Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Fevereiro de 2021. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Em vídeo que motivou sua prisão, Daniel Silveira ataca STF com informações falsas

Por Amanda Ribeiro e Luiz Fernando Menezes

17 de fevereiro de 2021, 18h30

O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) foi preso em flagrante na noite de terça-feira (16) por ter publicado um vídeo em que ataca ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), e defende a cassação dos magistrados e o AI-5, um dos instrumentos mais repressivos da ditadura militar. Ao longo da gravação, ele baseou acusações e opiniões em informações factualmente falsas, como Aos Fatos verificou.

Não é verdade, por exemplo, que o ministro Edson Fachin tenha sido militante do PT ou que atuou em organizações da luta armada contra a ditadura. Também não há provas ou indícios de que Gilmar Mendes venda sentenças e habeas corpus, como alegou o deputado.

O mandado de prisão expedido pelo ministro Alexandre de Moraes sustenta que Silveira é reincidente ao atentar contra o “Estado Democrático de Direito brasileiro”. Na tarde desta quarta-feira (17), o plenário da corte referendou a decisão. O deputado é hoje investigado nos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos no STF e figura frequente em análises de desinformação sobre o Judiciário feitas pelo Radar Aos Fatos (aqui, aqui e aqui).

O vídeo pivô da prisão de Daniel Silveira contém ataques a praticamente todos os integrantes do STF, mas a ênfase é maior sobre Fachin. Isso porque, dias antes, o ministro havia manifestado contrariedade à revelação feita pelo ex-comandante do Exército brasileiro, Eduardo Villas Bôas, de que teria pressionado a corte no julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2018.

Abaixo, as declarações de Silveira no vídeo, checadas.


Você [ministro do STF Luiz Edson Fachin] era militante lá do PT, partido comunista. Você era da aliança comunista do Brasil.

O ministro Luiz Edson Fachin nunca foi integrante do PT, do partido comunista ou de uma "aliança comunista do Brasil", como sustenta o deputado Daniel Silveira no vídeo. De acordo com a base de dados do Brasil.io, que agrega registros de filiação política desde 1996, nenhum Luiz Edson Fachin esteve ligado a essas ou a quaisquer outras siglas. O nome do magistrado também não aparece nas listas de filiados do PT, PCB e PCdoB divulgadas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Na biografia do ministro no CPDOC-FGV (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas), também não há informação sobre uma eventual militância política. No final do regime militar, Fachin cursava mestrado em Direito na PUC-SP, segundo o verbete do magistrado na plataforma da FGV.

Há apenas um relato feito por um professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e ex-colega de Fachin, Manoel Caetano, ao Estado de Minas. Segundo o pesquisador, ele e o magistrado foram amigos de faculdade e participaram do PAP (Partido Acadêmico Progressista): "Era um partido acadêmico que militava pela democratização, pelo fim da ditadura, pela anistia ampla e irrestrita". Não há, no entanto, sugestão de que o então estudante de direito teria ligação com movimentos comunistas.

Durante a discussão sobre a sua indicação ao Supremo em 2015, Fachin chegou a ser apontado como um advogado próximo a movimentos sociais, como a CUT e o MST, por ter sido apoiado pela central de sindicalistas para integrar a Comissão da Verdade do Paraná e por ter assinado um documento de repúdio à criminalização e extinção de movimentos sociais. Na época, o jurista afirmou ser “progressista” mas negou ter qualquer filiação partidária.

Por fim, é importante ressaltar que não houve nenhuma “aliança comunista do Brasil”. Um movimento com nome semelhante e ideais comunistas foi a Aliança Nacional Libertadora, criada em 1935 e que se dissolveu em 1937. Fachin só nasceria duas décadas depois, em 1958.


[Fachin] Atacava militares junto com a Dilma [Rousseff], aquela ladra, vagabunda.

É FALSO que o ministro Edson Fachin tenha participado de movimentos da luta armada contra a ditadura, como alegou Daniel Silveira. Em busca na internet e em sua biografia no CPDOC-FGV, não há registro de que o magistrado tenha integrado movimento político no período militar, incluindo o grupo do qual participou a ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Sequer há evidências de que Dilma participou de ações armadas durante a ditadura, como afirma o deputado. Como mostram sua biografia e relatos de ex-colegas de militância, a ex-presidente integrou o grupo militante Colina (Comando de Libertação Nacional), que, em 1969, viria a se fundir com a VPR para formar a VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária — Palmares). O grupo foi responsável por ações como o roubo ao cofre do ex-governador Adhemar Barros em 1969, caso que também não contou com a participação da ex-presidente.

