Contrariando as evidências apresentadas pelas investigações realizadas até agora pela Polícia Federal, influenciadores e parlamentares de direita têm usado as redes para tentar desassociar do bolsonarismo o autor do atentado ocorrido em Brasília na última quarta-feira (13). Francisco Wanderley Luiz, 59, morreu após explodir uma série de bombas na direção do STF (Supremo Tribunal Federal).
A operação no X (ex-Twitter) começou imediatamente após o ataque e ganhou força nesta quinta (14), refletindo temores sobre o impacto do incidente na tramitação do projeto de anistia para os envolvidos na tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023.
O autor das explosões era chaveiro e disputou o cargo de vereador no município de Rio do Sul (SC) em 2020, pelo PL, mas não se elegeu. Nas urnas, ele adotou o apelido Tiü França.
Nas redes, influenciadores de direita estão argumentando que Jair Bolsonaro ainda não era filiado ao PL quando o autor do ataque tentou se eleger vereador. Em 2020, o ex-presidente estava sem partido, e seu ingresso na sigla só foi formalizado em novembro de 2021.
Os posts que tentam afastar Francisco Wanderley Luiz do bolsonarismo também mencionam uma suposta coligação do PL com o PDT nas eleições de 2020 para alegar que o terrorista era de esquerda ou ligado ao “centrão”.
Outros argumentos tentam minimizar o incidente dizendo que o autor do atentado tinha “desequilíbrio mental”. Alguns posts também estão usando o caso para ressuscitar teorias da conspiração sobre Adélio Bispo, autor de uma facada em Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018.
A retórica, porém, contradiz inúmeras evidências de que o autor das explosões na praça dos Três Poderes tinha perfil conservador:
- O catarinense era seguidor de vários grupos e personalidades de direita, incluindo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do guru do bolsonarismo Olavo de Carvalho;
- Francisco Wanderley ostentava fotos com a bandeira do país e mensagens conservadoras em suas redes, que foram apagadas pelas plataformas após o atentado;
- Além disso, antes de morrer, o autor dos ataques deixou mensagens instigando uma ação militar, com críticas ao STF e xingando personalidades públicas, como o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), de “comunistas de merda”;
- Em depoimento à Polícia Federal, a ex-companheira do autor do ataque contou que ele participou de acampamentos golpistas em Santa Catarina contra a eleição de Lula (PT) em 2022;
- No mesmo testemunho, a ex-mulher afirmou que o chaveiro tinha planos de assassinar Alexandre de Moraes e que participava de grupos radicais;
- Policiais encontraram, na casa de Francisco Wanderley, uma mensagem que referenciava o 8 de Janeiro. No espelho do banheiro, estava escrito “Débora Rodrigues [nome da mulher que pichou a estátua da Justiça durante a invasão], Por favor, não desperdice batom! Isso é para deixar as mulheres bonitas. Estátua de merda se usa TNT”;
- Jean de Liz (PDT), candidato à prefeitura de Rio do Sul (SC) derrotado em 2020, disse que Francisco tinha ódio à esquerda e “paixão por Bolsonaro”.
Redução de danos
A influenciadora Bárbara Destefani, do canal Te Atualizei, foi uma das primeiras a colocar em dúvida a relação do autor do ataque com o bolsonarismo.
“Uma pessoa, em claro desequilíbrio mental, QUE NÃO É BOLSONARISTA, comete uma estupidez e de imediato a imprensa LIXO tenta usar o fato para alimentar a narrativa e manterem os presos políticos na cadeia. Não foi um atentado, foi um ato de uma pessoa em surto mental!”, postou em seu perfil no X ainda na noite de quarta (13).
Duas horas depois, a influenciadora divulgou vídeo mencionando a suposta coligação entre o PL e o PDT, que classificou como “um partido de esquerda”, no município de Rio do Sul nas eleições municipais de 2020. O argumento passou, então, a ser replicado por dezenas de perfis no X, sobretudo em resposta a notícias sobre o caso.
