Um vídeo publicado no dia 10 de junho por Anthony Ferrari Penza, enfermeiro de Cabo Frio (RJ), traz informações falsas para sustentar que estados e municípios estariam lucrando em cima de mortes por Covid-19. Segundo ele, além de receberem verba federal a cada óbito pela doença, os governantes locais barram o acesso à cloroquina, que julga ser eficaz contra a infecção, e que as curvas de contágio e óbitos no país são hoje decrescentes. Nenhuma dessas alegações, no entanto, é verdadeira, pois:
1. Estados e municípios não recebem verba federal a cada morte por Covid-19. Como o Aos Fatos já mostrou, o recurso extra para o combate à pandemia disponibilizado pelo Ministério da Saúde varia de acordo com o tamanho da população e complexidade do serviço prestado nas unidades de saúde, não pelo volume de óbitos da região;
2. O Brasil não apresenta curvas de contágio e de óbitos decrescentes nem a Rede Globo está omitindo isso de seus telespectadores. Dados disponíveis em fontes oficiais mostram o crescimento da doença no Brasil, e veículos do grupo de comunicação reportam informações contidas em balanços do Ministério da Saúde ou de boletins epidemiológicos das secretarias estaduais de saúde;
3. Os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), e o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), cujas imagens aparecem no vídeo, não tomaram nenhuma decisão contra o uso da hidroxicloroquina, como é dito no vídeo. Tampouco este medicamento tem eficácia comprovada contra a Covid-19.
O vídeo foi publicado no canal do enfermeiro no Youtube no dia 10 de junho, mas sua viralização se deu no Facebook. Um único post, feito por um perfil pessoal no último sábado (13) acumula cerca de 100 mil compartilhamentos na rede social. Todas as publicações foram marcadas com o selo FALSO na ferramenta de verificação da rede social (saiba como funciona).
Existiu e existe ainda venda de mortos por Covid-19. (...) Estados recebiam, por mortos, e recebem R$ 19 mil por paciente morto. Municípios recebendo entre R$ 6 mil e 10 mil. Isso mesmo. O seu pai e sua mãe estão sendo negociada para ser morto pelo Covid-19.
A principal denúncia do vídeo é a de que estados e municípios estariam “vendendo os mortos de Covid-19”, porque receberiam verba por cada paciente morto. Mas, como já explicado pelo Ministério da Saúde em checagem anterior do Aos Fatos, isso não é verdade. Os recursos extras da União para o combate à pandemia são distribuídos segundo critérios como tamanho da população e complexidade do serviço prestado nas unidades de saúde. Também é considerada a sua finalidade: locais com ações de média e alta complexidade (hospitais com casos graves e críticos) recebem recursos a mais, por exemplo.
O Orçamento 2020 prevê o repasse de R$ 32,9 bilhões pelo governo federal aos serviços de saúde estaduais e municipais. Por causa da pandemia, no entanto, foi liberada uma parcela extra de R$ 4 bilhões. De acordo com o Ministério da Saúde, as verbas podem ser empregadas pelas “secretarias estaduais e municipais de saúde para custeio dos serviços e aquisição de insumos básicos para o funcionamento dos postos de saúde e de hospitais”. Um painel mantido pela pasta reúne informações sobre insumos e leitos viabilizados por verbas federais em todo o Brasil.
Além das verbas citadas anteriormente, uma portaria publicada no dia 6 de abril ampliou o custeio diário dos leitos de UTI no Brasil: no lugar dos R$ 800 por dia para cada leito, o governo federal passou a oferecer R$ 1.600, que são usados para gastos com energia, serviço, pessoal, manutenção entre outros.
A fala enganosa do enfermeiro é ilustrada, neste trecho, com imagens de caixões vazios sendo desenterrados. As mesmas imagens foram compartilhadas por peças de desinformação que sugeriam que haveria fraude no registro de mortes por Covid-19. Também como já checado por Aos Fatos, as fotos e o vídeo que circularam foram feitos, na verdade, em maio de 2017 em São Carlos (SP) durante uma investigação da Polícia Civil sobre fraudes em seguros de vida.
A curva está descendo. Apenas a Rede lixo, Rede Globo, essa rede mentirosa, está assustando vocês.
