Facebook exibiu anúncios de defesa do voto impresso ao menos 2,2 mi de vezes em 2021

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Tema de uma PEC (Proposta de emenda à Constituição) encampada pelo governo federal e até por parte da oposição, a defesa do voto impresso no Brasil também movimenta a promoção paga de posts nas redes sociais. Só neste ano, ao menos 121 anúncios que advogam pela adoção da medida foram exibidos mais de 2,2 milhões de vezes no Facebook, mostra levantamento do Radar Aos Fatos com dados da plataforma.

A proposta prevê que o voto feito de forma eletrônica seja impresso para conferência do eleitor e, depois, depositado em uma urna física. Segundo análise do Radar, a maior parte dos posts encontrados sobre o assunto reproduz desinformação sobre o sistema eleitoral brasileiro para promover a medida: 72 (59%) anúncios, mostrados ao menos 436 mil vezes, sugerem que as urnas eletrônicas atuais não são auditáveis — o que não é verdade. Já 12 (10%), exibidos mais de 63 mil vezes, afirmam que há indícios de fraudes nas eleições, o que também é falso.

O discurso é similar ao do presidente Jair Bolsonaro, que pelo menos desde 2018 usa de desinformação para questionar a confiabilidade das eleições. Ele já afirmou, sem mostrar evidências, que as eleições daquele ano foram fraudadas para que ele não fosse declarado vencedor no primeiro turno. Também disse ao menos 20 vezes que o sistema atual não é auditável e que, sem o voto impresso, haverá fraude em 2022.

As publicações encontradas pela reportagem foram exibidas entre 2,2 milhões e 2,7 milhões de vezes na plataforma, e o impulsionamento das peças custou, no total, entre R$ 6.300 e R$ 18,7 mil, segundo dados da Biblioteca de Anúncios do Facebook. Não é possível saber os números exatos porque a ferramenta informa apenas os números mínimo e máximo de exibições ("impressões", na linguagem publicitária) e de custo de cada peça.

O Facebook afirmou ao Radar que alguns dos anúncios apontados não chegaram a ser veiculados porque violaram regras da plataforma (veja a íntegra da nota da empresa no fim desta reportagem). De acordo com informações da Biblioteca de Anúncios, oito dos 121 posts analisados (6,6%), que somaram 21 mil impressões (0,1% do total), tiveram sua veiculação interrompida por alguma infração.

A empresa também disse que, de acordo com a sua política, são permitidos “anúncios sobre diferentes sistemas de votação”, mas proibidos “conteúdos que tenham como objetivo interferir em votações”. Também informou que “qualquer postagem marcada como falsa por agências de checagem de fatos parceiras, como o Aos Fatos, não pode ser impulsionada" (saiba aqui como funciona a parceria do Aos Fatos com o programa de verificação de desinformação no Facebook).

"Voto auditável"

A maioria dos anúncios identificados pelo Radar Aos Fatos (59% do total) recorreu ao termo “voto auditável” para impulsionar a defesa da impressão das cédulas. Eles omitem, no entanto, que o atual sistema detém uma série de recursos disponíveis para a conferência dos resultados eleitorais — é possível, inclusive, requisitar o sistema para análise.

O deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP), por exemplo, pagou pelo impulsionamento de uma publicação que lança questionamentos à confiança no processo. Disse ser inaceitável que o país mantenha “um sistema eleitoral blindado à conferência de votos”.

Outro político — Eduardo Ricatto (Patriota), que concorreu a vice-prefeito de Hortolândia (SP) no ano passado — também investiu em posts que contestam a segurança do atual sistema. Segundo ele, "a eleição é um assunto importante demais para que a gente deixe nas mãos de um sistema eletrônico sujeito a falhas e a interferências".

Fraude eleitoral

Outros anúncios pagos (10% do total) ainda difundiram alegações sem provas de que as eleições brasileiras são fraudadas. Nunca houve evidências de fraudes que poderiam alterar o resultado de uma eleição desde que as urnas eletrônicas começaram a ser usadas, há 25 anos.

