Jair Bolsonaro dedicou dois pronunciamentos nesta quinta-feira (12) para dizer que as manifestações governistas contra o Congresso marcadas para o próximo domingo poderiam gerar "uma explosão de infectados" e que "já foi dado um tremendo recado para o Parlamento", diferentemente do que vinha afirmando nas últimas semanas. Ao desincentivar a ida aos protestos em fala durante transmissão ao vivo nas redes sociais e pronunciamento veiculado em rádio e TV, o presidente foi contra ao menos cinco de suas declarações públicas mais recentes, quando chegou a dizer que o impacto da doença era “superdimensionado” e que a manifestação "não é um movimento contra o Congresso".
Nas últimas duas semanas, Bolsonaro, que chegou a convocar a população para os atos em ao menos duas ocasiões, já havia defendido que as manifestações não seriam contra o Legislativo, mas “pró-Brasil”. Nesta semana, também disse ao menos três vezes que a gravidade do coronavírus era "muito mais fantasia".
Tem a questão do coronavírus também, que no meu entender está sendo superdimensionado o poder destruidor desse vírus, certo? Então, talvez esteja sendo potencializado, até por questões econômicas.” — Jair Bolsonaro, em discurso durante encontro comunitário em Miami, no dia 9 de março
Obviamente, temos, no momento, uma crise, uma pequena crise, não é? Ou, no meu entender, muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propala, ou propaga, pelo mundo todo. — Discurso durante Sessão de Abertura da Conferência Internacional Brasil-Estados Unidos em Miami, em 10 de março
O que eu ouvi até o momento [é que] outras gripes mataram mais do que esta. — Jair Bolsonaro, em entrevista coletiva na entrada do Planalto, no dia 11 de março
O que nós devemos fazer agora é evitar que haja uma explosão de pessoas infectadas, porque os hospitais não dariam vazão para atender toda essa gente. Então se o governo não tomar nenhuma providência, sobe, e depois de um certo limite, não dá mais, o sistema não suporta. Problemas acontecem, o pessoal fica apavorado, acaba morrendo gente por outro motivo, vão dizer que é o coronavírus, então como presidente eu tenho que tomar uma posição. — Transmissão ao vivo no dia 12 de março
Pandemia. Três dias depois de dizer que o coronavírus era superdimensionado pela imprensa, Bolsonaro apareceu em transmissão ao vivo pelo Facebook na noite desta quinta-feira (12) usando uma máscara cirúrgica. Em discurso realizado em Miami, nos Estados Unidos, na segunda-feira (9), ele especulou que o “poder destruidor” do vírus estaria sendo exagerado por "questões econômicas".
A OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou na quarta-feira (11) que o surto de coronavírus já pode ser caracterizado como uma pandemia. Nas últimas semanas, o número de casos fora da China aumentou 13 vezes e o número de infectados no mundo chegou a cerca de 125 mil. Mais de 4.600 pessoas morreram.
Antes de pedir a apoiadores que evitassem participar dos protestos por conta da possibilidade de disseminação do vírus, o presidente menosprezou a gravidade do surto mais uma vez. Em entrevista a jornalistas na porta do Planalto na quarta (11), o presidente voltou a se pronunciar sobre o assunto. “Vou ligar para o [ministro da Saúde, Luiz Henrique] Mandetta. Eu não sou médico, não sou infectologista. O que eu ouvi até o momento [é que] outras gripes mataram mais do que esta", declarou Bolsonaro.
Especialistas estimam que a letalidade do novo coronavírus esteja em torno de 1%. Até agora, cerca de 3,4% dos casos registrados resultaram em morte como disse o diretor da OMS (Organização Mundial de Saúde), Tedros Ghebreyesus. O número, porém, tende a superestimar a mortalidade porque não leva em conta que muito casos mais leves provavelmente não foram detectados ainda. Ainda assim, o novo coronavírus é muito mais mortal que a gripe comum, que mata cerca de 0,1% dos infectados segundo a CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA).
