O Instituto Butantan anunciou nesta terça-feira (12) que a taxa de eficácia global da CoronaVac, vacina contra Covid-19 que desenvolve com a Sinovac, é de 50,38% e, nas redes sociais, a divulgação do dado foi seguida de questionamentos sobre o potencial da imunização. Pensando nisso, Aos Fatos consultou estudos, autoridades sanitárias e especialistas para responder três dúvidas essenciais sobre a eficácia das vacinas.
1. O que é a taxa de eficácia?
2. Por que essas taxas variam conforme a vacina?
3. Por que a eficácia global de 50% é suficiente para a imunização contra a Covid-19?
1. O QUE É A TAXA DE EFICÁCIA?
A taxa de eficácia mostra a capacidade de uma vacina diminuir as chances de uma pessoa que foi imunizada contrair a doença. Por exemplo, quem receber a CoronaVac ficará 50,38% menos suscetível ao Sars-CoV-2, vírus que causa a Covid-19, explica Marcelo Bragatte, biólogo e integrante da Rede Análise Covid-19, grupo formado por pesquisadores multidisciplinares para coletar, analisar e divulgar dados sobre a enfermidade.
Segundo Raquel Stucchi, infectologista e professora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), essa taxa é importante para avaliar o potencial do imunizante. “Você não vai submeter uma população a uma vacina com capacidade de imunização muito pequena. Não vale a pena a produção, nem o esforço para vacinar, nem os gastos.”
Além disso, o dado é necessário para nortear a meta de vacinação, porque com ele se calcula quantas pessoas precisam ser vacinadas para que a circulação do vírus seja reduzida, comentou Natália Pasternak, microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, durante entrevista coletiva no Instituto Butantan nesta terça-feira (12). Uma vacina com taxa mínima de 50% de eficácia deve ser aplicada em quase toda a população para ser capaz de conter com sucesso a contaminação pelo vírus (leia mais sobre isso abaixo).
A eficácia é analisada durante a fase 3 dos testes clínicos com milhares de voluntários divididos em dois grupos - o que toma a vacina e o que recebe placebo, uma substância sem efeito. Passado um período da aplicação, os grupos são reavaliados e é feito um cálculo que subtrai o percentual de ocorrências da doença no grupo placebo e no grupo de vacinados (% casos placebo - % casos vacinados). Por fim, o resultado é dividido pelo percentual de ocorrências do grupo placebo.
O imunologista Helder Nakaya explica no vídeo abaixo como é feito o cálculo.
O dado de 50,38% da CoronaVac, assim como o de 95% da vacina da Pfizer/Biontech ou de 62% de Oxford/AstraZeneca, desenvolvida em parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), representa a eficácia global, que indica a capacidade de proteção do imunizante contra todas as ocorrências da doença, de extremamente leve à grave.
Entretanto, também são calculados dados de eficácia para contextos específicos. A CoronaVac, por exemplo, apresentou 77,96% de eficácia na prevenção de casos leves que precisariam de internação.
Já o dado de 100% de eficácia desta vacina para casos graves ainda não tem significância estatística, segundo o Butantan, porque o número de casos graves na fase de testes foi pequeno para apresentar uma conclusão: foram sete casos no grupo de placebo e nenhuma entre os vacinados em um universo de 9.242 participantes. De acordo com Ricardo Palacios, diretor médico de pesquisa clínica do Butantan, apesar da limitação, essa seria uma tendência que os cientistas esperam que se confirme.
2. POR QUE ESSAS TAXAS VARIAM CONFORME A VACINA?
As taxas de eficácia dos imunizantes variam de acordo com o tipo de vacina e do método de pesquisa realizado. Laura de Freitas, microbiologista e pesquisadora da USP (Universidade de São Paulo), explica que as vacinas de vírus inativado, como é o caso da CoronaVac e de imunizantes para influenza, costumam ter uma imunidade mais branda. Essas vacinas são produzidas a partir do cultivo do vírus, que é aplicado já inativado em humanos e, assim, gera anticorpos.