Penza também engana ao dizer que as curvas de casos e óbitos por Covid-19 estavam em queda no Brasil. Na verdade, os números oficiais apontam crescimento nos registros recentes. No dia em que o vídeo foi publicado (10 de junho), por exemplo, o país havia registrado 1.274 novos óbitos. Nos dias anteriores foram 1.272 (9 de junho) e 679 (8 de junho) notificações de mortes.
A série histórica de óbitos está disponível no próprio painel do Ministério da Saúde e do Conass (Conselho Nacional de Secretários da Saúde). O conselho ainda mostra o histórico de infectados confirmados por dia. No site da OMS (Organização Mundial da Saúde) também é possível avaliar a evolução dos casos do país que, no momento, está atrás apenas dos Estados Unidos em números de contagiados e mortos. A entidade recebe as informações enviadas pelo Ministério da Saúde.
Por fim, é falso dizer que a Rede Globo engana o público quando apresenta atualizações sobre a Covid-19. Desde o início da pandemia a emissora vinha apresentando dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde. Quando a pasta parou de mostrar o número acumulado de infectados e óbitos, no dia 5 de junho, decisão revertida pelo STF (Supremo Tribunal Federal) dias depois, a Globo e outros veículos de comunicação formaram um consórcio para compilar os dados presentes nos boletins epidemiológicos das secretarias estaduais de saúde, órgãos que também abastecem os registros do Ministério da Saúde.
Vocês [políticos de esquerda] proibiram o uso de um medicamento barato.
Por fim, não é verdade que políticos teriam proibido o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19, como afirma o enfermeiro. Penza mostra fotos dos governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), e o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ). Nenhum deles, no entanto, tomou medidas contra as decisões do Ministério da Saúde que, em março, autorizou o uso da droga para casos graves de Covid-19 e, depois, ampliou a possibilidade de uso também para casos leves. Inclusive, São Paulo e Rio de Janeiro receberam comprimidos da droga enviados pelo Ministério da Saúde.
Em maio, quando a segunda decisão sobre o uso da cloroquina foi tomada, Doria disse que não expandiria a sua prescrição no estado, mas não chegou a proibir a sua recomendação em casos graves. "Nós não faremos a distribuição e nem aplicação generalizada da cloroquina, porque a ciência não recomenda. A ciência não orienta este procedimento e em São Paulo nós seguimos a ciência", disse à época.
O Aos Fatos também não encontrou nenhum projeto de autoria do Marcelo Freixo que propusesse a proibição da cloroquina. A mudança do protocolo em maio chegou a gerar críticas de outros parlamentares, como os senadores José Serra (PSDB-SP), Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Humberto Costa (PT-PE), e os deputados federais Tábata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSN-ES), mas não houve pedidos de proibição.
Serra, por exemplo, apresentou um projeto de decreto legislativo (PDL 238/2020) para suspender as novas orientações do Ministério da Saúde para o consumo do medicamento em fase precoce da doença, mas não para proibir. Vieira, Tabata e Rigoni enviaram um ofício à pasta para pedir a indicação dos responsáveis técnicos pelas orientações do uso de cloroquina e hidroxicloroquina.
Não há qualquer comprovação da eficácia da cloroquina para tratar ou prevenir Covid-19. Em abril, a Suécia suspendeu o uso da droga em hospitais por causa de efeitos colaterais graves. No dia 15 de junho, a FDA (Food and Drug Administration), agência governamental que regulamenta o uso de medicamentos nos Estados Unidos, revogou a autorização para o uso emergencial de cloroquina para tratar Covid-19. Por fim, a OMS (Organização Mundial da Saúde) anunciou no dia 17 de junho que vai suspender novamente os testes do medicamento.
Autoria. O homem que aparece no vídeo é Anthony Ferrari Penza, enfermeiro de Cabo Frio (RJ) e que possui diversos vídeos com supostas denúncias que afirmam que não haveria pandemia no Brasil. Seu registro de fato está ativo no Coren-RJ (Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro).
Aos Fatos entrou em contato com Penza por meio de mensagem no Facebook para que ele pudesse comentar as checagens. O enfermeiro negou que suas declarações sejam falsas: "eu falo o que vivo e não falácias".
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