Em cada 10 anúncios "nativos" sobre saúde veiculados em grandes sites de notícias brasileiros, 9 são enganosos. É o que revela uma investigação do Aos Fatos que analisou cerca de 90 mil anúncios de saúde, dos quais 81.447 (89,6% do total) continham alegações falsas ou distorcidas.
Anúncios nativos são aqueles que imitam o design e a linguagem dos sites em que estão inseridos. No mercado editorial, um dos formatos mais usados são as caixas de recomendação de conteúdo, seções no rodapé de uma reportagem que misturam inserções publicitárias com chamadas para conteúdos jornalísticos, como o exemplo abaixo:
Dentre os anúncios analisados, produtos que prometem curar dores, auxiliar no emagrecimento e reverter quadros de diabetes foram os mais comuns entre anúncios enganosos. O relatório na íntegra pode ser lido aqui.
O documento faz parte do projeto Check-up, que recebeu apoio do Codesinfo, organizado pelo Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo) e patrocinado pela Google News Initiative.
Desinformação publicitária
Para a análise, o Aos Fatos selecionou os nove maiores sites jornalísticos que usam algoritmos de recomendação de conteúdo:
- clicRBS;
- Folha de S.Paulo;
- iG;
- Metrópoles;
- O Estado de S. Paulo;
- O Globo;
- R7;
- Terra;
- e Veja.
A investigação mostra que o problema da desinformação em anúncios nativos afeta todos os sites e plataformas de anúncios analisados.
Dentro do universo de anúncios enganosos, os de produtos que prometem curar dores são os mais comuns e representam 22% dos conteúdos. Em seguida, estão produtos que enganam ao prometer benefícios para emagrecimento (17%), diabetes (16%), saúde masculina (13%) e audição (11%).
Aos Fatos identificou cinco estratégias recorrentes usadas por anunciantes para enganar os consumidores. São elas: a invenção ou exagero de benefícios dos produtos, uso de falsos especialistas, falsos depoimentos de clientes e celebridades, simulação da linguagem e da aparência de portais de notícias e vídeos longos.
A invenção ou exagero de benefícios é uma das principais estratégias usadas pelas publicidades enganosas. Suplementos alimentares, por exemplo, são vendidos como cura para doenças complexas, mas a prática é proibida pela Anvisa. “Suplementos alimentares não são medicamentos e, por isso, não servem para tratar, prevenir ou curar doenças”, diz o site do órgão.
Nos anúncios, o ZumbiCalm — óleo supostamente produzido pela farmacêutica Pfizer — promete acabar com os zumbidos no ouvido e até mesmo restaurar a audição de quem aplicá-lo duas vezes ao dia. Na prática, ele é apenas um multivitamínico sem relação com a farmacêutica e sem comprovação científica para a cura de problemas auditivos.
Outros produtos como sapatos ortopédicos, joelheiras e corretores posturais são vendidos como uma cura milagrosa desenvolvida por especialistas que dispensaria intervenções médicas tradicionais. No entanto, os itens costumam ser revendas de sites como Aliexpress, Shein e Amazon — nos quais não é divulgada nenhuma suposta capacidade curativa.
Também é comum entre os anúncios o uso de especialistas endossando o produto divulgado. No entanto, muitas vezes os anunciantes utilizam atores que se passam por profissionais de saúde e mentem sobre o apoio de pesquisadores renomados.
Há situações, por exemplo, em que uma mesma pessoa aparece com nomes e especialidades distintas para divulgar dois produtos diferentes. É o caso dos depoimentos de um homem branco, de barba e usando uma camisa branca. Num anúncio de um suplemento que promete melhorar a visão, ele é identificado como “PhD em oftalmologia” Cleiton Albuquerque; em uma publicidade para suposto produto para próstata, o mesmo homem se apresenta como sendo o “urologista e biólogo” Lucas Fontana:
De maneira similar, também foi observado o uso de depoimentos falsos de celebridades ou pessoas anônimas para legitimar o produto anunciado — alguns chegam a utilizar fotografias retiradas de bancos de imagem como se elas mostrassem clientes reais ou o resultado alcançado pelo uso.
Com o intuito de disfarçar a publicidade enganosa como se fosse informação confiável, alguns dos anúncios desinformativos repetem a diagramação e a tipografia de portais noticiosos conhecidos, induzindo o leitor a acreditar que o conteúdo é um texto jornalístico.
Por fim, os vídeos longos e sem opção de controle de reprodução — pausar, avançar ou retroceder — são outra tática empregada pelos anúncios de produtos enganosos. Enquanto assiste ao vídeo, o espectador é exposto a narrativas que geram identificação pelo constrangimento, induzindo-o a se sentir envergonhado por viver com uma determinada condição de saúde ou estética.
Aos Fatos procurou por email os veículos citados no relatório.
Em nota, o Terra afirmou que “faz a curadoria e bloqueio de inserções consideradas falsas ou enganosas”, além de manter contato com o Taboola — plataforma com a qual possui parceria — para tomar as medidas cabíveis.
A Folha de S.Paulo informou que “mantém procedimentos rígidos de bloqueio de anúncios não permitidos”, retirando do ar, quando identificados, as publicidades irregulares.
Os outros veículos citados e as empresas Taboola, Outbrain e MGID não responderam aos contatos.
Você pode acessar o relatório completo, com todas as análises e metodologia aplicada neste link.
Edição: Alexandre Aragão e Fernanda da Escóssia
O caminho da apuração
Inicialmente, Aos Fatos selecionou os dez sites de notícias com maior audiência no Brasil que usam plataformas de anúncios nativos. A escolha se deu a partir de uma lista disponibilizada pelo site SimilarWeb, que elencou os sites com mais audiência no Brasil no segmento “Notícias e Mídia” entre janeiro e março de 2024.
Em seguida, realizamos a coleta e análise automatizada dos dados, classificados em categorias que variavam de acordo com o tema do anúncio. Os anúncios classificados como de Saúde e Estética passaram por uma checagem jornalística, com base na metodologia do Aos Fatos, que averiguou a existência de alegações enganosas nas peças publicitárias.
A metodologia completa pode ser acessada aqui.