O governo federal anunciou na quarta-feira (27) um pacote de corte de gastos para diminuir despesas e adequar as finanças ao arcabouço fiscal em vigor desde o ano passado. As mudanças afetam o cálculo do salário mínimo e a correção do abono salarial.
Como forma de reduzir o impacto político das medidas, o governo prometeu enviar um projeto de lei para isentar do IRPF (Imposto de Renda de Pessoa Física) as pessoas que recebem até R$ 5.000 — em troca, propõe alíquota efetiva de 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês. Caso o texto seja aprovado, a nova regra só valerá a partir de janeiro de 2026.
Aos Fatos explica a seguir as principais mudanças propostas pelo governo e o que pode mudar no bolso do contribuinte.
- Quais as mudanças propostas para o Imposto de Renda?
- O que muda com o pacote fiscal do governo?
- Quando as medidas começam a valer?
1. Quais as mudanças propostas para o Imposto de Renda?
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou nesta semana que o governo enviará um projeto de lei ao Congresso para isentar do pagamento do IR os contribuintes que ganham até R$ 5.000 por mês. Desde maio deste ano, o limite de isenção é de R$ 2.824 (dois salários mínimos).
O aumento da faixa de isenção para até R$ 5.000 era uma das principais propostas de campanha de Lula nas eleições de 2022.
Inicialmente, Haddad anunciou que aqueles que ganhavam entre R$ 5.000 e R$ 7.500 pagariam menos Imposto de Renda em razão da concessão de crédito tributário. Essa faixa de isenção parcial, no entanto, foi corrigida posteriormente pelo Ministério da Fazenda.
Os valores passaram a ser entre R$ 5.000,01 e R$ 6.980. Segundo a Fazenda, o teto de R$ 7.500 citado por Haddad seria alcançado se fosse somado o desconto simplificado, que neste caso deverá ter um percentual inferior ao atual, que é de 25%. Isso porque essa isenção parcial diminuiria conforme o ganho mensal alcança o limite superior da faixa.
Já a carga tributária para aqueles que ganham acima de R$ 50 mil aumentaria, para compensar o aumento de contribuintes isentos. A proposta inicial divulgada por Haddad era instituir uma alíquota efetiva de 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, o equivalente a R$ 600 mil por ano.
“Se eu [que recebo R$ 600 mil por ano] paguei R$ 35 mil de IR, vou ter que recolher R$ 25 mil para completar R$ 60 mil (equivalentes à alíquota de 10%]. Suponha que ela ganhe R$ 600 mil e pagou R$ 80 mil de IR, ela não é atingida pela medida. É um conceito novo de IR mínimo considerando toda renda da pessoa, e tudo o que pagou de IR naquele exercício”, explicou Haddad.
No dia seguinte, o secretário-executivo da pasta, Dario Durigan, corrigiu a informação, afirmando que a alíquota seria progressiva e que o percentual de 10% seria aplicado somente a quem ganha acima de R$ 1 milhão por ano. Para aqueles que recebem acima de R$ 600 mil, por exemplo, o percentual seria próximo a zero.
Hoje, segundo o governo, o 1% mais rico da população paga alíquota efetiva de 4,2% de IR. Para o 0,01% mais rico, a alíquota efetiva é de 1,75%.
Moléstia grave
Segundo as regras atuais, os contribuintes portadores de moléstia grave — como doença de Parkinson e esclerose múltipla — são isentos do pagamento do Imposto de Renda. Pela proposta, quem está nessa situação e tem renda acima de R$ 20 mil por mês deixará de ter o direito à isenção.
O que não muda é o direito a deduzir do IR gastos com saúde, como plano de saúde e despesas com psicoterapia ou fonoaudiologia. Esses gastos continuam sendo dedutíveis em sua totalidade para todos os contribuintes.
Faixa de isenção para 2025
Para o ano que vem, a faixa de isenção do IR subirá de R$ 2.259,20 para R$ 2.414,40. Com um desconto simplificado de R$ 603,60, ficarão isentas as pessoas que recebem até R$ 3.018, equivalente a dois salários mínimos pelo piso estimado na proposta orçamentária enviada pelo governo em agosto (R$ 1.509).
Atualmente, quem ganha até R$ 2.259,20 não precisa pagar o tributo. Na prática, no entanto, a faixa de isenção sobe para R$ 2.824. Isso ocorre porque a nova política de valorização do salário mínimo, sancionada em 2023, autorizou o desconto simplificado de 25% sobre o valor do limite de isenção (R$ 564,80).
Confira abaixo a tabela atual do IRPF:
2. O que muda com o pacote fiscal proposto pelo governo?
A equipe econômica do governo Lula detalhou as mudanças propostas com o pacote fiscal, que também precisa ser enviado ao Congresso. Confira abaixo os principais pontos.