Destefani também tem defendido que o caso não foi um atentado: “Foi suicídio. Não tinha bomba, foram fogos de artifício. O alvo era a estátua”, afirmou ela em publicação no X. As afirmações, mais uma vez, negam as provas encontradas pela investigação até o momento.
De madrugada, o deputado federal Filipe Barros (PL-PR) publicou nota pública da liderança da oposição repudiando “as mentirosas narrativas que, de forma covarde, tentam vincular o presidente Bolsonaro e a direita brasileira ao autor do trágico episódio registrado em Brasília”.
O comunicado acusa a manobra de ter “o claro objetivo de atrapalhar o andamento do PL da Anistia”, argumentando que o caso se tratou de um suicídio, “e não uma tentativa de ataque aos poderes constituídos”.
Segundo a Folha de S.Paulo, parlamentares da oposição trocaram mensagens após o atentado lamentando que o episódio reduz as possibilidades de aprovação do projeto de lei, que é pauta prioritária da oposição.
Pela manhã, o ministro do STF Alexandre de Moraes declarou oposição à anistia, alegando que “a impunidade vai gerar mais agressividade, como gerou ontem”.
O texto de Barros também cita o fato de que Bolsonaro não era filiado ao PL em 2020 e diz que mensagens publicadas nas redes sociais do autor do ataque deixam clara “sua rejeição aos presidentes Bolsonaro e Lula”.
O parlamentar se refere a um dos conteúdos publicados pelo chaveiro, divulgados após o atentado, no qual Francisco Wanderley pediu que os dois políticos se afastassem da vida pública para acabar com a polarização no país.
O post do responsável pelo ataque também é mencionado em vídeo publicado pelo deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), que afirma que o caso está sendo usado para “censurar e perseguir parte da política brasileira”.
Nesta quinta (14), perfis de direita também começaram a ressuscitar teorias da conspiração sobre a facada de Bolsonaro em resposta ao atentado, repercutindo um post desta quinta (14) em que a ministra do Planejamento, Simone Tebet, diz que, “no ataque à democracia, os ‘lobos’ nunca são solitários”.
“Ela está afirmando que Adélio não agiu sozinho?”, escreveu o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) ao compartilhar a notícia – insinuação que está sendo replicada por outros perfis no X.
Por email, Aos Fatos procurou Destefani e os parlamentares citados, e este texto será atualizado em caso de resposta.
Como foi o atentado
Segundo informações dos agentes de segurança, Francisco Wanderley Luiz circulou pelo anexo 4 da Câmara dos Deputados durante o dia na última quarta-feira (14).
Por volta das 19h30, seu carro foi incendiado no estacionamento próximo ao STF (veja abaixo). As autoridades acreditam que ele tentou desviar a atenção dos seguranças enquanto seguia para a praça dos Três Poderes para lançar bombas.
O autor do atentado, então, se dirigiu até a estátua da Justiça, localizada na frente do prédio do STF, e colocou uma mochila perto do monumento. Seguranças foram em direção ao homem por considerarem suas ações suspeitas. Ele, então, jogou artefatos em direção ao STF e, depois, morreu com a explosão de um dispositivo acionado próximo ao seu corpo.
Durante as investigações, policiais também encontraram explosivos na casa em que Francisco morava, em Ceilândia (DF). A PF identificou ainda um trailer estacionado na Esplanada dos Ministérios que seria relacionado ao caso e estaria com artefatos semelhantes aos usados pelo autor.
O caminho da apuração
Aos Fatos acompanho a repercussão do atentado nas redes e na imprensa. Também foram pesquisadas as informações mais recentes sobre o caso, desde a investigação policial até as respostas da Justiça.
Por fim, a reportagem entrou em contato com a influenciadora Barbara Destefani e os deputados Gustavo Gayer, Filipe Barros e Nikolas Ferreira para abrir espaço para posicionamento, mas não houve resposta até a publicação.