As diferenças e semelhanças entre as reformas da Previdência argentina e brasileira

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Em seu pronunciamento na véspera do Natal, o presidente Michel Temer enumerou resultados de seu governo em 2017. Como Aos Fatos já mostrou, ele citou dados sobre desemprego, custo de vida e comércio.

Porém, Temer também aproveitou a ocasião para reforçar argumentos a favor da reforma da Previdência — que o Palácio do Planalto pretende ver aprovada na retomada dos trabalhos do Legislativo, a partir de fevereiro. Em seu pronunciamento, citou o exemplo da Argentina, que aprovou no fim de 2017 mudanças em seu regime de seguridade social.

Em parceria com o Brazilian Report, Aos Fatos, além de checar a declaração do presidente, também listou semelhanças e diferenças entre os textos argentino e brasileiro. Veja o resultado abaixo.


IMPRECISO

O nosso país vizinho, a Argentina, num gesto consciente e de união pelo país, deu exemplo e acaba de aprovar a sua reforma [da Previdência].

Não fica claro a que tipo de “gesto consciente e de união pelo país” Temer se refere quando cita a aprovação da reforma da Previdência argentina — cujo texto tem diferenças substanciais em relação ao brasileiro e gerou episódios de protesto e violência.

No país vizinho, os protestos contra o texto da reforma argentina — que chegou a ser chamado de “projeto mais controverso do governo de Mauricio Macri” pelo jornal Clarín —, além de reunirem milhares de pessoas, também foram marcados pela violência de ambos os lados. A votação, que iria ocorrer no dia 14 de dezembro, chegou a ser adiada por causa das manifestações.

No dia 18 de dezembro, para quando a votação foi remarcada, os protestos continuaram e pelo menos 162 pessoas ficaram feridas nos embates entre os manifestantes e os policiais que tentavam impedir os grupos de se aproximarem do Congresso argentino.

Além disso, a Confederação Geral dos Trabalhadores da Argentina convocou uma paralisação, o que afetou os voos do país (em Guarulhos, por exemplo, 13 voos que passavam ou iam para o país foram cancelados naquele dia).

Havia discordância entre os próprios parlamentares: durante a segunda votação, a oposição tentou esvaziar o plenário para impedir o quórum mínimo, mas não conseguiu. A reforma da Previdência argentina foi aprovada no Congresso no dia 19 de dezembro de 2017 com 127 votos a favor, 117 contrários e duas abstenções. 19 dos votos favoráveis vieram de políticos da oposição.

Os textos brasileiro e argentino e suas diferenças. A reforma da Previdência da Argentina é bem diferente daquela proposta pelo governo brasileiro. Enquanto a reforma no Brasil modifica a idade mínima obrigatória, o tempo de contribuição e alguns aspectos das pensões, o texto argentino é bem menos abrangente e propõe sobretudo mudanças no cálculo de reajuste dos benefícios e na idade que o trabalhador pode ser forçado a se aposentar.

Em vez de reajustar o valor das pensões, aposentadorias e até do “bolsa família argentino” (a chamada Asignación Universal por Hijo) de acordo com índices semestrais que dependiam do fundo previdenciário, será feita a adequação de acordo com a inflação (70% pela variação oficial e 30% pela variação do índice RIPTE, do Ministério do Trabalho, que mede a evolução dos salários dos funcionários públicos). O ajuste passará a ser trimestral.

De acordo com a oposição, no próximo reajuste, o novo cálculo resultará em um aumento de 5,7% contra os 14% da fórmula antiga. Conforme o jornal Clarín, com a nova fórmula, um aposentado ganharia em média aproximadamente 3% a menos em 2018.

No Brasil, o reajuste das aposentadorias se dá da seguinte forma: as aposentadorias do setor privado, reguladas pelo Regime Geral da Previdência Social, são ajustados anualmente pelo INPC (Índice de Preços ao Consumidor). Isso não deve mudar. Já as pensões deverão ter seus reajustes desvinculados da política de reajuste do salário mínimo.

O projeto argentino também prevê um “bônus” na aposentadoria do trabalhador que contribuir por mais de 30 anos. De acordo com o texto, essas pessoas terão como garantia nunca receber menos que 82% do salário mínimo.

Já a reforma brasileira permite que o funcionário público aposente a partir dos 25 anos de contribuição, desde que tenha a idade mínima (62 para as mulheres e 65 para os homens), e o de empresa privada, segurado pelo INSS, desde os 15 de contribuição. Porém, no Brasil, o trabalhador só receberá o benefício máximo (100% da média dos salários contribuídos) ao completar 40 anos de contribuição.

Em relação à idade mínima, é importante lembrar que, na Argentina, antes da reforma, as mulheres podiam se aposentar entre os 60 e 65 anos e os homens entre os 65 e 70 anos. Com o texto aprovado, as mulheres continuam com a idade mínima de 60 anos, mas passam a poder trabalhar até os 70 anos de idade para conseguirem os benefícios correspondentes aos 30 anos de contribuição necessários para a aposentadoria. Ou seja, as empresas só poderão forçar a aposentadoria de empregados, sejam homens ou mulheres, a partir dos 70 anos.

No Brasil, o novo texto prevê mudanças na idade mínima para homens e mulheres. A mudança, entretanto, será gradual, começando com 55 anos para os homens e 53 para as mulheres, aumentando a cada dois anos — e chegando na idade citada (65 para homens e 62 para mulheres) apenas em 2038, para os trabalhadores em geral; e 2042, para os professores.

As duas reformas, no entanto, são semelhantes em dois aspectos: sua impopularidade e sua argumentação. Como já dito, a votação do texto argentino foi marcada por polarização dentro do próprio Congresso, greves e manifestações populares de grande porte. Além de o governo brasileiro estar tendo dificuldades em conseguir os votos necessários para a aprovação, a maioria da população também é contrária à reforma: de acordo com o Datafolha, 71% dos brasileiros rejeitam o texto. Aqui no Brasil já havia sido marcada uma greve das centrais sindicais durante a votação, mas, como ela foi adiada, o movimento foi cancelado.

Os dois governos também defendem as reformas com a mesma argumentação: a de que os textos são necessários para tentar combater os rombos nas contas públicas. Enquanto o governo argentino, utilizando o informe do Instituto Argentino de Análise Fiscal, argumenta que a reforma vai gerar uma economia de $72 bilhões já em 2018, o governo brasileiro diz que, caso a reforma não seja aprovada, os gastos com a Previdência poderão chegar a 57,7% dos gastos primários.


A reportagem foi atualizada às 17h35 de 10 de janeiro de 2018 para corrigir informações sobre as novas regras de idade para a aposentadoria das mulheres argentinas e sobre o cálculo antigo do reajuste dos benefícios do país vizinho. A qualificação da frase checada permanece com a avaliação original, bem como o restante do texto.


Leia a íntegra da matéria, em inglês, no Brazilian Report.

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