Em entrevista ao UOL em 2014, os ex-colegas de militância da petista Jorge Nahas e Fernando Pimentel (ex-governador de Minas Gerais pelo PT) afirmaram que Dilma participava de trabalhos denominados “agitação de massas”, ligados à atuação de movimentos estudantis e operários. Ela também distribuía jornais clandestinos que eram entregues na porta das fábricas e a estudantes. Os colegas negam que a ex-presidente tenha participado de assaltos ou sequestros no período.


Toda hora [o ministro do STF Gilmar Mendes], vende um habeas corpus, vende sentenças, compra o cliente.

A declaração de Silveira é FALSA, porque não há inquéritos ou investigações que apontem para a venda de sentenças por parte do ministro Gilmar Mendes ou de qualquer outro membro do STF. Em busca no portal do Senado Federal — que, de acordo com a Constituição, é o responsável por julgar eventuais crimes de responsabilidade cometidos por magistrados da Corte — Aos Fatos não encontrou nenhum registro de nenhum processo do tipo seja em relação a Mendes ou a outros ministros da Corte.

Nos pedidos de impeachment protocolados junto ao Senado Aos Fatos não encontrou nenhuma acusação de que o ministro tenha vendido sentenças ou habeas corpus. Em geral, os processos tratam de quebra de decoro e de supostas ligações político-partidárias que impediriam sua atuação.

Também não há nenhuma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Senado que investigue qualquer irregularidade cometida por integrantes do Supremo. No momento, a Casa possui apenas duas comissões aprovadas mas que aguardam instalação: a CPI das Queimadas e do Desmatamento na Amazônia Legal e a CPI do Desmatamento na Amazônia Legal.

É importante ressaltar, ainda, que mesmo os parlamentares críticos ao STF e defensores da criação da chamada CPI Lava Toga não apontam a venda de sentenças entre os possíveis crimes de responsabilidade praticados por ministros da corte. Não há menção explícita a esse tipo de conduta em nenhum dos 13 pontos levantados pelos senadores responsáveis pelo requerimento de criação da comissão.


Aquilo ali [invasão do Capitólio] foi parte da população revoltada que, na minha opinião, foram infiltrados do Black Lives Matter, dos antifas, black blocs.

Silveira repete neste trecho do vídeo uma narrativa de desinformação disseminada à época da invasão e da depredação do Capitólio americano, no início de janeiro. Diferentemente do que afirma o deputado, as linhas de investigação do episódio não apontam a participação de membros do Black Lives Matter, do movimento antifascista ou de nenhum grupo de esquerda. Por isso, a declaração foi classificada como FALSA.

No dia 8 de janeiro, o diretor-assistente do FBI (serviço de inteligência americano), Steven D’Antuono, afirmou não haver evidências de que antifascistas tivessem se infiltrado na manifestação pró-Trump para causar tumulto. Essa tese também não aparece mais nas atualizações sobre o caso.

O boato provavelmente se originou de uma matéria publicada pelo periódico Washington Times pouco após os protestos. De acordo com o texto, um software de reconhecimento facial havia relacionado imagens de participantes da invasão ao Capitólio ao de integrantes de manifestações antifascistas na Filadélfia. A própria empresa responsável pelo software, no entanto, veio a público desmentir a história, alegando que o software havia, na verdade, identificado dois neonazistas e um apoiador do movimento QAnon entre os manifestantes.

Outro lado. Aos Fatos entrou em contato com a assessoria do deputado na tarde desta quarta-feira (17), mas não houve retorno até a publicação das checagens.

Referências:

1. G1 (Fontes 1, 2, 3 e 4)
2. Aos Fatos (Fontes 1, 2, 3, 4 e 5)
3. Brasil.io
4. TSE
5. CPDOC-FGV (Fontes 1, 2 e 3)
6. Estado de Minas
7. Estadão
8. Governo do Paraná
9. UOL
10. O Globo
11. Forbes
12. New York Times
13. Reuters
14. Planalto
15. Senado (Fontes 1, 2, 3 e 4)
16. Congresso em Foco


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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