Dez indícios que ligam aliados de Bolsonaro a tentativa de golpe

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Perfis de direita têm usado as redes para desqualificar a investigação da Polícia Federal que revelou detalhes sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado planejada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), aliados e ex-integrantes do governo.

As publicações enganosas, que somam milhares de visualizações no X (ex-Twitter), disseminam a mentira de que a PF não apresentou provas da conspiração e que tudo seria uma armação para criminalizar a oposição.

Bolsonaro e ex-integrantes de seu governo foram indiciados pela PF na última quinta (21) pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.

Post do perfil Te Atualizei no X posta trecho de relatório abaixo de tuíte que ironiza PF sugerindo que provas apresentadas pela investigação se resumem à frase “é plenamente plausível”.
Influenciadora Barbara Destefani tira de contexto trecho do relatório da PF para desqualificar investigação (Reprodução/X)

Aos Fatos analisou as 221 páginas do relatório da PF usado para embasar, na última terça (19), a prisão de um grupo de militares das Forças Especiais — conhecidos como “kids pretos” — e constatou que a alegação de ausência de provas não se sustenta.

Os cinco presos foram o general da reserva Mario Fernandes, o tenente-coronel Helio Ferreira Lima, os majores Rodrigo Bezerra Azevedo e Rafael Martins de Oliveira e o policial federal Wladimir Matos Soares. O inquérito completo, em que Bolsonaro é indiciado, ainda não foi divulgado.

A seguir, reunimos dez indícios que sugerem a existência de um plano para impedir a posse de Lula.

  1. Perícia de celulares
  2. Dados fornecidos por empresas de telefonia
  3. Mapeamento de itinerários
  4. Nota final repassada por loja
  5. Recuperação de dados deletados
  6. Análise de impressão digital
  7. Delação premiada de Mauro Cid
  8. Vídeo da ‘reunião do golpe’
  9. Perícia em computadores e HDs externos
  10. Análise de dados de impressora

1. Perícia de celulares

Os primeiros vestígios da conspiração foram identificados no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. O aparelho continha mensagens trocadas com outros envolvidos na trama, indicando que os golpistas monitoravam Alexandre de Moraes dias antes da posse de Lula:

  • O relatório da PF inclui prints do diálogo no WhatsApp entre Mauro Cid e o coronel Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro;
  • No dia 16 de dezembro de 2022, por exemplo, Câmara informou que Moraes viajaria para São Paulo naquele dia e voltaria a Brasília no dia 19, quando embarcaria novamente para a capital paulista.
  • A PF comparou as mensagens com a agenda de voos de Moraes e constatou que as informações trocadas coincidiam com o itinerário do então presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Conversa de WhatsApp mostra que, em 16 de dezembro de 2022, Marcelo Câmara escreveu a Mauro Cid: ‘viajou pra SP hoje. retorna na manhã de segunda-feira e viaja novamente pra SP mesmo dia. Por enquanto só retorna a Brasília pra posse do ladrão. Qualquer mudança que saiba lhe informo.
Prints de conversas de WhatsApp encontradas no celular de Mauro Cid indicam que Moraes estava sendo monitorado (Reprodução/PF).

A investigação da PF também apresenta prints de conversas no WhatsApp entre Mauro Cid e o major Rafael Martins de Oliveira, conhecido como “Joe”.

  • Uma dessas imagens indica que os dois oficiais participaram de uma reunião em 12 de novembro de 2022 na residência do general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro do governo Bolsonaro e candidato a vice na chapa do ex-presidente;
  • Outro print mostra que Cid pediu a Oliveira uma “estimativa” de custos com “hotel”, “alimentação” e “material”, que o major calculou em aproximadamente R$ 100 mil;
  • Oliveira chegou a encaminhar um documento chamado “Copa 2022” para Cid, informando que ali eram detalhadas as “necessidades iniciais”, mas a PF não conseguiu acesso ao conteúdo, protegido por senha.

A conversa não deixava claro o que estava sendo planejado. Porém, na Operação Tempus Veritatis, deflagrada em 8 de fevereiro deste ano, a PF efetuou novos mandados de busca e apreensão e recolheu o celular de Oliveira.

O aparelho trazia instalado o aplicativo de mensagens Signal, no qual havia um grupo chamado Copa 2022, em que foram trocadas mensagens planejando o golpe de Estado.

2. Dados fornecidos por empresas de telefonia

Os membros do grupo Copa 2022 usavam nomes de países para ocultar sua identidade e números de telefones registrados com dados de laranjas.

A PF pediu informações às operadoras de telefonia e descobriu, via cruzamento de dados, que o membro do grupo que usava o codinome “Brasil” era o major Rodrigo Bezerra de Azevedo.

Por meio dos registros das ERBs (Estações Rádio Base), equipamentos que conectam os celulares às empresas de telefonia, também foi possível verificar a localização dos aparelhos dos investigados em determinados dias e horários.

