Anúncios falsos sobre suspensão de remédios, ligação de criminosos com partidos políticos e golpes virtuais envolvendo benefícios sociais. Ao longo de 2019, Aos Fatos verificou essas e outras 340 peças de desinformação que circularam no Facebook, no Twitter, no Instagram e no WhatsApp e acumularam milhares de compartilhamentos. Algumas delas, por exemplo, foram republicadas mais de 500 mil vezes, como a que dizia que pimentões estavam abrigando vermes mortais.
O volume de checagens, no entanto, não significa que o processo de verificação seja fácil ou rápido: dependendo da publicação, ele pode levar dias (ou até semanas!) e inclui entrevistas com especialistas, consultas a livros, artigos científicos, arquivos físicos e pedidos de informação a entes públicos por meio da Lei de Acesso à Informação.
Para ilustrar os desafios da checagem de fatos, desenhamos e exemplificamos alguns casos enfrentados pela redação durante o ano:
A tarefa de verificar se uma informação é verdadeira ou não muitas vezes é bastante intrincada. Enquanto algumas peças de desinformação apresentam montagens grosseiras, facilmente identificadas como falsas, outras são mais refinadas e entremeiam informações verdadeiras com dados falsos ou distorcidos, citam personagens desconhecidos e descontextualizam fotos reais e difíceis de serem rastreadas.
Portanto, cada peça de desinformação requer um caminho diferente para sua verificação. Às vezes, basta acessar alguns links na internet para cravar que uma publicação é falsa. Outras exigem que os checadores recorram a bases de dados extensas, artigos científicos ou livros.
Um exemplo de checagem mais complexa em 2019 foi a verificação de uma corrente sobre a família real brasileira, que foi deposta em 15 de novembro de 1889. Com difusão principalmente no WhatsApp, a publicação trazia dezenas de informações duvidosas e que levaram duas semanas para serem checadas.
Nesse tempo, Aos Fatos entrevistou historiadores, consultou quatro livros e fez buscas em acervos de museus. Por fim, foram verificadas 18 informações — uma delas, por exemplo dizia que Dom Pedro 2º teria tentado abolir a escravidão em 1848, mas foi impedido pelo parlamento, o que não é verdade.
Também houve casos em que foi necessário recorrer a artigos científicos para desmentir uma publicação. Para verificar uma corrente que afirmava que água quente com abacaxi ajudaria a prevenir e até curar o câncer, o Aos Fatos se baseou em estudos da International Journal of Peptide Research and Therapeutics e da Biomedical Reports, por exemplo.
Em outras ocasiões, principalmente quando são citados os nomes de diversas pessoas, a checagem exige que inúmeros contatos também sejam feitos. Aos Fatos tenta falar com todas as partes envolvidas nas peças de desinformação, desde os seus autores — quando são identificados — até os alvos da publicação.
Para desmentir que o governo Bolsonaro teria suspendido a distribuição gratuita de insulina pelo SUS (Sistema Único de Saúde) em julho deste ano, por exemplo, Aos Fatos primeiro entrou em contato com o Ministério da Saúde. O órgão negou a informação e disse que, na verdade, tinham sido suspensas parcerias com laboratórios, mas que isso não afetava a distribuição do medicamento. Foi então necessário contatar os dois laboratórios envolvidos e a Sociedade Brasileira de Diabetes. Todo o processo de checagem acabou levando três dias, o que é comum quando é preciso aguardar respostas a questionamentos feitos por telefone ou e-mail, inclusive a órgãos oficiais.
Já um caso recente foi quando Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), vereador e filho do presidente Jair Bolsonaro, desativou suas contas nas redes sociais no começo de novembro. Na época, passou a circular uma publicação que dizia que havia sido o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes quem teria mandado excluir os perfis. Para desmentir a informação, Aos Fatos entrou em contato com o Facebook (que também responde pelo Instagram), com o Twitter, com o STF e com a assessoria de Carlos. A checagem só foi publicada após os quatro responderem.
Aos Fatos também tem como protocolo entrar em contato com o autor da peça de desinformação — quando é possível rastreá-lo — ou com página que publicou o conteúdo enganoso para que eles possam comentar a checagem. Muitas vezes não conseguimos, mas há casos em que o autor da desinformação a corrige após ser confrontado com a checagem e pede desculpas a seus seguidores.
Há, ainda, situações nas quais os checadores nem sabem por onde começar a verificação. Algumas peças de desinformação trazem fotos privadas, vídeos que não foram publicados nas redes antes ou citam nomes de pessoas pouco conhecidas. Nessas checagens, o Aos Fatos tem que ser criativo.
Isso aconteceu, por exemplo, com a verificação de uma foto que mostrava Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro supostamente ao lado dos acusados pelo assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ). A busca reversa da imagem não deu nenhum resultado, então tivemos que encontrar pistas na própria publicação.
Aos Fatos identificou que uma das pessoas retratadas na imagem era o deputado estadual Coronel Telhada (PP-SP). Com essa informação, procuramos eventos nos quais Bolsonaro e o deputado estiveram presentes e encontramos uma formatura da APMDFESP (Associação Policiais Militares Deficientes Físicos do Estado de São Paulo) ocorrida em 2017. Na galeria publicada no blog da associação, encontramos a foto usada na peça de desinformação e a identidade dos dois homens indicados: nenhum deles tinha envolvimento na morte da vereadora.
É verdade, no entanto, que algumas publicações são fáceis de serem verificadas. Nesses casos, Aos Fatos encoraja os leitores a checarem as informações com as próprias mãos: temos diversos manuais para ajudá-los nessa tarefa, inclusive um guia em quadrinhos feito em parceria com a IFCN (International Fact-Checking Network).
Mas se a peça de desinformação for complicada, o Aos Fatos está aberto a sugestões e pedidos de seus leitores, que devem ser enviados pelo email ouvidoria@aosfatos.org ou pelo WhatsApp (inscreva-se aqui).