O candidato a prefeito de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) afirmava desde agosto ter um documento capaz de provar que o adversário Guilherme Boulos (PSOL) seria usuário de cocaína.
A constatação contraria a versão mais recente do ex-coach, que tem tentado se esquivar da responsabilidade pela divulgação em suas redes de um laudo falso afirmando que Boulos teria dado entrada em uma clínica de São Paulo sob o efeito da droga.
“Eu recebi e publiquei”, declarou Marçal na manhã de sábado (5), buscando se eximir de responsabilidade pela falsidade, àquela altura já comprovada por elementos objetivos.
O histórico de declarações dele, porém, contradiz a versão que agora tenta fazer colar. Desde agosto, Marçal mencionava em discursos ter um “documentozinho guardado” contra Boulos.
No início da campanha, o candidato do PRTB dizia que apresentaria a prova só na “hora certa”, em referência ao debate televisivo de maior audiência, o da Globo, dias antes do primeiro turno.
Marçal se esquivou de comprovar os ataques mesmo tendo sido alvo de diversos processos na Justiça Eleitoral por causa das acusações contra Boulos, que resultaram em multas e na obrigação de publicar vídeos de direito de resposta em suas redes.
Ao longo das semanas, porém, seu discurso passou por diversas mudanças, conforme reportagens e a própria campanha de Boulos desmontavam as acusações de Marçal:
- No início, Marçal citou um processo que corria em segredo de Justiça, mas abandonou o argumento quando uma reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que se tratava de uma ação contra um homônimo de Boulos;
- Em seguida, Marçal passou a dizer que a prova teria relação com o “Hospital dos Servidores”. O próprio Boulos explicou que foi internado na instalação, aos 18 anos, por causa de um quadro de depressão crônica;
- Na sexta-feira (4) à noite, o ex-coach publicou em suas redes um receituário falso de uma suposta entrada de Boulos em uma clínica no Jabaquara, em 2021.
Confira o histórico de ataques e mentiras:
4 de agosto
Durante a cerimônia de oficialização de sua candidatura pelo PRTB, Marçal comentou que dois outros candidatos seriam “cheiradores de cocaína” e disse que tinha, em mãos, um prontuário que provaria suas alegações.
Nesse evento, no entanto, não houve uma acusação direta a Boulos ou a outro candidato.
8 de agosto
A primeira insinuação direcionada de Marçal aconteceu no debate da Band. Ao anunciar que iria fazer uma pergunta a Boulos, o ex-coach colocou um dedo sobre a narina e aspirou forte, sugerindo que o deputado seria usuário de cocaína.
Ele também afirmou que Boulos usaria drogas:
“Você realmente conhece a cidade de São Paulo, porque você deve ter ido para todas as biqueiras atrás daquilo que mais te agrada para você assumir esse estado emocional seu.”
Marçal começou, então, a disseminar cortes do debate em que insinuava o uso de drogas por Boulos no Instagram, no X e no TikTok.

9 de agosto
A Justiça Eleitoral acatou o pedido de liminar apresentado pela campanha de Boulos e ordenou que Marçal removesse de suas redes as publicações em que associava o candidato do PSOL ao uso de cocaína, “através de falas e gestos”.
Nos dias seguintes, o ex-coach voltaria a subir conteúdos com a alegação, se tornando alvo de novos processos, que resultaram em multas e obrigações de publicar vídeos de direito de resposta de Boulos.
14 de agosto
Marçal foi questionado sobre as determinações judiciais ao chegar para o debate organizado pelo jornal O Estado de S. Paulo, o Terra e a Faap (Fundação Armando Alvares Penteado).
Foi quando ele afirmou que tinha um documento para provar a acusação:
“Se o cara parar de cheirar cocaína, eu tiro. Se ele provar que ele não cheira, eu tiro. Eu sou aspirador de pó da cidade de São Paulo. De fato, como provar que ele não mexe com isso? Agora tem o documentozinho guardado. Eu que tenho que provar, vou provar na hora certa.”
Na ocasião, Marçal alegou que estava segurando a prova porque “o brasileiro tem uma mentalidade de esquecer muito rápido”:
“Eu sou um jogador. Se eu mostrar agora, vocês vão esquecer em duas semanas. Por que vocês não esperam? Que nível de ansiedade é esse para ver essa prova?”
15 de agosto
Sabatinado na RedeTV, o candidato do PRTB voltou a afirmar que tinha uma prova das acusações que vinha fazendo contra Boulos.
