Em discurso na COP27 (27ª Conferência do Clima das Nações Unidas), nesta quarta (16), o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a citar um recorte de dados sobre desmatamento na Amazônia que exclui números desfavoráveis dos governos dele e da sucessora, Dilma Rousseff (PT).
No balneário egípcio de Sharm el-Sheikh, onde acontece o evento, Lula afirmou que a área desmatada no Brasil caiu 83% entre 2004 e 2012 — excluindo os crescimentos ocorridos nos dois primeiros anos de seu governo e nos últimos anos completos da gestão seguinte. “O Brasil já mostrou ao mundo o caminho para derrotar o desmatamento e o aquecimento global”, afirmou o presidente eleito, ao citar apenas os números favoráveis.
A estratégia de usar dados verdadeiros sobre desmatamento, mas ignorar os desfavoráveis, foi usada ao menos oito vezes durante a campanha eleitoral.
- Em junho, por exemplo, Lula publicou no Telegram que seu governo teria reduzido o desmatamento em 87%;
- Em agosto, o petista citou uma redução de 80% durante um encontro em Manaus;
- Em entrevista em 26 de outubro, Lula disse que o desmatamento diminuiu de 27 mil km² para 4.000 km², dados que correspondem respectivamente aos anos de 2004 e 2012.
Houve aumento do desmatamento entre o final do governo Fernando Henrique Cardoso (1995–2002) e os dois primeiros anos do petista no poder, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais): em 2002, foram devastados 21,6 km² na Amazônia Legal, e o índice chegou a 27.772 km² em 2004. Depois, houve queda em todos os anos exceto 2008, contemplado na fala de Lula na COP27.
Em nota, a assessoria do presidente eleito afirmou que “nos primeiros dois anos, o governo Lula criou os mecanismos de monitoramento de satélite e vigilância contra crimes ambientais que permitiram a redução contínua do desmatamento nos oito anos seguintes”.
O texto enviado ao Aos Fatos não menciona o aumento em 2008, durante o governo dele, e nem por que Lula citou em seu discurso dados apenas até o ano de 2012, omitindo o final do governo de sua sucessora, quando o índice apresentou piora.
Como mostra o gráfico acima, durante o governo Lula os índices de desmatamento foram maiores, em números absolutos, do que atualmente. No entanto, a tendência de queda é evidente. No ano em que Lula deixou a Presidência, o índice foi de 7.000 km², uma redução de 67,6% levando em consideração os oito anos de governo.
Na gestão de Dilma Rousseff houve aumento nos anos de 2013 (5.891 km²) e 2015 (6.207 km²). Levando em consideração todo o período de governos petistas, entre 2003 e 2015 (Dilma foi afastada em maio de 2016), a redução no desmatamento da Amazônia Legal foi de 71,3%.
No governo de Jair Bolsonaro (PL), o índice de desmatamento da Amazônia apresentou aumento em todos os anos, tendência que os dados já apontavam durante o governo Michel Temer (MDB). A área destruída na Amazônia saltou de 7.540 km² em 2018, fim da gestão Temer, para 10,1 mil km² em 2019, primeiro ano de Bolsonaro. Em 2021, foram devastados 13 mil km², maior área desde 2006.
Considerando os três primeiros anos do governo Bolsonaro, a taxa de desmatamento da Amazônia Legal aumentou 73,3%.
Os números referentes a 2022 ainda não foram disponibilizados pelo governo. Na segunda (14), o vice-presidente eleito e coordenador da equipe de transição de governo, Geraldo Alckmin (PSB), cobrou publicamente a gestão Bolsonaro, na figura do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP): “A informação é de que esses números já existem”, disse em entrevista coletiva.
Durante o discurso no Egito, Lula citou dados verdadeiros e contextualizados.
- A projeção de 250 mil mortes por ano em decorrência de problemas causados pela emergência climática, como desnutrição, malária, diarreia e estresse por calor, foi publicada pela OMS (Organização Mundial de Saúde);
- A projeção de pegada de carbono das pessoas que pertencem ao 1% de mais ricos do mundo se encontra em relatório da Oxfam, e os US$ 100 bilhões anuais para países desenvolvidos de fato estavam no Acordo de Copenhague da COP15;
- Também é verdade que, mesmo com a redução de desmatamento registrada durante os governos petistas, o PIB (Produto Interno Bruto) do agronegócio cresceu. De acordo com o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), o PIB dos ramos agrícola e pecuário, somados, era de R$ 447 bilhões. Em 2015, passou para R$ 1,2 trilhão.