Mapa mostra parte de Brasília onde ficam diversos tribunais, entre eles o STF, que está circulado no canto superior direito da imagem. Mais abaixo, aparece o ícone de uma antena com a indicação do seu raio de cobertura, uma foto de Helio Ferreira Lima (que é um homem branco calvo) e as indicações de dia e hora do registro.
Área de cobertura de ERB próxima ao STF registrou passagem do tenente-coronel Helio Ferreira Lima pelo local (Reprodução/PF).
  • As ERBs registraram, por exemplo, que o major Rafael Oliveira esteve próximo à residência funcional do ministro Alexandre de Moraes no dia 23 de novembro de 2022;
  • Os dados também mostraram que o celular de Helio Ferreira Lima se conectou no mesmo dia a uma antena próxima ao prédio do STF;
  • A técnica permitiu concluir ainda que, em 6 de dezembro de 2022, Oliveira e Mauro Cid circularam na região do Palácio do Planalto por volta da mesma hora em que Jair Bolsonaro esteve no edifício.

Com os dados das ERBs, a PF comparou a localização dos celulares oficiais dos investigados com a dos aparelhos em que foram inseridos chips registrados em nomes de “laranjas”. Isso ajudou a identificar os membros do grupo Copa 2022.

3. Mapeamento de itinerários

Para comprovar os locais por onde os conspiradores andaram, as informações fornecidas pelas ERBs foram complementadas por outros dados, como:

  • Listas de passageiros de voos;
  • Contratos de aluguel de veículos;
  • Registros de passagem de veículos fornecidos por concessionárias que administram rodovias;
  • Imagens de câmeras de pedágios;
  • Geolocalização de iPhones;
  • Informações do Google Maps armazenadas na nuvem;
  • Dados de controle de acesso a edifícios.

O cruzamento dessas informações indicou, por exemplo, que o carro particular do major Rafael Oliveira percorreu a estrada entre Goiânia e Brasília no dia 15 de dezembro nos mesmos horários que as ERPs do caminho conectaram o celular do membro do grupo Copa 2022 que usava o codinome “Japão”.

Já os registros do Google Maps mostraram que Oliveira estava no Parque da Cidade, em Brasília, no dia 22 de novembro de 2022, e pesquisou uma rota dali até um ponto próximo à residência funcional de Alexandre de Moraes.

O controle da portaria do Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro residia, por sua vez, mostrou que o general Mario Fernandes esteve no local no dia 8 de dezembro, onde permaneceu por 40 minutos.

Outra fonte de informação foi um grupo de WhatsApp, identificado no celular de Mauro Cid, em que os ajudantes de ordens da Presidência informavam, em tempo real, os deslocamentos feitos por Bolsonaro após a derrota nas urnas.

4. Nota fiscal repassada por loja

A PF pediu à Apple que fornecesse dados sobre um aparelho que havia recebido um dos chips usados pelos membros do grupo Copa 2022.

Na resposta, a empresa informou dois emails que haviam sido usados para registrar o aparelho. Um deles indicava o nome de uma loja de celulares de Goiânia.

Nota fiscal da empresa iFastDigital destaca data do negócio (7 de dezembro de 2022), nome da cliente (Renata Reis) e fato de que pagamento de R$ 2.500 por um iPhone 12 seminovo foi feito em dinheiro.
Loja que habilitou celular forneceu cópia da nota fiscal da venda do aparelho, que trazia nome da mulher do investigado (Reprodução/PF).

Com o nome do estabelecimento, a PF notificou a empresa para que informasse os dados sobre a venda do aparelho e constatou que a nota fiscal indicava como cliente a mulher de Oliveira.

5. Recuperação de dados deletados

Na primeira perícia feita no celular de Mauro Cid, a PF não teve acesso a mensagens apagadas do WhatsApp. O problema foi revertido após a aquisição de um novo software pericial.

Os conteúdos recuperados pelo programa, porém, não respeitavam a ordem original das frases, além de ignorar maiúsculas e pontuação. A PF precisou desembaralhar as palavras para montar os diálogos:

  • No dia 7 de dezembro de 2022, por exemplo, Câmara enviou uma mensagem para Cid sobre os planos de Moraes, que foi posteriormente apagada;
  • O software conseguiu recuperar as palavras “brasilia ele amanha provavelmente da tarde sao final ficar em pra hoje vai paulo”;
  • A perícia ordenou a frase: “Ele vai ficar em Brasília hoje. Amanhã provavelmente vai pra São Paulo final da tarde”.
Print mostra diálogo apagado entre Câmara e Mauro Cid. Uma das mensagens, enviada por Câmara às 20h16 do dia 7 de dezembro de 2022, diz ‘brasilia ele amanha provavelmente da tarde sao final ficar em pra hoje vai paulo’
Software consegue recuperar mensagens apagadas, mas frases são apresentadas com as palavras fora de ordem (Reprodução/PF)

6. Análise de impressão digital

Uma fotografia encontrada no celular de Oliveira mostrava uma mão segurando uma CNH. O documento, de um laranja, continha os dados informados para registrar um dos chips usados para trocar mensagens sobre o golpe.

