Marcos Corrêa/PR

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Junho de 2021. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Falas de Bolsonaro sobre 'tratamento precoce' ferem regras de redes sociais, mas seguem no ar

Por Amanda Ribeiro

28 de junho de 2021, 18h51

O presidente Jair Bolsonaro já veiculou em seus perfis no Facebook, no Twitter e no YouTube ao menos 144 declarações falsas e distorcidas em defesa do "tratamento precoce" que violam regras dessas plataformas para coibir desinformação sobre a Covid-19. A maioria dessas falas (91%) foi propagada em transmissões ao vivo e alcançou até agora 63 milhões de visualizações no Facebook e 8,9 milhões no YouTube.

O levantamento, feito com base no contador do Aos Fatos, demonstra como o presidente conseguiu driblar as punições previstas pelas plataformas e manter sua defesa do uso de remédios sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus. Na semana passada, a CPI da Covid-19 aprovou a convocação de representantes de Facebook, Twitter e Google para explicar por que conteúdos desinformativos de Bolsonaro sobre a pandemia seguem no ar.

A seguir, listamos casos em que o presidente feriu diretamente as políticas de Facebook, YouTube e Twitter e o que essas plataformas fizeram a respeito.

FACEBOOK

Principal estratégia de comunicação de Jair Bolsonaro com seus apoiadores desde a posse, a transmissão ao vivo que o presidente faz todas as quintas-feiras no Facebook acumula o maior número de declarações enganosas dele sobre "tratamento precoce". São 132 falas em 42 vídeos. Juntas, essas lives reúnem cerca de 63 milhões de visualizações e 10,2 milhões de interações (curtidas, comentários e compartilhamentos).

Em sua política em relação à Covid-19, o Facebook proíbe postagens que possam provocar aumento da probabilidade de exposição ou transmissão da doença ou a possíveis danos ao sistema de saúde. A rede social veda ainda o incentivo ao “consumo ou inalação de produtos específicos” que não tenham sua eficácia comprovada por órgãos de saúde. As consequências, que, segundo a plataforma, variam de acordo com a gravidade e o histórico do usuário, vão da notificação à desativação do perfil.

Porém, a rede social mantém no ar vídeos em que Bolsonaro defende, em 76 ocasiões, que drogas como hidroxicloroquina, a ivermectina, nitazoxanida e vitamina D poderiam curar ou prevenir a Covid-19. Nenhuma dessas substâncias se provou eficaz contra a infecção. Há ainda quatro ocasiões em que o presidente defende o uso de chás, outra infração direta a uma diretriz do Facebook que proíbe promoção de supostas curas com remédios herbais.

O Facebook mantém disponíveis ainda 5 de 8 vídeos de lives de Bolsonaro que foram excluídos do YouTube. Os outros três não foram localizados por Aos Fatos, mas o Facebook negou que os excluiu. Em todas essas gravações, o presidente promoveu explicitamente o “tratamento precoce”, indicou o uso dos medicamentos e afirmou que eles teriam lhe curado da infecção.

Mais infrações. Além de "tratamento precoce", Bolsonaro também fere as regras que o Facebook determina para coibir desinformação sobre outros aspectos da pandemia, como uso de máscaras e vacinação.

No caso das máscaras, a plataforma especifica que são proibidas postagens que sugiram que os equipamentos não são eficazes para evitar a disseminação da Covid-19 ou que podem deixar a pessoa doente. Entretanto, em nove ocasiões, Bolsonaro defendeu teses similares, associando o uso de máscaras até a possíveis acidentes de trânsito.

Já as regras sobre vacinação da rede social vedam que os imunizantes em uso sejam caracterizados como inseguros, ineficazes ou experimentais, mas o presidente já disse isso em oito ocasiões. Também é proibido alegar que “há outra forma de vacinar alguém contra a Covid-19, além de uma vacina contra a Covid-19”. Bolsonaro já defendeu seis vezes que, por ter sido infectado, estaria imunizado contra a doença.

Questionado por Aos Fatos, o Facebook respondeu, em nota, que seus "padrões da comunidade valem para todos, e eles têm sido aplicados para políticos eleitos ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Embora sejam proibidas afirmações taxativas de cura para Covid-19, permitimos discussões sobre medicamentos e impactos de políticas públicas como lockdowns".

A plataforma ainda afirmou na mensagem que adicionou "um rótulo a postagens mencionando tratamentos para Covid-19 sem comprovação científica, alertando as pessoas que remédios não aprovados para a doença podem causar danos graves. Desde o começo da pandemia, temos atualizado nossas políticas de conteúdo à medida que o conhecimento científico avança e novos fatos surgem, buscando sempre o equilíbrio entre a segurança das pessoas e a liberdade de expressão".

Parceria. Boa parte da desinformação sobre a pandemia que permeia o discurso presidencial, em especial sobre o "tratamento precoce", já foi checada por Aos Fatos na parceria mantida com o Facebook desde 2018. No entanto, checagens sobre informações falsas veiculadas por políticos com mandato não estão no escopo deste programa. Segundo o Facebook, essa decisão se baseia em sua "crença fundamental na liberdade de expressão, no respeito ao processo democrático e de que o discurso político é o mais analisado que existe, especialmente em democracias maduras com uma imprensa livre".

