Roberto Stuckert Filho/PR

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Março de 2016. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Dilma acusa ilegalidade de grampo, mas consenso é distante

Por Tai Nalon e Julianna Granjeia

17 de março de 2016, 14h17

A divulgação de diálogos privados entre Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva provocou reação da presidente nesta quinta-feira (17). Na cerimônia de posse do ex-presidente na Casa Civil e dos agora ministros Eugênio Aragão (Justiça) e Mauro Lopes (Aviação Civil), Dilma atacou a publicidade que se deu à conversa, que sugere que ela agiu para proteger Lula de investigações da Lava Jato.

A presidente afirmou diversas vezes em seu discurso que o grampo, autorizado para as conversas do ex-presidente investigado, era inconstitucional e feria "prerrogativas dos cidadãos". "Em que pese o teor absolutamente republicano do diálogo que eu tive ontem com o ex-presidente Lula, ele foi publicizado com uma interpretação desvirtuada", afirmou. "Interpretação desvirtuada, processos equívocos, investigações baseadas em grampos ilegais não favorecem a democracia nesse país."

Aos Fatos checou uma dessas declarações.


IMPRECISO
Não há justiça para cidadãos quando as garantias institucionais da própria Presidência da República são violadas.

A lei nº 9.296/1996, que estabelece diretrizes para interceptações telefônicas, é amparada no artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal. O trecho constitucional diz que "é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".

Já a lei diz o seguinte:

Também diz:

E diz ainda:

Os procedimentos para a realização do grampo cumpriram requisitos legais. O juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, expediu em 19 de fevereiro deste ano despacho em que autorizava a interceptação telefônica do ex-presidente Lula. Nesta quarta-feira (16), sustou a decisão.

Em nenhum momento ele cita a presidente Dilma Rousseff em sua decisão — e não poderia, uma vez que ela, detentora de cargo eletivo no Executivo federal, tem prerrogativa de foro. Ou seja, qualquer iniciativa legal contra Dilma só poderia ter curso no STF. Não há também, nos termos da lei, qualquer menção a quem pode ou não pode ser grampeado — desde que seja feito, obviamente, dentro dos parâmetros impostos.

Os problemas de natureza jurídica com a divulgação do grampo se iniciam aí. Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo,afirmou ao Conjur que não há interpretação da Constituição que permita a um juiz de primeiro grau tornar público material sem qualquer decisão do STF.

A partir daí, conforme trecho da lei (ver acima), "a gravação que não interessar à prova será inutilizada". Entra-se, nesse momento, em outra seara, de que não há denúncia contra Lula e que, por isso, não há provas constituídas.

O criminalista Alberto Zacharias Toron concorda. Ele lembra que o artigo 8º da lei 9.296 é clara em dizer que os grampos telefônicos e suas respectivas transcrições são sigilosas.

"Ainda que o juiz queira abrir o sigilo do inquérito, jamais poderia tê-lo feito em relação às interceptações. Essa divulgação me parece marcada por flagrante ilegalidade", afirma Toron. "É muito espúrio que um juiz divulgue isso para causar comoção popular. É mais uma prova de que o juiz busca aceitação popular, de que ele busca sua legitimação no movimento popular. Sua aceitação não vem da aplicação da lei, vem da mobilização do povo, o que é muito característico do fascismo, não do Estado Democrático de Direito."

Nesse sentido, segundo um ministro de tribunal superior ouvido pelo Jota, a divulgação da gravação "foi um ponto fora da curva". "Se o tema da conversa não tinha caráter criminoso, não havia razões para expor . Se havia um delito em perspectiva, já envolvendo a presidente, e sabendo que o interlocutor seria ministro, deveria encaminhar ao STF."

A Polícia Federal disse que a interrupção de interceptações telefônicas é realizada pelas empresas de telefonia móvel e que a divulgação dos áudios, uma vez já sabida a condição de ministro de Lula, ocorreu no intervalo entre a decisão e o efetivo desligamento do grampo. "Após o recebimento de notificação da decisão judicial, a PF imediatamente comunicou a companhia telefônica", relatou. "Até o cumprimento da decisão judicial pela companhia telefônica, foram interceptadas algumas ligações."

Moro disse nesta quinta-feira (17), em outro despacho, que, entre a decisão e a implementação da ordem junto às operadoras, foi, de fato "colhido novo diálogo telefônico, às 13h32, juntado pela autoridade policial". O diálogo em questão é entre Dilma e Lula, em que ambos tratam da assinatura do termo de posse do ex-presidente para ministro da Casa Civil.

"Não havia reparado antes no ponto, mas não vejo maior relevância", disse Moro. "Não é ainda o caso de exclusão do diálogo considerando o seu conteúdo relevante no contexto das investigações", continua.

O presidente do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Claudio Lamachia, disse que a sociedade tem o direito de ter acesso a todas as informações. "A OAB tem cobrado o fim do sigilo desses processos. O Direito Constitucional à informação precisa ser garantido nesse momento turbulento da história do país. As pessoas precisam ter condições de saber como decidir o que fazer, como opinar", afirmou, em nota.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) também manifestou apoio a Moro. Em nota ao Conjur, disse que "as decisões tomadas pelo magistrado federal no curso deste processo foram fundamentadas e embasadas por indícios e provas técnicas de autoria e materialidade, em consonância com a legislação penal e a Constituição Federal, sempre respeitando o Estado de Direito".

Aos Fatos considera a afirmação IMPRECISA porque ainda não é possível dizer se houve violação. O que há, por enquanto, é conflito de versões.


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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