“O povo já sabe que é um aspirador de pó (…). Agora, vou ter que sacrificar alguma coisa para provar para você. Inclusive, estou em posse de um documento… não precisa ficar ansioso.”
19 de agosto
A campanha de Marçal envia à imprensa um comunicado em que anuncia que o ex-coach teria tido acesso a um processo sob segredo de Justiça envolvendo Boulos e o uso de drogas ilícitas:

22 de agosto
Mesmo após decisões judiciais, Marçal publicou em suas redes uma propaganda eleitoral em que faz alusão ao suposto consumo da droga pelo adversário. A publicação foi acompanhada da legenda “Agora todos sabem que bolos são feitos com muita farinha”.
25 de agosto
Durante uma caminhada, Marçal soprou pó branco no rosto de um homem que, segundo o ex-coach, seria “eleitor do Boulos”.
O gesto, um mês depois, foi imitado por um candidato a vereador do PL, que jogou farinha no rosto de Boulos enquanto ele participava de um evento de campanha.
26 de agosto
Marçal voltou a mencionar que teria uma prova contra Boulos em entrevista à CNN Brasil. Nessa ocasião, o candidato sugeriu que a prova mostraria que o psolista tinha sido preso por porte de droga e que o processo estava em segredo de Justiça.
“O cara que quer ser prefeito aqui, o apoiador de Hamas, o apoiador de ditadura em Venezuela, o cheirador de cocaína… que inclusive eu tenho a prova e vou provar no último debate, já que você só vai nesse. Eu vou provar, ninguém vai me segurar. Já foi preso portando droga e eu vou mostrar, tá no segredo de justiça, e aguarde que eu tô resolvendo pra te mostrar.”
Nesse mesmo dia, o ex-coach publicou uma propaganda eleitoral no qual o rosto de Marçal é inserido por meio de inteligência artificial em um vídeo em que um homem sopra pó branco em direção à câmera. A gravação é acompanhada da legenda “Marçal fazendo bolos”.

28 de agosto
Reportagem do jornal Folha de S.Paulo afirmou que Marçal pretendia apresentar um processo judicial sobre posse de drogas de um homônimo do candidato do PSOL como prova das acusações que vinha fazendo.
O processo, que está em segredo de Justiça, tinha como réu o empresário Guilherme Bardauil Boulos, enquanto o candidato a prefeito se chama Guilherme Castro Boulos.
No mesmo dia, Marçal comentou a reportagem durante ato de campanha, quando mudou o discurso: passou a dizer que a prova que pretendia mostrar “tem a ver com internação”.
2 de setembro
No Roda Viva, Marçal foi questionado se achava “honesto” usar um processo de um homônimo de Boulos para plantar uma acusação de uso de drogas contra o candidato do PSOL. O ex-coach, então, negou que a prova que tinha era um processo.
“Onde você viu eu usando esse processo? (…) É o seguinte, como o Boulos está apavorado e não aparece com toxicológico, (…) tem uma entrada num hospital…”
Quando os jornalistas insistiram na pergunta sobre qual seria a prova, Marçal reiterou que a mostraria “no último debate”, porque “o brasileiro esquece em duas semanas”.
28 de setembro
Apesar de não acusar nominalmente Boulos, durante o debate do Flow, Marçal ameaçou, mais uma vez, promover um exame toxicológico para verificar se os candidatos não teriam usado drogas:
“Eu vou chamar três empresas diferentes, ele leva mais, eu faço, todo mundo faz. Se for pegar a cannabis, eu acho que vai pegar quase todo mundo. Mas a cocaína você vai ver, vai estar presente.”
30 de setembro
No debate organizado pelo UOL e pela Folha de S.Paulo, o ex-coach voltou a insinuar que Boulos teria sido internado:
“Agora, os nomes Espraiada e Hospital do Servidor e outras coisas mais que eu vou trazer essa semana, eu prometi mostrar na última semana e vou falar sobre isso.”
Logo depois, Boulos desmentiu a sugestão de Marçal:
“Quando ele cita o Hospital do Servidor, ele está se referindo a um período, quando com 19 anos eu enfrentei uma depressão crônica. Eu já disse isso publicamente, porque não cabe. E fiquei alguns dias no Hospital do Servidor.”
