Eleições, extremos climáticos e IA inflam mentiras e fraudes em 2024

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A desinformação que circulou nas redes brasileiras em 2024 foi marcada por publicações sobre política e extremos climáticos — fenômenos meteorológicos intensos e com grande impacto social. Outra tendência que se confirmou neste ano foi a ascensão do uso de inteligência artificial como meio de produzir mentiras.

O levantamento se baseia nas 752 checagens sobre peças enganosas desmentidas pelo Aos Fatos durante o ano. Quase metade (46,8%) foi sobre política.

Juntas, as publicações checadas somaram mais de 116 milhões de visualizações em plataformas como TikTok, Kwai, YouTube e X, além de cerca de 9,8 milhões de curtidas ou compartilhamentos em redes como Facebook e Instagram.

Aos Fatos classificou cada uma das publicações enganosas checadas de acordo com o principal assunto abordado.

Os cinco temas mais recorrentes foram:

  • Política: peças que miravam figuras políticas ou que disseminavam mentiras sobre o processo eleitoral;
  • Extremos climáticos: posts sobre fenômenos meteorológicos ou climáticos com maior intensidade e frequência do que o normal, como as enchentes no Rio de Grande do Sul, furacões e incêndios florestais;
  • Justiça e segurança pública: posts com menção a leis, decisões judiciais, atos criminosos ou medidas públicas para combater o crime organizado;
  • Costumes e religião: desinformações que envolviam alegações preconceituosas, celebridades ou com teor religioso;

Economia: publicações que abordaram assuntos como impostos, salário mínimo, desemprego e benefícios sociais.

Política

As eleições no Brasil, nos Estados Unidos, na França e na Venezuela foram os principais assuntos no âmbito político em 2024. O tema permaneceu pelo quarto ano consecutivo como o preferido dos desinformadores.

Cerca de 42% das checagens publicadas pelo Aos Fatos neste ano tiveram relação com eleições. O pleito municipal liderou com 77 checagens, seguido pelas eleições americanas (49), venezuelanas (15) e francesas (6).

São Paulo. A disputa pela prefeitura paulistana foi a que motivou mais checagens do Aos Fatos — 49, cerca de 63% das verificações feitas sobre o pleito brasileiro, e o mesmo número de peças desmentidas sobre as eleições americanas.

O candidato Pablo Marçal (PRTB) foi citado 30 vezes e, embora tenha terminado a disputa em terceiro lugar, foi o principal personagem das checagens sobre o pleito paulistano.

Dos conteúdos de desinformação sobre Marçal verificados pelo Aos Fatos, a maior parte foi para enaltecê-lo e se originou em postagens difundidas por ele ou seus apoiadores. Muitos posts enganosos questionavam a lisura de pesquisas de opinião e o processo eleitoral, além de atacar a imprensa.

Na véspera do primeiro turno, durante uma entrevista ao vivo, Marçal difundiu um laudo falso para alegar que o então candidato e deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) teria sofrido um surto psiquiátrico por uso de cocaína.

Estados Unidos. A eleição presidencial americana também foi um dos motores de desinformação em 2024, com o presidente eleito Donald Trump, citado em 84% das peças enganosas checadas — 11 delas sobre o atentado sofrido pelo republicano. A poiadores dele compartilharam uma imagem falsa para alegar que a CNN anunciou a derrota do republicano antes do fechamento das urnas no Texas.

Presidente vs. ex-presidente. Lula e Jair Bolsonaro continuam sendo os personagens políticos mais citados pelas peças desinformativas.

O petista foi personagem de 166 checagens sobre peças enganosas que tentavam descredibilizar sua gestão por meio de frases nunca ditas e de medidas não tomadas pelo governo.

  1. Ele não defendeu, por exemplo, a mentira como método para enganar pobres, nem vendeu a maior reserva de urânio do Brasil para a China — a checagem mais lida do ano no site do Aos Fatos, com 148 mil visualizações;
  2. Os desinformadores inventaram também que ninguém teria comparecido ao desfile do 7 de setembro deste ano, o que não é verdade;
  3. Falsas alegações sobre o estado de saúde do presidente foram desmentidas pelo Aos Fatos em quatro checagens ao longo do ano, sendo que em duas os desinformadores inventaram que o presidente teria sido substituído por um sósia.