A PF pediu ao Instituto Nacional de Identificação uma perícia papiloscópica no dedo que segurava a CNH e constatou que a digital coincidia com o indicador esquerdo de Oliveira.

7. Delação premiada de Mauro Cid

Após entrar na mira das autoridades, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro resolveu colaborar com as investigações para tentar reduzir sua pena. A delação premiada de Mauro Cid mencionou o general Mario Fernandes, que foi chefe substituto da Secretaria-Geral da Presidência na gestão Bolsonaro.

Cid disse à PF que Fernandes era um dos militares mais radicais no entorno do ex-presidente, o que fez com que seu nome se tornasse suspeito.

8. Vídeo da ‘reunião do golpe’

No computador de Mauro Cid, a PF encontrou um vídeo de uma reunião no Palácio da Alvorada na qual Bolsonaro cobrava que seus ministros reforçassem os ataques ao sistema eleitoral para evitar a derrota no pleito daquele ano. Os metadados da gravação indicaram que a chamada “reunião do golpe” teria ocorrido em 5 de julho de 2022.

Print de um trecho da gravação da reunião mostra 18 homens brancos de terno dispostos atrás de uma mesa de reunião circular, com placas de identificação em seus respectivos lugares. No fundo aparece um slide com o título “informação”. Bolsonaro está no centro da mesa, à frente de bandeiras. À esquerda, PF destaca Fernandes com uma seta vermelha e amarela.
Relatório destaca o general Mario Fernandes durante sua intervenção na chamada “reunião do golpe” (Reprodução/PF).

As imagens mostraram que Fernandes estava presente e, em determinado momento, pediu a palavra, fazendo uma fala de caráter golpista:

  • O general defendeu que uma intervenção do governo antes da eleição causaria uma perturbação menor do que se fosse feita depois;
  • Ele também fez alusão ao golpe de 1964 como uma “possibilidade” em caso de derrota do então presidente.

As declarações não apresentaram nenhum plano concreto. Depois da eleição, porém, o general passou a defender abertamente um golpe e participou pessoalmente dos acampamentos em Brasília, como indicaram áudios, mensagens e fotos encontrados em seu celular.

9. Perícia em computadores e HDs externos

Nos arquivos pertencentes a Oliveira, a perícia encontrou documentos que indicavam técnicas para ocultar ações ilegais, incluindo um estudo sobre a investigação que desvendou os responsáveis pelo assassinato da vereadora Marielle Franco.

Já um HD externo apreendido com o general Fernandes trazia um arquivo de texto, salvo inicialmente como “Fox_2017.docx”. O documento trazia o plano detalhado para o sequestro ou homicídio de Moraes, Lula e Alckmin. A operação ganhou o nome de “Punhal Verde e Amarelo”.

Print de documento destaca parágrafo que diz: ‘trata-se, a rigor, de um verdadeiro planejamento com características terroristas, no qual constam descritos todos os dados necessários para a execução de uma operação de alto risco. O plano dispõe de riqueza de detalhes, com indicações acerca do que seria necessário para a sua execução, e, até mesmo, descrevendo a possibilidade da ocorrência de diversas mortes, inclusive de eventuais militares envolvidos.
Trecho do relatório da PF analisa conteúdo encontrado no arquivo Fox_2017.docx, que foi criado por Fernandes (Reprodução/PF)

Os metadados do arquivo indicaram que ele foi criado por Fernandes na manhã de 9 de novembro de 2022 e sofreu uma modificação às 17h05 do mesmo dia.

10. Análise de dados de impressora

A PF requisitou à Presidência da República os dados que mostram a fila de documentos impressos no Palácio do Planalto e no Palácio da Alvorada em 2022.

Os registros de impressão do Planalto revelaram que o usuário “mariof”, pertencente a Fernandes, imprimiu um arquivo com o mesmo número de páginas do “Punhal Verde e Amarelo” às 17h09 de 9 de novembro de 2022.

O nome do arquivo impresso era “Plj.docx”, mas a impressão ocorreu exatamente quatro minutos depois da última modificação no documento “Fox_2017.docx”.

Segundo os dados coletados pelas autoridades, foi usada uma impressora localizada no gabinete da Secretaria-Geral da Presidência.

O relatório da PF também lembra que, no momento da impressão, Bolsonaro estava no Palácio do Planalto e as ERBs indicavam a presença de Rafael Martins e Mauro Cid nas imediações.

A PF verificou ainda que, 40 minutos após a impressão, o controle de visitantes do Palácio da Alvorada registrou a chegada de Mario Fernandes ao local.

O caminho da apuração

Aos Fatos analisou posts no X de perfis ligados à direita e verificou a construção do argumento de que a Polícia Federal não tinha provas para prender os militares na última terça (19).

A reportagem analisou e sistematizou o relatório da instituição relacionado à prisão dos “kids pretos”, que foi divulgado pelo STF, e está tentando localizar a defesa dos investigados, para pedir posicionamento. O texto será atualizado em caso de resposta.

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