após as investigações que envolveram o seu filho.


Eduardo e Carlos Bolsonaro

Irmãos mais novos do senador, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) também já se manifestaram contra a prerrogativa de foro em ocasiões passadas, a exemplo do restante da família. Em publicação no Twitter em maio de 2017, Eduardo mostra de maneira bem explícita ser contrário ao mecanismo. “Sou pelo fim do foro privilegiado”.

Carlos, por sua vez, citou o foro em publicação que debochava da pré-candidatura do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), à presidência da República em 2018. Em comentário à publicação de outro usuário, o vereador disse que “Esse aí [Rodrigo Maia] só está usando a mídia para ficar sendo lembrado até onde puder e ter mais chances de ser eleito deputado federal para exclusivamente continuar com foro privilegiado! Por que será?”.

Referências:

1. Congresso em Foco (Fontes 1 e 2)
2. G1 (Fontes 1 e 2)
3. UOL (Fontes 1 e 2)
4. Politize!
5. Câmara
6. Valor Econômico
7. STF
8. Folha de S.Paulo
9. Senado

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