Já no caso de Bolsonaro, a maior parte das 75 checagens tinha como foco publicações enganosas que o enalteciam, seja por meio de comparações enganosas entre governos, seja ao fazer crer que a imprensa teria admitido que Bolsonaro não tentou um golpe ou que o político podia ficar com joias de origem saudita.

O número de checagens que citaram Bolsonaro aumentou 72% em relação a 2023, mas ficou aquém de 2022, último ano de seu governo, quando foi citado 152 vezes.

Imprensa. O terceiro “personagem” mais citado pelas peças enganosas desmentidas pelo Aos Fatos em 2024 foi a própria imprensa, mencionada em 44 checagens. Foram contabilizados aqui os conteúdos sobre trechos de reportagens e programas jornalísticos adulterados ou tirados de contexto por desinformadores.

Extremos climáticos

Os intensos fenômenos climáticos que ocorreram no Brasil e no mundo neste ano tiveram impacto no volume de publicações enganosas nas redes sociais. Aos Fatos criou pela primeira vez uma categoria dedicada ao tema. Foram 79 checagens sobre isso — cerca de 10,5% do total publicado.

Os principais assuntos abordados pelas peças de desinformação dentro deste tema foram as enchentes no Rio Grande do Sul, os incêndios florestais em diversos biomas, além do furacão Milton, nos Estados Unidos, que ganhou destaque por sua intensidade.

Enchentes no RS. A maior parte das checagens sobre extremos climáticos tratou das enchentes no Rio Grande do Sul. Das 44 publicações sobre o assunto (cerca de 56% do total), 18 desmentiam conteúdos que disseminavam falsas denúncias sobre doações.

Os posts enganosos afirmavam, por exemplo, que prefeituras estavam escondendo ou descartando donativos, e que o governo federal teria impedido que doações fossem entregues, o que não ocorreu.

Incêndios florestais. O aumento das queimadas também impactou a vida dos brasileiros dentro e fora das redes. Foram 20 posts enganosos sobre esse assunto desmentidos no ano.

A maior parte das peças enganosas tentava responsabilizar o governo federal pelas queimadas ao inventar que drones e brigadistas causaram incêndios e ao alegar que uma lei permitia ao governo vender terras queimadas para a China, o que é falso.

IA e fraudes digitais

Também pela primeira vez, Aos Fatos contabilizou publicações em que o uso da inteligência artificial foi preponderante na desinformação. Foram 57 checagens sobre posts enganosos que difundiram vídeos com dublagens falsas, imitando vozes de políticos, celebridades e apresentadores de TV.

As checagens sobre fraudes digitais mostram o uso recorrente da IA. Ferramentas do tipo foram utilizadas em quase todos os esquemas fraudulentos criados pelos criminosos.

  • No ano foram 29 checagens sobre golpes financeiros, sendo 27 com uso de IA;.
  • As empresas que apareceram de modo mais recorrente nas checagens foram a Havan, a Cacau Show e os Correios;
  • Pela primeira vez, Aos Fatos detectou golpes em que criminosos adulteraram vídeos de políticos, desde parlamentares até o presidente Lula, para aplicar golpes.

Em janeiro, Aos Fatos alertou que as fraudes com IA, seja para produzir áudios e vídeos falsos verossímeis, seja para criar chatbots, vinham se popularizando. A tendência se confirmou ao longo de 2024.

Além de golpes financeiros, a IA também foi usada em publicações enganosas sobre extremos climáticos e para pedir votos durante as eleições municipais brasileiras.

Justiça e segurança pública

Foram desmentidas 59 publicações sobre temas relacionados à justiça e segurança pública, número menor do que em 2023, quando foram 66 checagens.

