O administrador da comunidade Cortes do Marçal no Discord admitiu que o candidato a prefeito de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) realizou campeonatos de cortes durante a pré-campanha — período em que, segundo a legislação eleitoral, é proibido pagar por alcance nas redes.
Gabriel Galhardo fez um comentário no perfil do Aos Fatos no Instagram após reportagem mostrar que um funcionário de Marçal havia indicado, em áudio, que o pagamento dos vencedores do torneio de cortes era feito por meio de intermediários, fora das contas da campanha eleitoral.
“Que matéria porca, tão [sic] esquecendo que é uma empresa, que vários outros players fazem essas competições de cortes. E o principal, essa competição em específico já estava rolando para anunciar um produto de ambos [Marçal e o influenciador investigado por tráfico de drogas Renato Cariani], mas isso vocês não querem saber né?”, postou Galhardo em resposta à publicação do Aos Fatos no Instagram.
Ao ser alertado por outro usuário de que a estratégia é proibida, o administrador respondeu: “juraaa? só pesquisar a data que foi feita a última competição dele 😂” — o último torneio com vídeos de Marçal ocorreu entre 24 de junho e 7 de julho, já durante a pré-campanha, o que configura infração à lei.
Foi Galhardo quem compartilhou no Discord o áudio em que outro gestor da competição, Jefferson Zantut, atribuiu uma suposta demora no depósito do dinheiro dos vencedores à necessidade de repasse por uma prestadora de serviços que ia “emitir as notas”.
O áudio contraria a alegação feita por Marçal de que não haveria remuneração pelos campeonatos de cortes. O ex-coach havia se posicionado após o MPE (Ministério Público Eleitoral) pedir a suspensão do registro de sua candidatura e a investigação de abuso de poder econômico por causa das competições.
Na quinta-feira (22), o PSB, partido da candidata Tabata Amaral, também entrou com representação pedindo “para se reconhecer a prática de captação ilícita de sufrágio, de abuso de poder econômico e de uso indevido de meios de comunicação social” pela campanha de Marçal. Citando a reportagem do Aos Fatos, a ação requer a quebra de sigilo bancário e fiscal de todas as empresas do ex-coach e de Zantut.
Segundo a advogada especialista em direito eleitoral Luiza Portella, o fato de os campeonatos de cortes em prol de Marçal terem sido promovidos antes do início oficial da campanha (16 de agosto), como alegou Galhardo, não atenua a infração, já que existe entendimento consolidado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de que “o que é proibido durante a campanha também é proibido na pré-campanha”.
A pré-campanha começa a partir do momento em que um candidato declara o interesse em concorrer em uma disputa eleitoral. A candidatura de Marçal foi oficializada pelo PRTB em 27 de maio, mas seu nome já era cotado para o cargo antes disso.
A legislação eleitoral proíbe a oferta de remuneração, monetização ou concessão de vantagem econômica a eleitores por engajamento nas redes, sendo permitido apenas o impulsionamento oferecido pelas próprias plataformas, como no caso dos anúncios.
A advogada eleitoral Carla Nicolini acrescenta que a legislação também tipifica como crime eleitoral “a organização comercial de vendas, distribuição de mercadorias, prêmios e sorteios para propaganda ou aliciamento de eleitores”, prevendo pena de até um ano de detenção e a cassação do registro do candidato.
Entre quarta (21) e quinta-feira (22), o canal que divulgava a tabela com os valores dos prêmios pagos aos canais que conseguissem os melhores engajamentos com cortes desapareceu da comunidade Cortes do Marçal. Em uma segunda limpeza da comunidade, também sumiu o canal de avisos — no qual Galhardo compartilhou o áudio de Zantut.
Como o Aos Fatos mostrou, no caso da última competição envolvendo vídeos de Marçal, realizada de 24 de junho a 7 de julho, os valores atribuídos aos ganhadores iam de R$ 50 a R$ 5.000. O regulamento da competição exigia que fosse incluída na legenda dos vídeos a hashtag #prefeitomarçal.
Creperia erótica
Em seu perfil no LinkedIn, Galhardo se apresentava até quinta-feira (22) como desenvolvedor de software na PLX Digital, empresa da qual Marçal é sócio e onde Zantut também diz trabalhar. A referência à empresa foi apagada após a reportagem enviar pedido de posicionamento.
Galhardo e Zantut também são gestores do servidor HypeX no Discord, que é interligado à comunidade Cortes do Marçal.
No Instagram, a autodenominada HypeX Corporation — que se descreve como “a primeira agência de competição do país” — promove os campeonatos de cortes da comunidade Cortes do Marçal. No entanto, não foi possível identificar nenhuma empresa com esse nome registrada no Brasil.
As publicações começaram a ser feitas em agosto, depois que o PSB pediu ao MPE para investigar Marçal em virtude dos campeonatos de cortes.
Foi também em agosto que surgiu a página da HypeX no Facebook, que possui 21 mil seguidores, mas foi criada em cima do perfil de outro negócio: a Eros Creperia, confeitaria especializada em crepes em formatos eróticos, registrada em nome de Galhardo. No feed da HypeX, ainda é possível ver posts promovendo os produtos.
Segundo Nicolini, se ficar constatado que os campeonatos de cortes são promovidos por uma empresa — como informou Galhardo no comentário no Instagram —, isso poderia agravar a infração eleitoral.
“O fato de ser uma empresa, na verdade, só reforça o abuso do poder econômico, uma vez que uma pessoa jurídica não poderia favorecer nenhuma candidatura”, explica. A legislação eleitoral veda doações de empresas a candidatos.
No caso em questão, tanto Galhardo como Zantut se identificam nas redes como colaboradores de uma empresa de Marçal, mas mesmo que não tivessem qualquer ligação com o ex-coach a promoção dos campeonatos poderia comprometer a candidatura.
“A questão é que ele [Marçal] tomou conhecimento e não tomou nenhuma providência para impedir que essas pessoas praticassem a conduta em benefício dele”, avalia.
Entretanto, apesar de Marçal agora negar o pagamento de premiações, ele já havia declarado diversas vezes que fazia isso, como consta em vídeos disponíveis nas redes.
Outro lado
Aos Fatos enviou um pedido de posicionamento pelo Instagram a Gabriel Galhardo, que respondeu: “você é estranho, tá maluco kkkkk”. A reportagem também procurou a assessoria de imprensa da campanha de Pablo Marçal, mas ninguém se pronunciou. Este texto será atualizado caso haja resposta.
O caminho da apuração
Aos Fatos identificou os comentários de Galhardo na publicação no Instagram sobre reportagem anterior a respeito dos campeonatos de cortes de Marçal.
Após submeter os argumentos do administrador da comunidade a especialistas em direito eleitoral, a reportagem procurou Marçal e Galhardo para dar a eles a oportunidade de se posicionarem sobre o tema.