Luiz Fernando Menezes/Aos Fatos

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Novembro de 2019. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Desenhamos fatos sobre a concessão de rádio e televisão

Por Luiz Fernando Menezes

1 de novembro de 2019, 11h13

Em menos de uma semana, o presidente Jair Bolsonaro sugeriu duas vezes que pode não renovar a concessão de sinal de televisão da TV Globo, que tem validade prevista até 2022. Com as declarações, Bolsonaro eleva o tom de suas recorrentes críticas à emissora, que, conforme mostrado por Aos Fatos, é o principal alvo dentre seus ataques a veículos de comunicação.

Na última terça-feira, após o Jornal Nacional transmitir reportagem afirmando que o nome do presidente foi citado em investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), o presidente disse: "vocês [TV Globo] vão renovar a concessão em 2022. Não vou persegui-los. Mas o processo vai estar limpo. Se não estiver limpo, legal, não tem renovação de vocês e de TV nenhuma".

Dois dias antes, em 27 de outubro, ele já havia dado uma declaração bem parecida: “tem empresa que vai renovar seu contrato brevemente, eu não vou perseguir ninguém. Quem estiver devendo, vai ter dificuldade. Então os órgãos de imprensa jogam pesado para ver se me tiram de combate para facilitar sua vida”.

Aos Fatos mostra como o presidente, sozinho, não tem poder de não renovar o contrato e desenha os trâmites e a legislação por trás do tema:


Para que as emissoras comerciais de rádio e televisão possam atuar, elas precisam passar por um processo licitatório, uma vez que os sinais de radiodifusão no Brasil são públicos. O trâmite segue as normas estabelecidas pela lei nº 8.666/1993, que regulamenta processos de licitação e contratos com o governo. Na última instância, as concessões são validadas ou não pelo Congresso Nacional.

Segundo Laurindo Leal, professor de jornalismo da USP (Universidade de São Paulo) e autor do livro TV sob controle, nossa legislação é muito parecida com a de outros países ocidentais. O entendimento é que as ondas de radiodifusão trafegam por um espaço público e finito e, por isso, as emissoras precisam de um contrato com o Estado para explorá-las.

A partir da assinatura da concessão, a emissora deve pagar pelo direito de uso de radiofrequências, cujo valor leva em conta fatores como cobertura da faixa concedida, área geográfica da autorização e tempo da outorga.

O Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (decreto nº 52.795/1963) determina que as concessões de serviços de rádio (faixas OM, FM, OT e OC) possuem validade de 10 anos, e os serviços de televisão, 15 anos. Segundo a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), estão em vigor atualmente 476 outorgas de rádio e 127 de televisão.

Para conseguir a outorga, uma emissora precisa preencher certos requisitos. O Código Brasileiro de Telecomunicações (lei nº 4.117/1962) determina, por exemplo, que só podem obter concessão empresas que tiverem 70% do capital total e do capital votante pertencente a brasileiros, sejam eles natos ou naturalizados.

Há também restrição emissoras que tenham dirigentes ou sócios condenados em decisão transitada em julgado, sócios de mais de uma concessionária do mesmo tipo de radiodifusão e na mesma localidade e diretores que tenham imunidade parlamentar ou foro especial, como deputados e senadores.

Após a assinatura, a emissora ainda precisa respeitar algumas regras para não ter a licença suspensa ou até cassada. No Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, há 27 infrações que podem resultar em punição, entre elas incitar a desobediência de leis ou de decisões judiciais, divulgar segredos de Estado, fazer propaganda de guerra ou não cumprir alguma exigência do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações).

Renovação. Toda concessionária tem o direito de renovar a concessão, desde que tenha cumprido as exigências legais e regulamentares. A renovação é feita em períodos iguais e sucessivos, ou seja, não há um limite vezes para que uma concessionária renove sua permissão.

Desde a promulgação da lei nº 13.424/2017, estipulou-se um prazo para que as concessionárias requisitem a renovação. As empresas devem apresentar o requerimento ao Poder Executivo durante os doze meses anteriores ao término da respectiva outorga.

O pedido de renovação começa a tramitar pelo MCTIC, mais especificamente na SERAD (Secretaria de Radiodifusão). Nela, é feita a análise técnica e jurídica da requisição que, depois, segue para a Presidência da República, que pode decidir renovar ou não a concessão.

Caso a decisão seja pela não renovação, o parágrafo 2º do artigo 223 da Constituição Federal determina que ela “dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional [ambas as casas], em votação nominal”. Isso significa que, sozinho, o presidente não tem o poder de não renovar o contrato de uma emissora.

Laurindo Leal diz que nunca houve um caso de rejeição de renovação da concessão no Brasil após a Constituição de 1988. Para ele, a exigência de dois quintos de votos nominais do Congresso Nacional torna a não renovação “praticamente impossível”, uma vez que os deputados e senadores contrários têm que se identificar, o que pode gerar retaliação política.

O professor também explica que esse parágrafo sobre a avaliação do Congresso, que não existia nas Constituições anteriores, foi incluído no texto por pressão das emissoras para “praticamente inviabilizar uma cassação de concessão”. Isso impede, por exemplo, que haja um caso semelhante ao de Hugo Chávez na Venezuela, que, em 2007, retirou a RCTV do ar — na época, ela era a emissora venezuelana mais vista no país.

Para o professor de direito público da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas) Carlos Ari Sundfeld, essa regra, que não aparece em outros tipos de concessão pública, visa principalmente proteger o concessionário contra perseguições políticas.

O parágrafo, portanto, obriga que tanto o Executivo quanto o Legislativo concordem: se o presidente decidir pela não renovação, mas o Congresso decidir pela renovação, a concessão é renovada da mesma maneira. Nestes casos, a única maneira de o presidente recorrer é por meio de uma ação judicial.

Em julho deste ano, houve um caso em que a 13ª Vara Federal de Alagoas cancelou a concessão das emissoras TV Gazeta, Rádio Clube e Rádio Gazeta, todas atuantes no Estado, porque tinham o senador e ex-presidente Fernando Collor de Mello (PROS-AL) como sócio. A ação foi movida pelo MPF (Ministério Público Federal), que usou como argumento o artigo 54 da Constituição, que impede que algum membro do Congresso mantenha contrato com empresa concessionária de serviço público. A decisão, no entanto, prevê que os serviços das emissoras sejam mantidos até o trânsito em julgado.

Vale ressaltar que a legislação protege a concessionária em caso de atraso de decisão. Mesmo que o MCTIC, a Presidência ou o Congresso Nacional ultrapassem o prazo para publicarem suas decisões, a lei nº 5.785/1972 determina que as entidades com o serviço funcionem em caráter precário, ou seja, mantendo as mesmas condições e deveres, mas sem um contrato oficial.

Outros tipos de serviço. Também é necessário apontar que as TVs por assinatura, como TVs a cabo ou por satélite, têm processos de concessão diferentes. Elas respondem à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e devem respeitar os regulamentos presentes na lei nº 12.485/2011 e na resolução nº 581/2012.

Referências:

1. Aos Fatos (Fontes 1 e 2)
2. Jornal Nacional
3. Planalto (Fontes 1, 2, 3, 4 e 5)
4. Anatel (Fontes 1, 2, 3 e 4)
5. MCTIC
6. Folha de S.Paulo
7. Conjur

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