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes foi citado em 36 publicações. Além de ser o principal personagem deste tema, também foi o quinto mais mencionado no total de checagens realizadas pelo Aos Fatos.

A maioria das menções a Moraes tem relação com as decisões tomadas pelo magistrado que afetaram empresas do bilionário Elon Musk, como o banimento da rede social X do Brasil, e bloqueio das contas bancárias da empresa de satélites Starlink.

Os embates entre Moraes e Musk ganharam tração entre os apoiadores de Bolsonaro e, assim, alavancaram as menções nas redes ao empresário e à Starlink. O dono do X foi mencionado em 29 checagens, enquanto a Starlink foi citada em seis, incluindo uma sobre um golpe que prometia internet vitalícia.

Crime organizado. Circularam também posts que acusavam o ex-ministro da Justiça e atual ministro do STF Flávio Dino de defender a liberação do furto no país, e que tiravam de contexto uma decisão do STJ sobre a punição pelo uso de armas de fogo por traficantes de drogas. Cenas de séries e filmes ambientados em favelas brasileiras também foram difundidas como reais.

Como no ano passado, essas publicações estão imersas em um contexto desinformativo que tenta atribuir ao governo Lula uma relação com o crime organizado.

Costumes e religião

As checagens sobre posts enganosos contendo alegações falsas sobre celebridades, discriminação contra a população LGBTQIA+ e mentiras contra comunidades religiosas cresceram em relação a 2023. No ano passado foram 44 conteúdos sobre isso, e neste ano foram 60.

Entre os principais desmentidos estão alegações preconceituosas contra a população LGBTQIA+ (11 checagens) e teorias da conspiração sobre o escândalo envolvendo o rapper Diddy (8 checagens). O papa Francisco foi mencionado em três checagens.

Economia

Ao longo deste ano, foram publicadas 60 checagens sobre temas econômicos, uma a menos em relação ao ano passado, quando foram feitas 61 checagens. O número, no entanto, é maior do que o registrado em 2021 (29 checagens) e 2022 (8 checagens).

Benefícios sociais, aposentadoria e reforma tributária foram os conteúdos econômicos mais checados pelo Aos Fatos. As mentiras foram alimentadas pelos cortes de gastos do governo, incertezas sobre a carga tributária, propostas de mudanças no imposto de renda e tributos que não foram criados.

Saúde

A epidemia de dengue em diversos estados no início do ano fez com que a doença fosse o assunto do maior número de checagens sobre saúde. Com 11 das 31 checagens sobre o tema, a desinformação ficou concentrada em falsos tratamentos caseiros, a exemplo do que ocorreu com a Covid-19 que, com dez menções, ficou em segundo lugar.

O antiparasitário ivermectina — remédio sem eficácia comprovada contra a dengue e a Covid-19 — nunca foi esquecido pelos desinformadores. Prova disso é que o medicamento foi assunto da segunda checagem mais lida do ano dos Aos Fatos.

Olimpíadas

As Olimpíadas de Paris também geraram desinformação nas redes sociais. Aos Fatos publicou 15 checagens sobre os Jogos, sendo que três delas desmentiam publicações mentirosas contra a população LGBTQIA+, como ocorreu no caso da boxeadora Imane Khelif.

No Brasil, os Jogos Olímpicos foram usados por desinformadores para alimentar a polarização política e disseminar inverdades sobre o programa Bolsa Atleta do governo federal.

Aos Fatos já publicou outros balanços que analisavam o conjunto da desinformação desmentida durante o ano. Confira abaixo as reportagens anteriores:

Colaborou Amanda Ribeiro.

O caminho da apuração

Para este levantamento, foram contabilizadas todas as checagens publicadas pelo Aos Fatos entre 1° de janeiro e 27 de dezembro deste ano. As checagens foram separadas por temas, subtemas, personagens e se a IA foi preponderante para desinformar.

Referências

  1. Aos Fatos (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40 e 41)
  2. g1 (1, 2 e 3)
  3. CNN Brasil (1, 2 e 3)
  4. Climainfo
  5. STF
  6. Fiocruz

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