A plataforma justifica a medida afirmando que "se limitássemos o discurso político, deixaríamos as pessoas menos informadas sobre o que os representantes eleitos estão dizendo e diminuiríamos a responsabilidade dos políticos por suas palavras".

YOUTUBE

Apesar de manter uma política contra desinformação bastante detalhada e ter, inclusive, deletado vídeos do presidente que infringiam essas regras, o YouTube ainda abriga 38 lives com 113 declarações desinformativas de Bolsonaro sobre “tratamento precoce”. Juntas, essas transmissões acumulam 8,9 milhões de visualizações.

De acordo com a plataforma, conteúdos que violem suas diretrizes serão removidos, e o canal, notificado. Caso aquela seja a primeira infração, o usuário receberá um alerta sem penalidades. Ao acumular três desses avisos, no entanto, o canal será encerrado.

Ainda que a rede social seja a única a proibir especificamente menções à hidroxicloroquina e à ivermectina como cura da Covid-19, Aos Fatos encontrou em lives no canal do presidente ao menos 39 declarações em defesa dessas drogas.

Em algumas ocasiões, Bolsonaro faz menção direta ao nome dos remédios; em outras, usa descrições como “remédio para matar piolho” (ivermectina) ou “aquele negócio que o pessoal usa para combater malária” (hidroxicloroquina), alegando justamente que dizer o nome das drogas poderia provocar a remoção dos vídeos da plataforma.

Além de declarações sobre "tratamento precoce'', há também informações enganosas sobre a efetividade das máscaras (dez declarações), também passíveis de sanção, segundo a política de combate a informações médicas incorretas do YouTube. Porém, em ao menos cinco ocasiões em vídeos que seguem no ar, Bolsonaro afirma que a proteção não é eficaz para controlar a transmissão da doença.

Procurado, o YouTube afirmou em nota que "desde o início da pandemia, temos uma política relacionada à Covid-19 e já removemos mais de 1,2 milhão vídeos que promoviam informações médicas incorretas sobre a doença, como alegações de que há um método de prevenção garantido ou afirmações de que as vacinas contra Covid-19 não são eficazes em impedir o contágio. Essas políticas valem para todos os criadores e estão sujeitas a alterações em resposta a mudanças nas orientações dadas pelas autoridades de saúde globais".

A plataforma disse ainda que "qualquer pessoa que acredite ter encontrado um conteúdo no YouTube em desacordo com as nossas diretrizes pode fazer uma denúncia. Não havendo violação de nossas políticas, cabe ao Poder Judiciário definir sobre a necessidade de remoção de um conteúdo, de acordo com o Marco Civil da Internet".

TWITTER

Por abrigar mais postagens do presidente com tom mais protocolar, o Twitter é a plataforma com menos declarações que ferem as políticas de combate à desinformação. O levantamento aponta 12 postagens do tipo desde o início da pandemia, que, juntas, acumulam 461 mil interações (curtidas e retuítes).

Também são twittados os links de algumas das transmissões ao vivo do presidente. Dentre as 38 lives que citam o "tratamento precoce" no YouTube, 25 foram também chamadas no Twitter. Essas postagens reúnem cerca de 348 mil interações.

A exemplo das outras redes, a maioria dos tweets (11 ou 91,6%) defende o "tratamento precoce". Apesar de a plataforma proibir, por exemplo, a divulgação de publicações que sugiram a “segurança ou eficácia de tratamentos ou medidas de prevenção que não sejam aprovadas pelas autoridades sanitárias”, Bolsonaro promoveu em quatro ocasiões o uso da hidroxicloroquina, em duas, o da nitazoxanida, e em uma, o da ivermectina.

As sanções previstas em caso de violação de políticas também variam de acordo com a gravidade da afirmação e o histórico do usuário. No caso de violações graves, como as relacionadas à natureza ou ao tratamento do vírus, está prevista a exclusão da publicação. Em outros casos, a rede pode adicionar um rótulo de desinformação à postagem ou reduzir seu alcance. Em caso de transgressões contínuas, a conta pode ser encerrada.

Em nota ao Aos Fatos, o Twitter afirmou que, "em março do ano passado, tão logo a OMS (Organização Mundial de Saúde) decretou a pandemia do coronavírus, o Twitter ampliou suas regras para abranger conteúdos que fossem contra informações de saúde pública orientadas por fontes oficiais e pudessem colocar as pessoas em maior risco de contrair ou transmitir Covid-19".

A plataforma disse ainda que "essas regras passaram por diversas atualizações conforme novos temas ao redor da doença foram surgindo na plataforma, de um lado, e evoluções e revisões nas recomendações e conclusões de estudos científicos foram acontecendo, de outro" e que "as atualizações da política não têm aplicação retroativa, sendo válidas para tweets publicados a partir de sua entrada em vigor".

Na nota, o Twitter também disse que o foco de suas regras está em "conteúdos que possam causar danos às pessoas, e não em discussões e opiniões pessoais que não aumentem o potencial de propagação ou contaminação pelo vírus".

Referências:

1. Aos Fatos (Fontes 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15)
2. Folha de S.Paulo
3. Facebook (Fontes 1, 2 e 3)
4. Google
5. Twitter


Esta reportagem foi atualizada às 10h24 do dia 29 de junho de 2021 para acrescentar o posiocionamento do YouTube.

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