Já as que usam tecnologia de RNA mensageiro, como as vacinas da Pfizer e da Moderna, estão demonstrando mais intensidade na resposta imunológica. Elas usam um RNA mensageiro sintético (material genético criado em laboratório) para produzir um pedaço da proteína spike (usada pelo vírus para penetrar nas células) do Sars-CoV-2 e gerar a imunidade. Embora seja a primeira vez que uma vacina com base em ácido nucleico seja registrada para humanos, a tecnologia já integra testes clínicos há mais de uma década para doenças como influenza, zika, raiva e citomegalovírus e é empregada em produtos aprovados e comercializados no setor veterinário.
Além das vacinas de RNA, as que costumam gerar melhor imunidade são as de vírus atenuado, quando o parasita é mantido ativo, mas enfraquecido para não ter a capacidade de causar a doença, caso dos imunizantes contra febre amarela e sarampo, que ultrapassam 90% de eficácia global.
A taxa de eficácia pode variar, inclusive, entre os dados de uma mesma vacina. A CoronaVac, por exemplo, apresentou 65,3% de eficácia na Indonésia, país que aprovou o uso emergencial do imunizante no dia 11 de janeiro. Entretanto, o resultado é oriundo de 30 casos sintomáticos analisados; no Brasil, foram 252 (167 do grupo placebo e 85 do grupo vacinado), o que confere maior confiabilidade estatística.
No caso da vacina da Pfizer, Peter Doshi, editor associado do British Medical Journal, comenta que, entre os quase 44 mil voluntários, 3.410 pessoas com sintoma de Covid-19 que não tiveram a doença confirmada por teste foram excluídas. A decisão metodológica interferiu nos resultados, pois, se a maioria desses casos for falso negativo, a taxa de 95% de eficácia diminui.
3. POR QUE UMA EFICÁCIA GLOBAL DE 50% É SUFICIENTE PARA IMUNIZAÇÃO CONTRA COVID-19?
O uso de vacinas com taxa de eficácia a partir de 50% foi autorizado pela OMS durante a pandemia e levou em consideração cálculos que envolvem a taxa de transmissão (R0) inicial da doença, que é igual a 2, o que significa que uma pessoa infectada tem a capacidade de contaminar outras duas.
Logo, se metade da população estiver imunizada, uma pessoa infectada pode transmitir a doença para uma, não mais para duas como antes. Com essa eficácia mínima, praticamente toda a população precisa ser imunizada para barrar a pandemia.
Por outro lado, mesmo uma vacina com taxa de eficácia alta não age plenamente se apenas poucas pessoas a receberem. “Se todo mundo for vacinado com uma vacina com eficácia de 50%, nós podemos interromper a transmissão. Se só 10% da população for vacinada com uma vacina de 90% de eficácia, nós vamos continuar tendo as nossas unidades intensivas cheias”, explica Maurício Nogueira, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Virologia e professor da FAMERP (Faculdade Medicina de São José do Rio Preto).
A vacina da Pfizer, por exemplo, tem uma taxa de eficácia alta, mas demanda uma logística mais complexa para um país continental e tropical como o Brasil, o que pode impactar negativamente na cobertura vacinal. “Essas [vacinas] de 90% são ótimas, mas elas exigem uma rede de frio [logística de transporte que exige freezers com capacidade de manter o produto a 70 ºC negativos] para deslocar muito inviável para o Brasil. Se a gente espera ter uma perda de vacina de 5% a 10%, com elas pode ser maior no nosso país”, comenta Marcelo Bragatte.
Já vacinas como a CoronaVac e a AstraZeneca/Oxford, que podem ser armazenadas em geladeiras comuns, têm mais facilidade na distribuição e, por isso, podem ser mais efetivas mesmo com uma taxa de eficácia menor.
Apesar de ser necessário cautela ao comparar a imunização de diferentes doenças, vacinas com menos de 90% de eficácia já apresentam bons resultados no Brasil, como o imunizante contra a tuberculose, que tem taxa de 60%. Já a vacina contra sarampo alcança 97% de eficácia após a segunda dose, mas a recente queda na cobertura vacinal fez com que a doença, erradicada até 2016, voltasse a registrar surtos no país.
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