🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Outubro de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

É falso que CoronaVac pode matar mais que Covid-19; médico faz comparação enganosa

Por Luiz Fernando Menezes

26 de outubro de 2020, 11h15

Não é verdade que a porcentagem de voluntários com reações adversas à CoronaVac indica que a vacina da chinesa Sinovac Biotech testada pelo Instituto Butantan pode matar mais do que a própria Covid-19. A alegação enganosa circula nas redes sociais (veja aqui) com base em uma declaração do neurocirurgião Paulo Porto de Melo, que comparou incorretamente uma taxa estimada de letalidade da doença e a parcela dos que receberam a imunização na China e tiveram algum efeito colateral.

Além de os dados serem de origens distintas, o que torna enganosa a comparação, não houve registro de morte nem de sintomas graves no grupo que teve reação à CoronaVac.

A peça de desinformação circula principalmente no Twitter e no Facebook, tendo sido disseminada inclusive pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e pelo jornalista Alexandre Garcia. Nesta segunda rede social, publicações reuniam ao menos 8.000 compartilhamentos nesta segunda-feira (26). Todas as publicações foram marcadas com o selo FALSO na ferramenta de verificação da rede social (entenda como funciona).


FALSO

‘EFEITO COLATERAL DA VACINA CHINESA PODE SER PIOR QUE A COVID-19’, DIZ NEUROCIRURGIÃO. Em entrevista ao programa Pânico, o médico Paulo Porto de Melo afirmou que ‘pessoas podem morrer’ com os efeitos provocados pelo imunizante.

Uma declaração feita pelo neurocirurgião Paulo Porto de Melo ao programa Pânico, da rádio Jovem Pan, na quarta-feira (21), vem sendo utilizada nas redes contra a CoronaVac, imunização produzida no Brasil pela chinesa Sinovac Biotech com o Instituto Butantan. Segundo ele, como a vacina causou efeitos adversos em 5,37% das pessoas, ela não deveria ser usada, já que a doença em si mataria menos de 1% dos infectados. A argumentação, no entanto, distorce informações e compara dados de naturezas diferentes: a taxa de mortalidade da infecção e a taxa de efeitos colaterais da vacina chinesa (que, até o momento, não registrou mortes).

A fala do médico, na íntegra, foi: “Segundo dados de um estudo desenvolvido na Universidade Stanford, na Califórnia, estima-se que a taxa de letalidade global da Covid-19, incluindo o Brasil, é de 0,3% e que cerca de 10% da população mundial foi infectada pela doença. Sendo assim, ainda temos 90% das pessoas suscetíveis ao vírus. O índice de efeito colateral da vacina chinesa, por sua vez, é de 5,37%, ou seja, quando colocamos esses 5% de chances de efeito colateral sobre a porcentagem da população brasileira que ainda não foi infectada, com certeza, vai morrer gente”.

Ao falar de efeitos colaterais, o neurocirurgião cita um dado divulgado em setembro pelo governo paulista sobre a segurança da vacina. Segundo disse o diretor do Butantan, Dimas Tadeu Covas, em coletiva no dia 23 de setembro, dos 50.027 voluntários chineses que receberam doses da imunização, apenas 5,36% (e não 5,37%, como mencionado pelo médico no vídeo) tiveram efeitos adversos, sendo 0,03% deles considerados “mais graves” pelo diretor, como perda de apetite, dor de cabeça e fadiga.

Procurado por Aos Fatos, o Instituto Butantan explicou ainda que esses 5,36% não são resultado de um estudo clínico, mas da observação do uso emergencial da CoronaVac na China, e que o estudo de fase 3 que vem sendo desenvolvido no Brasil pretende comprovar esses números. A instituição ressaltou ainda que não houve morte nem efeito colateral grave registrados nos testes até o momento.

O Butantan também divulgou resultados parciais dos efeitos da vacina em voluntários brasileiros no dia 19 de outubro. Segundo Covas, 35% dos 9 mil voluntários tiveram reações adversas, sendo todos elas de baixo grau. Após a primeira dose, os efeitos mais identificados foram dor no local da aplicação (19%) e dor de cabeça (15%). Na segunda dose da vacina, as reações adversas mais comuns foram dor no local da aplicação (19%), dor de cabeça (10%) e fadiga (4%).

Já o estudo citado pelo neurocirurgião sobre a letalidade da Covid-19, publicado há poucas semanas, estima que a média da mortalidade da doença em todo o mundo seja de 0,27%. O levantamento feito por um pesquisador da Universidade de Stanford, que revisou diversos artigos sobre o assunto, no entanto, tem limitações: não levou em conta a diferença etária nem separou dados de pacientes com comorbidades, que formam o grupo de risco da infecção.

O CDC (Center for Disease Control, órgão de do governo americano), em levantamento publicado em setembro, estimou que a letalidade pode variar de 0,002% (em pessoas de 0 a 19 anos) a 9,3% (em maiores de 70 anos), dependendo do cenário.

Como se tratam de dados muito diferentes (letalidade de uma doença e porcentagem de efeitos adversos de uma imunização), a comparação feita por Melo é incorreta e, por isso, suas conclusões são enganosas.

Segundo Carlos Zárate-Bladés, pesquisador do Laboratório de Imunorregulação da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), a porcentagem de efeitos adversos da vacina inclui sintomas que podem indicar resposta imunológica: “Qualquer vacina deve provocar uma inflamação porque a inflamação é basicamente uma resposta imune. E o que nós queremos com a vacinação é provocar essa resposta imunológica”.

Outro lado. Aos Fatos trocou e-mails com o médico para elucidar pontos da argumentação dele na entrevista (veja aqui e aqui). Ao ser perguntado sobre a fonte para sua afirmação de que a vacina poderá matar mais do que a doença, Melo respondeu que o tempo de observação dos efeitos da imunização ainda é baixíssimo. Após ser questionado sobre a validade do uso de uma comparação de dados distintos, o médico não respondeu mais.

Trechos de sua entrevista têm sido disseminados nas redes sociais por páginas e influenciadores bolsonaristas, como a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e o jornalista Alexandre Garcia. O tweet da deputada, por exemplo, acumulava mais de 6 mil retweets até a manhã desta segunda-feira (26).

Referências:

1. Jovem Pan
2. Governo de São Paulo
3. EBC
4. OMS
5. CDC


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Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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