O anúncio de uma operação contra um esquema de descontos ilegais em aposentadorias e pensões do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) levou apoiadores e opositores do governo a disseminar alegações enganosas nas redes, em um conflito de versões sobre quem teria responsabilidade sobre o caso.
De um lado, eleitores do presidente Lula (PT) alegam que os descontos indevidos teriam começado em 2019, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Do outro, apoiadores de Bolsonaro tentam responsabilizar integralmente a atual gestão pelos desvios, que ocorrem há anos.
Segundo as investigações da CGU (Controladoria-Geral da União) e da PF (Polícia Federal), associações e sindicatos descontavam, por meio da assinatura falsificada de beneficiários, valores referentes a mensalidades por serviços que não tinham estrutura para oferecer, como desconto em planos de saúde. Na prática, os segurados se tornavam, sem saber, associados dessas entidades e pagavam por isso.
Esquerda culpa Bolsonaro
Apoiadores do presidente Lula alegam que o esquema ilegal teria começado em 2019, no primeiro ano de governo do ex-presidente Bolsonaro. Essa alegação, no entanto, não foi confirmada.
A investigação começou em 2023 na CGU, no âmbito administrativo, com a realização de auditorias em 29 entidades que tinham Acordos de Cooperação Técnica com o INSS. As apurações começaram após o órgão notar um salto nos repasses ao longo dos anos.
Segundo relatório da CGU, foram descontados R$ 7,8 bilhões entre 2016 — último ano de governo de Dilma Rousseff (PT) e primeiro ano da gestão de Michel Temer (MDB) — e 2024.

Dados extraídos da folha de pagamento do INSS indicam que os descontos realizados por entidades associativas apresentaram crescimento atípico nos últimos anos, saindo de R$ 536,3 milhões em 2021 para R$ 1,3 bilhão em 2023. Havia uma estimativa de que as cifras poderiam ter alcançado até R$ 2,6 bilhões no final de 2024.
O relatório da CGU não informa qual montante teria sido desviado ilegalmente nem a partir de que ano os desvios efetivamente começaram. Os requerimentos para cancelamento dos descontos, protocolados nos diferentes canais de atendimento do INSS, cresceram acentuadamente a partir de julho de 2023 — quando foram registrados 22 mil pedidos — e atingiram um pico de 192 mil em abril de 2024.
Em nota, a CGU informou ao Aos Fatos que não fornece detalhes de investigações em curso.
Foi também em 2024, após a CGU encontrar indícios de crimes, que a PF foi acionada. No mesmo ano, o TCU (Tribunal de Contas da União) pediu que o INSS tomasse providências para pôr fim às irregularidades em descontos na folha de pagamento de aposentados e pensionistas.
Os descontos são previstos desde 1991, mas a legislação determina que eles só podem ocorrer após autorização do aposentado e devem ser realizados somente em favor de associações, confederações ou entidades de aposentados e pensionistas que tenham celebrado um Acordo de Cooperação Técnica com o INSS.
Endurecimento da legislação. Em 2019, a MP 871, transformada em lei, endureceu as regras para a concessão de descontos associativos ao exigir que eles fossem revalidados pelas entidades a cada três anos. A medida, no entanto, foi revogada em 2022, após pressão de entidades sobre o Congresso.
Naquele mesmo ano, segundo o relatório da CGU, a Procuradoria da República no Estado do Paraná expediu ao INSS uma recomendação para suspender os repasses para algumas associações, em razão do aumento súbito dos valores descontados entre 2017 e 2019, período marcado pelos governos Temer e Bolsonaro.
De acordo com a CGU, no entanto, mesmo conhecendo a “existência de denúncias recorrentes acerca da realização de descontos associativos não autorizados pelos beneficiários, e a falta de capacidade operacional necessária para acompanhamento dos ACTs [Acordos de Cooperação Técnicas], o INSS não implementou controles suficientes para mitigar os riscos de descontos indevidos, e seguiu assinando ACTs após a suspensão ocorrida em 2019”.
Direita culpa Lula
Já os opositores à atual gestão têm atribuído a responsabilidade pelos desvios apenas a funcionários do governo Lula. Algumas versões que circulam nas redes culpam também o irmão mais velho do presidente da República, o sindicalista José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico, que é vice-presidente de uma das entidades investigadas. Essas afirmações também são enganosas.
A investigação, entretanto, apura supostos desvios ocorridos em gestões anteriores à de Lula. O INSS é uma autarquia federal, entidade pública com autonomia financeira e administrativa, vinculada ao Ministério da Previdência Social, e não à Presidência da República. A apuração do caso foi conduzida por dois órgãos federais e teve início no atual mandato do presidente.

A operação conjunta da CGU e da PF resultou na exoneração do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, que estava à frente da presidência do órgão desde 2023, após ter sido indicado ao cargo pelo ministro da Previdência Social, Carlos Lupi. Stefanutto é, no entanto, servidor de carreira do INSS desde 2000.
Além do atual presidente, foram afastados por determinação judicial mais cinco servidores públicos, entre diretores, procuradores e coordenadores da autarquia. A eventual participação de Stefanutto e dos demais servidores no esquema ilegal ainda está sendo apurada pela PF.
Frei Chico. Apesar de ser vice-presidente do Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos) — uma entre as cerca de 11 entidades que foram alvo da Polícia Federal na quarta-feira (24), o irmão de Lula não foi alvo de operações da PF até o momento.
Somente o sindicato e o presidente da entidade, Milton Baptista de Souza Filho, foram citados nas investigações.
Em nota à imprensa, o sindicato diz que apoia as investigações, mas que não comenta as acusações.
Histórico. Essa não é a primeira ocasião em que críticos do governo Lula tentam associar o presidente aos descontos indevidos na folha de pagamento do INSS:
- Em 2023, peças enganosas diziam que o petista havia determinado a volta do imposto sindical, extinto em 2017, ao compartilhar um extrato que mostrava um desconto de R$ 33 na aposentadoria de um idoso. O montante, na realidade, era referente a uma mensalidade cobrada por uma instituição que representa pescadores artesanais;
- Já em 2024, peças enganosas ignoraram denúncias ocorridas em governos anteriores ao alegar que o PT estaria aplicando um golpe contra aposentados ao realizar cobranças indevidas. Na época, o INSS negou que a autarquia ou o governo federal tivessem relação com as fraudes, que seriam cometidas por associações e sindicatos.
O caminho da apuração
Aos Fatos leu o relatório da CGU e contextualizou a reportagem com notícias publicadas na imprensa sobre o caso. Foram acrescentadas também informações divulgadas pelo próprio INSS e pelo governo federal.