Estudo da USP não comprova que máscaras foram inúteis e perigosas na pandemia de Covid-19

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Não é verdade que um estudo publicado pela USP (Universidade de São Paulo) comprovou que máscaras faciais foram “inúteis e possivelmente perigosas” durante a pandemia de Covid-19. Especialistas consultados pelo Aos Fatos apontam que a pesquisa não avaliou a eficácia nem a segurança dos equipamentos de proteção. O estudo buscou associações entre dados já existentes e, por sua metodologia, não pode inferir relações de causa e efeito.

Publicações com o conteúdo enganoso acumulavam cerca de 110 mil curtidas no Instagram, 1.200 compartilhamentos no Facebook e mais de 2.000 repostagens no X (ex-Twitter) até a tarde desta quinta-feira (20).

Estudo ds USP confirma que máscaras foram inúteis e possivelmente perigosas na Covid-19. As máscaras não reduziram a transmissão da Covid-19 e seu uso está significativamente associado ao excesso de mortes, explicaram os pesquisadores

A imagem mostra um artigo de internet com o título em destaque: ‘Estudo da USP confirma que máscaras foram inúteis e possivelmente perigosas na COVID-19’. Abaixo do título, lê-se: ‘As máscaras não reduziram a transmissão da COVID-19 e seu uso está significativamente associado ao excesso de mortes’, explicaram os pesquisadores. Logo abaixo, há o ícone de perfil do autor do artigo desfocado e a data 18 de março de 2025. A parte inferior da imagem exibe um fundo preto com o logotipo da USP (Universidade de São Paulo) em branco.

Circulam nas redes publicações que alegam que um estudo da USP teria comprovado que o uso de máscaras durante a pandemia de Covid-19 foi “inútil e potencialmente perigoso” para a população. No entanto, especialistas consultados pelo Aos Fatos afirmam que essa interpretação é equivocada.

André Bacchi, doutor em Ciências Fisiológicas e professor adjunto da UFR (Universidade Federal de Rondonópolis), explica que o desenho do estudo não tem capacidade de comprovar tais afirmações, pois não avalia a eficácia das máscaras nem questões de segurança e risco.

“O estudo é de caráter exploratório. Ele explora os dados buscando associações a partir de alguns critérios pré-estabelecidos pelos autores, mas não confirma absolutamente nada, já que não é um tipo de desenho de estudo capaz de confirmar algo”, esclarece Bacchi.

Ele destaca que a maior limitação do estudo é a metodologia empregada, que impede a formulação de conclusões causais. Além disso, o professor argumenta que as hipóteses levantadas pelos autores são especulativas, com pouca fundamentação no conhecimento científico.

Metodologia do estudo. O professor Leonardo Costa, doutor em epidemiologia pela Universidade de Sydney, explica que o estudo é observacional retrospectivo, ou seja, quando se busca e analisa dados já existentes. Foram usadas informações de 24 países europeus para observar o excesso de mortalidade, métrica que compara taxas de óbitos gerais de anos anteriores para verificar aumentos ou reduções na tendência de mortes.

Durante a pandemia, houve um excesso de mortalidade global não apenas em decorrência da Covid-19, mas também por uma série de fatores, como medo de procurar o hospital ou o colapso de diversos sistemas de saúde.

Por meio de diversas variáveis, o estudo buscou entender o que poderia estar associado ao excesso de mortalidade e encontrou uma correlação com o uso de máscaras. No entanto, isso não significa que o uso de máscaras tenha causado o aumento de mortes.

A imagem mostra uma rua movimentada com muitas pessoas caminhando entre lojas e barracas. A maioria das pessoas está usando máscaras faciais de tecido. Entre os pedestres, há homens e mulheres de diferentes idades e estilos, carregando sacolas e mochilas. Eles caminham por um centro comercial e a paisagem possui várias cores vibrantes nas fachadas das lojas e tendas de vendedores ambulantes.
Estudo não comprova que há causalidade entre aumento de mortalidade e uso de máscaras (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Como se trata de um estudo observacional retrospectivo, ele não pode inferir causalidade. Diversos outros fatores podem estar envolvidos, mas não foram explorados na pesquisa — algo reconhecido pelos próprios autores.

