Não é verdade que mensagens digitadas no WhatsApp não possam ser hifenizadas, como afirmou o militante Allan dos Santos para falsamente insinuar que a Folha de S.Paulo teria adulterado reproduções de conversas entre a jornalista Patrícia Campos Mello e a fonte de uma de suas reportagens (veja aqui). A translineação, ato de passar de uma linha para a outra, ficando parte da palavra na linha superior sucedido de hífen e o resto na seguinte linha, é possível em aparelhos que usem o sistema operacional Android devido a um recurso chamado TextView.
Os prints foram publicados pelo jornal para contrapor informações proferidas por Hans River do Rio Nascimento, ex-funcionário de uma agência de difusão de mensagem em massa por WhatsApp, à CPMI das Fake News. A presença do hífen em uma das imagens chamou a atenção do blogueiro e de outros usuários do Twitter também porque a mesma reportagem apresenta duas reproduções da mesma conversa, uma com a hifenização, outra não.
Além disso, em vídeo publicado em sua conta no Twitter, a jornalista esclareceu que as capturas foram feitas em dois aparelhos diferentes: a com hífen em um Motorola G6; a sem hífen em um Motorola G8 Plus, com tela maior e sistema operacional mais moderno.
Publicada pelo blogueiro no início da manhã desta quarta-feira (12), publicações com o conteúdo enganoso se espalharam no Facebook e no Twitter e já acumulam 3.000 compartilhamentos. No Facebook, todas elas foram marcadas com o selo FALSO na ferramenta de monitoramento (saiba como funciona).
Diferentemente do que afirma o blogueiro do Terça Livre Allan dos Santos, mensagens digitadas no WhatsApp podem, sim, ser hifenizadas. Segundo o blogueiro, a presença do hífen em uma reprodução de conversa entre a jornalista Patrícia Campos Mello e a fonte de uma de suas reportagens seria um indicativo de que a imagem, que foi publicada pelo jornal, teria sido manipulada. No entanto, o sistema operacional Android possui um recurso padrão chamado TextView que permite a separação silábica.
A Folha de S.Paulo publicou duas reproduções de uma mesma conversa entre a repórter e Hans River do Rio Nascimento, ex-funcionário de uma agência de difusão de mensagem em massa entrevistado por Mello para uma reportagem. O objetivo era contrapor informações proferidas por Nascimento contra a jornalista em depoimento à CPMI das Fake News na terça-feira (11). Uma das imagens, no entanto, trazia o texto hifenizado, outra não.
Após a publicação de Allan dos Santos sobre a possível fraude do jornal, usuários do Twitter argumentaram que a hifenização poderia ocorrer. O jornalista e consultor do Aos Fatos Sérgio Spagnuolo, por exemplo explicou que o TextView pode ser programado para fazer a separação silábica em três frequências diferentes: 0 (nenhuma), 1 (hifenização menos frequente, útil em casos informais, como mensagens de texto) e 2 (hifenização padrão, útil para textos corridos e para telas pouco espaçosas). Os níveis estão descritos na tabela abaixo, retirada do portal de desenvolvedores do Android:
A hifenização também é um recurso que pode ser usado de acordo com a formatação do celular no que se refere à quebra de linhas de texto. Uma das opções disponíveis, segundo o próprio sistema, “utiliza estratégia de alta qualidade, incluindo hifenização”.
As mudanças no código do TextView podem ser feitas por desenvolvedores. A depender do tipo de aparelho, as configurações podem mudar. Em vídeo publicado em sua conta no Twitter, a jornalista Patrícia Campos Mello, autora da reportagem, afirmou que foram feitos dois prints das mensagens em dois aparelhos de celulares diferentes: o primeiro deles, que apresentava o hífen, era um Moto G6, com sistema operacional Android 8.0; o segundo, um Moto G8 Plus. Veja, abaixo, as imagens das reproduções.
Em publicação no Twitter, o jornalista especializado em tecnologia Raphael Hernandes também explicou que, a partir do Android 6, lançado em 2015, foi habilitada a hifenização automática dos textos do sistema, que calcula e determina uma amplitude máxima e mínima para as linhas de um parágrafo. Esse processo varia de acordo com o aparelho por questões relacionadas ao tamanho da tela, à resolução e ao tamanho e tipo de fonte usada. A partir do Android 9 — versão mais recente, no entanto, o sistema de hifenização vem desabilitado por padrão.
É possível perceber nos prints, ainda, que os padrões de data e hora das reproduções estão diferentes, o que reforça o argumento de que foram feitas em dois aparelhos diferentes. No primeiro, mais recente, a hora segue o padrão americano (1:09 PM); no segundo, o padrão é o brasileiro (13:09).
Reportagem e repercussão. Em dezembro de 2018, a jornalista Patrícia Campos Mello publicou na Folha de S.Paulo uma reportagem que revelava que a empresa Yacows, especializada em marketing digital, usava de forma fraudulenta o CPF de idosos para registrar chips de celular que fizessem o disparo de lotes de mensagens via WhatsApp nas eleições de 2018. Um dos entrevistados da matéria era Hans River do Nascimento, ex-funcionário da empresa.
Convocado pelo deputado Rui Falcão (PT-SP), Nascimento prestou depoimento na terça-feira (11) à CPMI das Fake News — que investiga, entre outros assuntos, a disseminação de notícias falsas nas eleições — e fez uma série de insinuações sobre a jornalista. Em resposta, a Folha publicou uma reportagem na qual contrapõe as suas falas com imagens das conversas entre ele e Mello.
Outro lado. Contatado por Aos Fatos via email, o blogueiro Allan dos Santos não deu retorno até a publicação desta reportagem.