🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Outubro de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Estudo de Yale não deu 'nível de evidência 1' para tratamento de Covid-19 com hidroxicloroquina

Por Luiz Fernando Menezes

16 de outubro de 2020, 13h05

Postagens nas redes sociais enganam ao alegar que estudo de um pesquisador da Universidade Yale, nos EUA, conferiu o mais alto grau de evidência à eficácia do tratamento de Covid-19 com hidroxicloroquina (veja aqui). Além de a pesquisa ser preliminar, não ter sido revisada e apresentar problemas de metodologia, segundo especialistas ouvidos por Aos Fatos, os indícios positivos do uso da droga hoje são fracos, segundo a Universidade Oxford, que compila evidências médicas sobre a infecção pelo coronavírus.

A peça de desinformação circula no Twitter e no Facebook. Nesta última, postagens reuniam ao menos 2.000 compartilhamentos e foram marcadas com o selo FALSO na ferramenta de verificação da rede social (entenda como funciona).


FALSO

Então, a tão esperada meta-análise chegou! O Trabalho da Universidade de Yale - USA, do PhD DrDrinks Harvey Risch conclui que o uso da Hidroxicloroquina é seguro, além de ser efetivo na diminuição de infecção, hospitalização e morte. Sabem o que isso significa? Que em conjunto com os mais de 111 trabalhos observacionais, esse trabalho dá o tão exigido NÍVEL DE EVIDÊNCIA 1 para tratamento da COVID-19 (com recomendação A)! E pasmem! Menos de 10 % das medicações NO MUNDO TODO tem esse nível de recomendação. E agora Sociedade Brasileira de Infectologia ....? E agora imprensa...? Vão se retratar e humildemente pedir desculpas pelo genocídio pelo qual foram responsáveis ao se misturar política com medicina!?

É verdade que um estudo assinado pelo Harvey Risch, da Universidade Yale, que concluiu que a hidroxicloroquina usada em pacientes internados reduziria "com segurança" a infecção por Covid-19, a hospitalização e o número de mortos. O artigo, que é preliminar e não foi revisado por pares, foi elaborado a partir da análise de estudos observacionais. Porém, postagens que citam essa conclusão enganam ao alegar que o estudo deu o “tão exigido nível de evidência 1" para o tratamento da doença com a droga. Isso não ocorreu.

A doutora em microbiologia Natália Pasternak e o jornalista Carlos Orsi escrevem em artigo publicado na Revista Questão de Ciência que, ao usarem essa expressão, os posts nas redes sociais provavelmente se referem à hierarquia de evidências médicas da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Segundo a instituição, revisões sistemáticas de estudos clínicos controlados e randomizados seriam os mais confiáveis.

Porém, entre as evidências de tratamentos da Covid-19, a mesma Oxford considera que a hidroxicloroquina e a cloroquina têm indícios fracos de eficácia e que, ainda que isso seja eventualmente comprovado, “os efeitos benéficos serão pequenos”.

Hoje, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), não há remédio ou tratamento comprovadamente eficaz contra a infecção pelo novo coronavírus.

Além disso, diferentemente do que as postagens alegam, o estudo não foi produzido pela Universidade Yale, mas assinado por um de seus professores. O artigo, na verdade, nem sequer pode ser encontrado em alguma revista acadêmica, pois trata-se de um pré-print, ou seja, um texto que ainda não passou por nenhuma revisão de pares. Segundo a plataforma medXRiv, que divulgou o estudo, textos desse tipo “não devem ser usados para orientar a prática clínica”.

Tampouco procede que o artigo tenha se baseado em 111 estudos observacionais, como alegam as postagens. Como pode ser verificado no próprio artigo, apenas cinco estudos foram levados em consideração.

Outra versão da peça de desinformação sustenta que existiriam 111 pesquisas no mundo hoje provando a eficácia da hidroxicloroquina no tratamento. Aos Fatos não encontrou nenhum levantamento semelhante que indicasse esse número de estudos. Pelo contrário: as pesquisas mais recentes apontam para a ineficácia do medicamento.

No dia 8 de outubro, por exemplo, o NEJM (New England Journal of Medicine) publicou um estudo clínico controlado e randomizado com mais de 3.000 pacientes que concluiu que a hidroxicloroquina não traz nenhum benefício. Na verdade, o grupo que tomou o medicamento teve mais risco de óbito por causa cardíaca.

Em julho, o IQC (Instituto Questão de Ciência) já havia mostrado que diversos estudos sobre a eficácia do medicamento mostram que ele “não funciona e não deve ser utilizado contra COVID-19 incluindo três que avaliaram justamente o uso ‘precoce’, ou nos primeiros sintomas, como tem sido promovido pelo Ministério da Saúde”.

Críticas acadêmicas. Especialistas ouvidos por Aos Fatos também criticaram a metodologia e a falta de transparência do artigo. Laura de Freitas, farmacêutica e pesquisadora da USP (Universidade de São Paulo) aponta que não há informações detalhadas sobre como foi feita a coleta dos estudos (a data inicial e final da pesquisa, por exemplo), qual o tipo de meta-análise escolhida e que o estudo não foi registrado em nenhuma base.

Conforme apontado por Mauro Schechter, infectologista da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), também é estranho uma meta-análise avaliar apenas cinco artigos. Além disso, todos os cinco (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui), possuem conclusões que vão contra a eficácia da cloroquina.

Pasternak e Orsi explicam que, dos cinco estudos analisados, dois deles nem sequer foram publicados. Cada um dos estudos avaliou diversos pontos do tratamento, como tempo no hospital, carga viral e risco de hospitalização. O que o artigo que vem sendo compartilhado faz é ignorar os contextos específicos de cada um deles e comparar apenas os índices de mortalidade e hospitalização.

“É como pegar um jogo de futebol no qual seu time perdeu e dividi-lo em pedaços, de forma que ao menos em algum pedaço o teu time tenha ganhado”, afirmou Schechter.

O Boatos.org e a Agência Lupa também checaram esta peça de desinformação.

Referências:

1. Revista Questão de Ciência (Fontes 1 e 2)
2. Essencial Evidence Plus
3. CEBM
4. medRxiv (Fontes 1, 2 e 3)
5. NEJM (Fontes 1 e 2)
6. Oxford Academic
7. ACP Journals


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Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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