“Os autores falam assim: nós encontramos essa associação. Nós temos algumas hipóteses do porquê isso pode ter acontecido. Nós não temos certeza de absolutamente nada. Existe uma variável aqui não explicada e novos estudos no futuro têm que investigar isso com muito mais rigor do que o desenho de estudo e variáveis que eu tenho em mãos”, resume Costa.

Bacchi aponta que outra limitação do estudo é ignorar a variação do excesso de mortalidade ao longo do tempo, considerando apenas o valor pontual do final de 2021. Ao comprimir uma variação longitudinal a uma métrica pontual, o estudo perde a oportunidade de analisar a relação entre o uso de máscaras e a mortalidade de forma sincronizada, comprometendo a robustez das conclusões.

Beatriz Klimeck, pesquisadora com pós-doutorado em qualidade do ar na Universidade da Califórnia, em San Diego, reforça que, no artigo original, os autores levantam a hipótese de que o uso de máscaras em ambientes quentes e úmidos pode levar à contaminação por bactérias e fungos, além de potencialmente agravar doenças respiratórias.

No entanto, ela destaca que os próprios autores afirmam explicitamente não haver dados para confirmar o argumento republicado pelas peças desinformativas. Segundo ela, é consenso entre a comunidade científica que tal hipótese não tem relação com a mortalidade.

Interpretação dos dados. Para Costa, o principal problema do artigo foi ressaltar a correlação entre número de mortes e uso de máscaras por meio de um gráfico de grande destaque. “Associação não é causa. Mas o nosso cérebro vai olhar para um gráfico daquele e vai interpretar aquilo como causalidade”, afirma ele.

Bacchi acrescenta que a correlação apresentada foi feita em um chamado levantamento ecológico, que trabalha com agregados de dados de populações, e não permite inferir causalidade, já que não estabelece a ordem dos eventos.

Ele argumenta que, da mesma forma, seria possível uma hipótese de causalidade reversa. “Será que o número de máscaras leva ao aumento de mortalidade ou será que, por as pessoas estarem morrendo muito e a pandemia estar grave, foi incentivado um maior número de uso de máscaras?”, questiona.

A imagem mostra um homem negro de cabeça raspada, vestindo uma jaqueta escura e uma máscara preta no rosto. Ele está olhando para uma barraca que vende máscaras de tecido, que estão embaladas em plásticos transparentes e penduradas em fios. As máscaras vêm em diversas cores e estampas, incluindo florais, xadrez e poás. O fundo é um ambiente de mercado ao ar livre, mas está desfocado.
Durante a pandemia, milhares de pessoas optaram por máscaras de tecido, material que não é adequado para reduzir a transmissão da Covid-19 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Eficácia das máscaras. Os especialistas ressaltam que a eficácia do uso de máscaras depende de uma série de fatores, em especial o material do equipamento e o seu uso adequado.

Durante a pandemia, muitas pessoas usaram máscaras improvisadas, como as feitas de meia ou tecidos comuns. Além disso, práticas inadequadas, como remover a máscara ao entrar em restaurantes, guardá-la no bolso e reutilizá-la sem higiene adequada, comprometem sua eficácia.

Isso significa que máscaras são ineficazes? “Não, de forma nenhuma”, responde Costa. “Máscaras são muito eficazes dentro de hospital, muito eficazes dentro de UTI, em bloco cirúrgico, etc. Por quê? Porque os profissionais sabem usar de maneira correta”, conclui.

O caminho da apuração

Aos Fatos analisou o estudo e consultou especialistas nas áreas de ciências fisiológicas, epidemiologia e saúde coletiva. A partir disso, foi possível concluir que a afirmação presente nas peças desinformativas é enganosa.

Referências

  1. Covid-19

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