Não é verdade que um estudo publicado por pesquisadores portugueses descobriu que o recente surto de varíola dos macacos é resultado da propagação intencional de um vírus manipulado por um laboratório chamado Biolab, como alegam publicações nas redes sociais (veja aqui). Os autores afirmaram ao Aos Fatos que a análise não sugere a criação laboratorial do virus, e sim a evolução dele. O nome “Biolab” é resultado de um erro de tradução, e não há evidências de manipulação artificial na análise.
O conteúdo enganoso reunia 2.500 visualizações no Telegram e dezenas de compartilhamentos no Facebook nesta quarta-feira (8).
Estudo descobre que o mais recente surto de varíola é resultado de vírus manipulado em laboratório e possivelmente disseminado de forma intencional
É falso que um estudo feito em Portugal comprova que o vírus da varíola dos macacos foi disseminado intencionalmente e manipulado em laboratório, como afirmam postagens que circulam em grupos de Telegram. João Paulo Gomes, um dos autores do estudo e chefe do Núcleo de Bioinformática do Departamento de Doenças Infecciosas do Insa (Instituto Nacional de Saúde de Portugal), afirmou que nunca foi sugerido que o vírus tenha sido manipulado em laboratório, e que a análise fala apenas sobre a evolução do organismo. Gomes disse ao Aos Fatos que a informação na análise de sua autoria “é cientificamente muito clara e nunca sugere sequer que se trate de manipulação laboratorial”. De acordo com ele, o texto “fala unicamente da evolução do vírus”.
O nome “Biolab” deriva de um erro de tradução do título da reportagem que deu origem à desinformação, no qual está escrito “Biolab manipulated virus” — “vírus manipulado em laboratório”, não em um laboratório chamado Biolab. Essa alegação, entretanto, não está na publicação dos autores portugueses. Eles analisaram sequências genéticas e observaram que o vírus que dissemina a varíola dos macacos é semelhante ao encontrado em surtos na Nigéria em 2018 e 2019, e que houve um volume de mutações maior que o esperado.
Segundo os biomédicos Mateus Falco, da UEL (Universidade Estadual de Londrina), e Mellanie Fontes-Dutra, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), consultados por Aos Fatos, a análise sugere um comportamento natural do vírus e não indica a possibilidade de manipulação artificial.
O virologista Flávio Guimarães, presidente da SBV (Sociedade Brasileira de Virologia), afirma que a análise aponta que as sequências são de um mesmo agrupamento (da África Ocidental), o que sugere que o surto teria uma origem única. Também é apontado que o código genético do vírus que circula na Europa tem cerca de 50 SNPs (abreviação para polimorfismos de nucleotídeo único), que são pequenas mutações, quando comparado com a última sequência conhecida da Nigéria.
Essa origem única, entretanto, não é prova de manipulação em laboratório ou disseminação intencional. “Isso simplesmente mostra a microevolução do vírus, que é supernormal. Todo vírus sofre esse tipo de mutação. Os SNPs são mutações pontuais e não necessariamente em sequência. Isso não é indicativo de manipulação genética”, diz Guimarães. Os pesquisadores, inclusive, dizem que detectaram sete SNPs desde o início do surto, o que demonstra que o vírus da varíola dos macacos possui uma taxa alta de mutação.
Os autores da análise também sugerem que a evolução do vírus pode ser decorrente da alta circulação atual em algumas populações, segundo Fontes-Dutra. “A taxa de mutação atual excede o que se espera para esse vírus e uma das hipóteses é essa circulação silenciosa ou subnotificada há algum tempo”, diz a pesquisadora. Entre as causas possíveis para essa “circulação silenciosa” está a falta de sequenciamento genômico nos países onde a doença se disseminou inicialmente.
O trabalho original foi publicado em um fórum para discussão e interpretação da epidemiologia e evolução molecular do vírus. O primeiro caso de varíola dos macacos no Brasil foi detectado nesta quarta-feira (8).
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