Dois anúncios da página Alexandre Marciano Servidor afirmam que o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso, prepara uma “mega fraude” para 2022, que poderá “entregar o Brasil ao comunismo”.

A mesma página também pagou por outro anúncio em ataque ao ministro, argumentando que Barroso pretende “manter a fraude eleitoral para favorecer os candidatos de esquerda”. O ministro tem se posicionado de forma contrária à PEC, defendendo que uma de suas consequências será o “caos” e a “judicialização” das eleições.

Discurso alinhado

A deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF) — que, até quarta-feira (30), era membro titular da comissão especial na Câmara que discute a adoção da medida — foi a principal impulsionadora de publicações em defesa do voto impresso. Ela pagou por onze posts que pedem apoio à impressão de cédulas nas urnas, concentrando quase 70% do total de impressões (suas publicações foram mostradas ao menos 1,5 milhão de vezes no Facebook).

Em seguida aparecem ativistas ligados ao bolsonarismo. O administrador de empresas Danilo Barnabé, que se apresenta em sua página no Facebook como “patriota” e compartilha posts em apoio ao presidente, exibiu oito anúncios. Depois, estão Rafael Ramthun (Patriota), que foi candidato a prefeito de Pomerode (SC) no ano passado, e o ex-deputado federal Carlos Manato (sem partido-ES). Ramthun e Manato investiram no impulsionamento da campanha pelo voto impresso em seis publicações cada.

Hoje, a proposta é debatida em uma comissão especial na Câmara dos Deputados. Parlamentares discutem desde o início de maio a PEC 135/2019, apresentada pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), que prevê a implementação de um comprovante impresso do voto registrado na urna eletrônica para que possa ser conferido pelo eleitor e, só então, depositado em uma urna física.

O relator, Filipe Barros (PSL-PR), apresentou um parecer favorável, mas o presidente da comissão, Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), concedeu mais tempo para a análise. Enquanto isso, presidentes de 11 partidos já se posicionaram publicamente contrários à medida.

Outro lado

Por meio de sua assessoria de imprensa, o Facebook disse que permite “anúncios sobre diferentes sistemas de votação”, mas proíbe “conteúdos que tenham como objetivo interferir em votações”. Informou ainda que “alguns dos anúncios citados pela reportagem não chegaram a ser veiculados por violarem regras de anúncios, entre elas a que exige a indicação de quem é o responsável por publicidade que envolva política ou eleições nas plataformas.”

O Facebook também afirmou que “qualquer anúncio precisa estar de acordo com os Padrões da Comunidade e com as Políticas de Anúncios” e que “qualquer postagem que não viola essas regras, mas que foi marcada como falsa por agências de checagem de fatos parceiras do Facebook, como é o caso de Aos Fatos, não pode ser impulsionada.”

Por fim, informou que, “para garantir transparência na publicidade, mesmo anúncios sobre política e eleições que não foram aprovados nem veiculados ficam disponíveis por sete anos para o público na Biblioteca de Anúncios, onde é possível visualizar os gastos por anunciantes específicos e dados de gastos por localização geográfica.”

O Radar Aos Fatos também entrou em contato com os responsáveis pelas páginas mencionadas na reportagem que publicaram conteúdo falso ou distorcido (Coronel Tadeu, Eduardo Ricatto, Alexandre Marciano Servidor, Danilo Barbabé, Rafael Ramthun e Carlos Manato). Porém, até o momento, não recebeu resposta deles.

Metodologia

A reportagem coletou, por meio da API da Biblioteca de Anúncios do Facebook, 480 posts promovidos neste ano que continham termos relacionados ao debate sobre a adoção do voto impresso no Brasil.

Em seguida, essas publicações foram analisadas individualmente e classificadas de acordo com dois critérios: se defendiam o voto impresso e se reproduziam alguma desinformação sobre o assunto (sugerindo que o modelo atual não é passível de auditoria ou que as eleições no país são fraudadas). Os posts podem ser vistos aqui.

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