É falso que boxeadora Imane Khelif já lutou em categorias masculinas

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Não é verdade que a boxeadora argelina Imane Khelif passou a competir em categorias femininas após “mudar de sexo”, como alegam publicações enganosas. Khelif não se identifica como transexual, não realizou transição de gênero e participou apenas de competições femininas desde o início de sua carreira profissional, em 2018.

De modo preconceituoso, as peças também afirmam que a boxeadora treina com homens como se isso fosse um indicativo de mudança de sexo — mas a prática é comum entre atletas.

Publicações com o conteúdo enganoso acumulavam ao menos 18 mil curtidas no Instagram e centenas de compartilhamentos no Facebook até a tarde desta sexta-feira (2).

Imane lutou na categoria masculina e até hoje treina com homens. Dado momento da sua vida, “virou a chave” e decidiu manter o seu treino com homens mas agora luta na categoria feminina.

Posts afirmam que Khelif lutava na categoria masculina e que o treino de atletas femininas com homens cis seria incomum, o que é falso.

Publicações nas redes mentem ao afirmar que a argelina Imane Khelif lutava na categoria masculina do boxe antes de supostamente realizar uma transição de gênero. Desde 2018, quando iniciou a carreira profissional, a boxeadora competiu apenas em categorias femininas. Além disso, em nenhum momento Khelif se identificou como transexual.

As peças mentirosas alegam também que a boxeadora “decidiu manter o seu treino com homens” após a suposta transição de gênero. No entanto, a prática de atletas de categorias femininas treinarem com homens é comum no esporte. A pugilista brasileira Bia Ferreira, que já garantiu medalha nas Olimpíadas de Paris, é exemplo disso (veja abaixo).

Imane Khelif, que é embaixadora do Unicef na Argélia, vem sendo alvo de ataques preconceituosos após uma luta com a boxeadora italiana Angela Carini, que desistiu do embate aos 46 segundos após ser golpeada no nariz.

Nesta quinta-feira (1º), o COI divulgou uma declaração afirmando que duas boxeadoras têm sido alvo de ataques e de desinformação após uma decisão da IBA (Associação Internacional de Boxe), tomada sem procedimento adequado nem evidência científica.

O comitê diz que toda pessoa tem direito a praticar esportes sem discriminação. E que todos os atletas participantes do torneio de boxe nas Olimpíadas de Paris cumprem todos os regulamentos e regras médicas estipuladas pela competição.

Em março de 2023, a IBA desclassificou Khelif alegando que ela não teria passado pelos critérios de elegibilidade. A associação não revelou o motivo específico da eliminação, mas o presidente da IBA, Umar Kremlev, disse que a instituição identificou atletas que “fingiam ser mulheres” a partir de exames de DNA que supostamente apontaram a presença de cromossomos XY, mas os resultados nunca foram divulgados.

À época, o Comitê Olímpico da Argélia afirmou que Khelif foi desclassificada por questões médicas, enquanto a imprensa argelina informou que altos níveis de testosterona teriam sido encontrados no sangue da atleta, o que foi negado pela IBA.

Três meses depois, a IBA foi excluída dos Jogos Olímpicos devido a recorrentes falhas na integridade e transparência. A associação também foi acusada de manipulação de resultados e corrupção.

“Homem biológico.” As peças desinformativas alegam que Khelif seria um “homem biológico” por supostamente apresentar os cromossomos XY no exame de DNA ou altos níveis de testosterona.

No entanto, nem a suposta presença dos cromossomos XY, que não foi comprovada pela IBA, nem altos níveis de testosterona são provas de que a atleta teria sido designada homem ao nascer. A questão hormonal pode ocorrer por diversos fatores, como o uso de testosterona para ganho de massa muscular.

Já a combinação de cromossomos XY, apesar de predominante em homens, pode ocorrer em mulheres devido à DDS (Diferença de Desenvolvimento Sexual), termo que engloba um conjunto de condições raras envolvendo genes, hormônios e órgãos reprodutivos.

Nesses casos, mulheres com DDS possuem níveis de testosterona mais altos e cromossomos XY em seus DNAs. Desde 2021 o COI permite a participação de atletas com DDS nos Jogos Olímpicos, contanto que não existam problemas claros de equidade e segurança.

O argumento de que Khelif seria um “homem biológico” por causa da suposto nível de testosterona ou da presença de cromossomos XY também ignora a existência das pessoas intersexo.

A ONU considera intersexo pessoas que “nascem com características sexuais que não se enquadram nas definições típicas de corpos masculinos ou femininos, incluindo anatomia sexual, órgãos reprodutivos, padrões hormonais e/ou padrões cromossômicos”.

Também não há consenso científico sobre uma suposta “vantagem natural” de pessoas intersexo em relação a outras competidoras da categoria feminina. Enquanto alguns estudos apontam que altos níveis de testosterona causados por uma condição genética podem impulsionar a performance de determinados tipos de atletas, outros concluem que não há evidências suficientes para afirmar que exista um aumento de desempenho.

Amy Broadhurst, boxeadora irlandesa que derrotou Khelif no Mundial de 2022, solidarizou-se com a colega em seu perfil no X (ex-Twitter) e reforçou que “o fato de que ela já foi derrotada por nove mulheres antes diz tudo”.

O caminho da checagem

Inicialmente, Aos Fatos buscou notícias sobre a carreira de Imane Khelif e o histórico de lutas da boxeadora, constatando que ela sempre participou de campeonatos femininos. Também procurou vídeos de atletas femininas treinando com homens, prática que é sabidamente comum no boxe e em outros tipos de luta.

A alegação de que Khelif seria um “homem biológico” e teria vantagem competitiva em decorrência disso foi investigada em duas etapas. Aos Fatos apurou informações divulgadas pela IBA, pelo COI e pelo Comitê Olímpico Argelino e verificou que não há provas de que a boxeadora tenha sido designada homem ao nascer. Em seguida, buscou artigos científicos e posicionamentos de organizações internacionais sobre a participação de pessoas intersexo em competições esportivas.

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