Salário mínimo
O governo planeja mudar o formato de correção, o que limitaria o aumento real (acima da inflação) a ser concedido nos próximos anos.
No formato atual, o reajuste do salário corresponde à soma do índice de inflação medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) em 12 meses (atualmente em 4,66%), o que é previsto na Constituição, e o índice de crescimento real do PIB dos dois anos anteriores. No caso de 2025, vale o PIB de 2023 (2,9%). Assim, se fosse concedido hoje, o reajuste seria de 7,56%.
De acordo com a proposta, o salário mínimo deverá ter ganho real dentro do arcabouço fiscal — ou seja, não poderá ser superior a 2,5% somados à variação da inflação. Já nos anos em que o PIB encolher, o percentual será de pelo menos 0,6% acima da inflação, equivalente ao piso da variação de gastos do arcabouço.
Abono salarial
O governo pretende diminuir o número de pessoas que ganham abono salarial — benefício que equivale a um 14º salário para quem ganha até dois salários mínimos com carteira assinada.
Com as mudanças, o benefício será pago somente a quem recebe até R$ 2.640. O valor será corrigido anualmente pela inflação, até chegar a 1,5 salário mínimo, quando passará a ficar estável neste valor. A expectativa é que isso ocorra em 2035.
BPC e Bolsa Família
Haverá um endurecimento das regras e uma maior fiscalização daqueles que recebem o BPC (Benefício de Prestação Continuada) e o Bolsa Família.
No caso do BPC, a renda de cônjuge e companheiro não coabitante (que não mora com a pessoa) e a renda de irmãos, filhos e enteados (não apenas solteiros) coabitantes passaria a contar para definir quem tem acesso ao benefício, por exemplo.
Já no caso do Bolsa Família, o foco do governo é combater irregularidades nos pagamentos para beneficiários que declaram que moram sozinhos (unipessoais). A inscrição ou atualização de famílias unipessoais passaria a ser feita obrigatoriamente em domicílio.
Ensino em tempo integral
Segundo a proposta atual, seria retirada obrigatoriedade dos recursos destinados ao ensino em tempo integral, que atualmente estão reservados no orçamento do MEC (Ministério da Educação). Assim, os recursos destinados ao ensino integral poderiam ser realocados, por exemplo, para outros setores do governo.
O ensino integral passaria a ser custeado inteiramente pelo Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica) — composto na maioria por recursos de estados e municípios. A medida pode prejudicar a expansão do ensino integral e retirar R$ 42,3 bilhões do orçamento do Ministério da Educação até 2030.
Outras áreas
O governo também propôs alterações na Previdência dos militares, em emendas parlamentares, concursos públicos, subsídios e gastos com o funcionalismo público.
3. Quando as mudanças entram em vigor?
Ainda não há uma data. No caso do IR, o governo pretende propor as mudanças, que ainda estão sendo definidas, por meio de um projeto de lei. Uma vez no Congresso, o projeto será debatido inicialmente na Câmara, onde será analisado em comissão, pode sofrer alterações, e posteriormente votado em plenário. Se aprovado, o texto segue para o Senado, onde segue a mesma tramitação.
Os projetos de lei aprovados na Câmara e no Senado são enviados ao presidente da República para sanção. O presidente tem 15 dias úteis para sancionar ou vetar, sendo que o veto pode ser total ou parcial. Todos os vetos têm de ser votados pelo Congresso. Para rejeitar um veto, é necessário o voto da maioria absoluta dos parlamentares.
A proposta de mudança no IR será apreciada pelo Congresso somente em 2025. Segundo a Constituição Federal, mudanças no IR estão sujeitas ao chamado princípio da anualidade — ou seja, só passam a valer no ano seguinte ao da publicação da lei. Assim, a previsão é que, se aprovadas, as mudanças devem começar a valer em janeiro de 2026.
Já o pacote fiscal com as demais medidas será submetido inicialmente à Câmara por meio de dois textos: um PLC (projeto de lei complementar) e uma PEC (projeto de emenda à Constituição).
Em tese, a PEC tem uma tramitação mais longa que um PLC, que é semelhante a de um PL. A proposta de emenda precisa ser aprovada na CCJ, em seguida é analisada por um colegiado especial, e só então segue para aprovação em dois turnos na Câmara e no Senado. São necessários três quintos dos votos (308 deputados e 49 senadores).
As emendas são promulgadas diretamente pelas Mesas da Câmara e do Senado, sem passar por sanção do Presidente da República.
Segundo o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a Casa fará um esforço concentrado de três semanas para tentar votar o pacote fiscal ainda este ano, na semana de 18 de dezembro.
O caminho da apuração
Assistimos à coletiva concedida pelo ministro Fernando Haddad, bem como à entrevista do secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan. Consultamos também o documento divulgado pelo governo federal contendo as propostas, além de artigos publicados pelo Congresso que mostram os trâmites de projetos de lei e de emenda à Constituição.