15 de março. Gen Heleno/Cap Bolsonaro. O Brasil é nosso, não dos políticos de sempre - Texto que acompanha vídeo enviado por Bolsonaro a correligionários no WhatsApp
Vera Magalhães, eu não sou da tua laia. (...) Ela queria dar um furo de reportagem com aquele meu vídeo convocando o pessoal para 15 de março, mas no seu afã de dar o furo rapidamente, ela esqueceu de ver a data que era 2015”. - Live em 27 de fevereiro
Dia 15 agora tem um movimento de rua espontâneo, um movimento espontâneo. (...) Então participem, não é um movimento contra o Congresso, contra o Judiciário, é um movimento pró-Brasil”. - Discurso em Roraima em 7 de março
Então participem, não é um movimento contra o Congresso, contra o Judiciário, é um movimento pró-Brasil. É um movimento que quer mostrar para todos nós, presidente, poder Executivo, poder Legislativo, poder Judiciário, que quem dá o norte para o Brasil é a população - Discurso em Roraima em 7 de março
Eu não convoquei ninguém [para as manifestações]. Pergunta para quem convocou. Você pergunta para quem convocou". - Entrevista a jornalistas em 11 de março
Eu sou a favor [das manifestações do dia 15]. Se bem que o movimento não é meu, o movimento é espontâneo e popular. Uma das ideias é adiar. Suspender. Adiar. Daqui a um, dois meses, se faz. Já foi dado um tremendo recado para o Parlamento. - Live em 12 de março
Idas e vindas. Desde que atos hostis aos Congresso começaram a ser organizados por movimentos civis simpáticos a Bolsonaro para o dia 15 de março, o presidente deu declarações contraditórias sobre seu apoio às manifestações. Em um primeiro momento, ele negou que tivesse convocado aliados para os protestos. Depois, deu seu apoio público aos atos, mas afirmou que o alvo não eram os outros Poderes da República. Por fim, nesta quinta-feira, disse que as manifestações deveriam ser canceladas por conta do novo coronavírus, mas falou que a iniciativa deu "um tremendo recado ao Parlamento"
O caso começou em 25 de fevereiro, quando a jornalista Vera Magalhães, do jornal O Estado de S. Paulo, mostrou em reportagem que Bolsonaro encaminhou pelo WhatsApp a aliados vídeos de apoio aos atos de 15 de março. Depois de o conteúdo das mensagens do presidente ter sido publicado, ele fez uma série de ataques à jornalista e negou que tivesse feito a convocação.
“Vera Magalhães, eu não sou da tua laia. (...) Ela queria dar um furo de reportagem com aquele meu vídeo convocando o pessoal para 15 de março, mas no seu afã de dar o furo rapidamente, ela esqueceu de ver a data que era 2015”, afirmou durante transmissão ao vivo em sua conta no Facebook no dia 27 de fevereiro.
Como mostrou o Aos Fatos, no entanto, o vídeo não poderia ser do ano mencionado por Bolsonaro, uma que trazia imagens de eventos posteriores a 2015, como o atentado que vitimou o então candidato à Presidência da República em Juiz de Fora (MG) em 2018.
Dias mais tarde, o presidente chamou a população para os protestos, mas negou que tivessem como alvo o Poder Legislativo. Em discurso em Boa Vista (RR) no dia 7 de março gravado e publicado nas redes sociais, disse: "Dia 15 agora tem um movimento de rua espontâneo, um movimento espontâneo. (...) Então participem, não é um movimento contra o Congresso, contra o Judiciário, é um movimento pró-Brasil". Três dias depois, a Secom (Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República) também divulgou as manifestações no Twitter.
Já no dia 12 de março, o presidente voltou a negar que estivesse por trás das manifestações. Em entrevista concedida a jornalistas na entrada do Palácio do Alvorada na última quarta-feira (11), ele foi questionado sobre se o avanço do coronavírus no país atrapalharia a organização dos atos pró-governo e respondeu: “Eu não convoquei ninguém. Pergunta para quem convocou. Você pergunta para quem convocou".
Nesta quinta, na live e no pronunciamento nacional, Bolsonaro elogiou as iniciativas, mas pediu seu cancelamento por conta da epidemia do novo coronavírus. Ele afirmou que o planejamento dos atos deu "um tremendo recado para o Parlamento", contradizendo sua afirmação de que o Legislativo não era o alvo das manifestações.
“O que nós devemos fazer agora é evitar que haja uma explosão de pessoas infectadas, porque os hospitais não dariam vazão para atender toda essa gente. Então se o governo não tomar nenhuma providência, sobe, e depois de um certo limite, não dá mais, o sistema não suporta. Problemas acontecem, o pessoal fica apavorado, acaba morrendo gente por outro motivo, vão dizer que é o coronavírus, então como presidente eu tenho que tomar uma posição. Eu sou a favor. Se bem que o movimento não é meu, o movimento é espontâneo e popular. Uma das ideias é adiar. Suspender. Adiar. Daqui a um, dois meses, se faz. Já foi dado um tremendo recado para o Parlamento ".
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