São enganosas as publicações que afirmam que a legislação brasileira não permite a vacinação obrigatória da população. A lei 6.259, de 1975, e outra mais recente, a 13.979/2020, conferem poderes à União, aos estados e aos municípios para vacinar a população compulsoriamente, inclusive como medida de combate à Covid-19.
Além disso, especialistas ouvidos pelo Aos Fatos afirmam que o artigo do Código Civil citado pelas peças não incidiria sobre a questão da vacinação, uma vez que o texto faz menção a procedimentos que colocam em risco a vida do paciente, o que não seria o caso das imunizações.
A peça de desinformação, que circulou primeiro no Twitter, agora está viralizando no Facebook. Postagens recentes reuniam ao menos 1.500 compartilhamentos nesta última rede social e foram marcadas com o selo FALSO na ferramenta de verificação (entenda como funciona).
Publicações que circulam nas redes sociais desde o começo do mês afirmam, de forma enganosa, que a legislação brasileira não permitiria que uma vacina fosse tornada obrigatória. A lei 6.259, de 1975, expressa que o poder público pode, sim, tornar a vacinação obrigatória.
Além dessa legislação, há ainda a lei 13.979/2020, sancionada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, que prevê que essa medida pode ser adotada tanto pelo Ministério da Saúde quanto por governadores dos estados.
Daniel Dourado, médico, advogado sanitarista e integrante do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP (Universidade de São Paulo) cita ainda que a Constituição e a Lei Orgânica de Saúde preveem que governos estaduais podem definir uma lista obrigatória de vacinações, conforme explicou ao Aos Fatos. A primeira determina que a saúde pública é “competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios”, enquanto a segunda diz que ações do SUS (Sistema Único de Saúde) no âmbito dos estados e municípios será exercida por secretarias de saúde locais.
Antes de ser disponibilizada para a população brasileira, toda vacina deve ser avaliada e aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que leva em consideração a segurança e a eficácia do medicamento. Até o momento, não há nenhuma imunização contra a Covid-19 liberada pelo órgão regulador.
Código Civil. As postagens checadas utilizam como fonte de sua argumentação o artigo 15 do Código Civil (lei 10.406/2002), que determina que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. Segundo as publicações, o texto garantiria que a população não pode ser obrigada a se vacinar. Especialistas ouvidos pelo Aos Fatos, no entanto, discordam dessa interpretação.
Segundo Daniel Dourado, o entendimento consolidado sobre o artigo citado nas peças de desinformação é o de que o direito à vida sempre prevalece sobre a autonomia do paciente. Isso significa que a necessidade da vacinação em massa para conter uma doença se sobrepõe à escolha do indivíduo de se imunizar ou não.
“Esse dispositivo legal [Código Civil] não se aplica no caso de vacinação obrigatória. Primeiro porque vacina não implica risco de vida. É o contrário. Trata-se de procedimento que pode salvar vida”, afirmou.
Paulo Almeida, advogado do IQC (Instituto Questão de Ciência), ressaltou ainda que as leis específicas sobre vacinação prevalecem sobre legislações mais amplas, como o Código Civil. “É o princípio da especialidade no Direito. A regra específica sobre um assunto sobrepuja o que está sendo dito sobre aquele assunto de maneira mais geral". Dessa maneira, vale o entendimento da lei 6.259, que legisla especificamente sobre a questão.
Referências:
1. Planalto (Fontes 1, 2, 3, 4 e 5)
2. Anvisa
3. CJF
4. STF
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