No mesmo evento, o deputado federal comentou ainda que provou maconha uma vez, na adolescência, e que o caso rendeu “uma dor de cabeça danada”. Sobre cocaína, Boulos afirmou nunca ter usado.
3 de outubro
A Globo realiza o último debate entre candidatos a prefeito antes do primeiro turno. Marçal não cumpre a promessa de usar a oportunidade para mostrar a prova que teria contra Boulos, mas volta a insinuar que o rival usa drogas declarando que ele “deve conhecer melhor a cidade de São Paulo na questão de biqueiras”.
O candidato do PSOL reagiu mostrando um exame toxicológico. “Eu sou pai de duas filhas e não aceito ter a honra atacada desse jeito. Está aqui: fiz o exame toxicológico, vai subir agora na minha rede social”, disse Boulos.
4 de oututbro
Marçal publicou um vídeo em suas redes no qual ele anunciava que iria participar de duas entrevistas naquele dia: uma com Allan dos Santos — blogueiro investigado por suspeita de participação em milícias digitais, atualmente foragido nos Estados Unidos — e outra no Inteligência Ltda: “À noite, a surpresinha do Boulos vai ser lá no Inteligência Ltda às 19h”.
Durante sua participação no podcast, o ex-coach cumpriu a promessa e disse que tinha um documento que provaria que Boulos teria sido internado por uso de cocaína em 2021.
O apresentador Rogério Vilela não permitiu a apresentação do documento e Marçal, então, anunciou que iria publicá-lo nas redes (veja abaixo).

Vilela, então, comentou que Marçal estaria fazendo “uma acusação grave” e que Boulos já teria apresentado um exame toxicológico que provava que o psolista não usou cocaína nos últimos 120 dias.
O ex-coach disse que o teste apresentado por Boulos era “fajuto”, sem apontar provas, e continuou a acusação:
“Foi internação. Quem tem problema igual ele com isso aí não sai fácil não. E ele nunca assumiu que tratou isso aí. E de novo, vou repetir. Lá em Brasília é comum o caso desses deputados usarem cocaína. É muita gente. Lá nem é escândalo. (…) Então você pega um cara que não é esportista, não come direito, ainda usa droga, é comunista? Vai pra puta que pariu.”
5 de outubro
Após a veracidade do documento ter sido desmentida pelo Aos Fatos e outros veículos de imprensa, Marçal negou que tenha alguma relação com a manipulação e disse que apenas publicou o documento: “Eu, Pablo, na minha rede social foi postada, eu não tenho nenhuma ligação com o laudo. Pode perguntar pro Tassio Renan, que é meu advogado”.
O ex-coach também foi questionado se ele havia verificado se o receituário era real: “Lógico, só que agora, se ele está falando [que é falso], agora ele tem que provar.”
Na mesma fala, Marçal voltou a acusar o psolista de cheirar cocaína:
“Eu recebi, publiquei, sobre o Boulos, que é um criminoso, alguém que não merece um pingo de respeito, usou dinheiro público para me destruir, então eu tenho que tratar ele como marginal mesmo, e que a investigação corra aí muito bem, e se conseguir inocentar ele, qual que é o problema dele aceitar logo e avisar para todo mundo que ele é cheirador de cocaína?”
No final do dia, o Instituto de Criminalística da Polícia Civil anunciou que concluiu a perícia do documento e que o laudo era “evidentemente falso”.
6 de outubro
O advogado de Marçal, Marcelo Tostes, afirmou em entrevista que a equipe solicitou a produção de um novo laudo para conferir se as conclusões da Polícia Civil se confirmam.
Questionado se eles não confiavam na força policial, Tostes disse: “Nós não estamos falando que não confiamos, a gente não teve acesso a essa perícia ainda”. O documento, no entanto, foi publicado, na íntegra, pelo jornal O Estado de S. Paulo no início da noite anterior.
O caminho da checagem
Aos Fatos tem acompanhado os candidatos à Prefeitura de São Paulo desde a pré-campanha. A maior parte das entrevistas e debates foram transcritos por meio do Escriba no decorrer dos últimos meses.
As transcrições, então, foram analisadas por meio da ferramenta Pinpoint, do Google. Foram buscadas citações de Marçal às palavras “droga”, “cocaína”, “pó” e “cheirador”. Além dessa análise, a reportagem ainda buscou notícias na imprensa sobre as decisões da Justiça Eleitoral e as propagandas eleitorais de Marçal com a alegação que nunca foi comprovada.