Assim como há décadas ocorreu com o Google e com o então Facebook, a OpenAI — dona do ChatGPT e símbolo da expansão dos produtos de inteligência artificial generativa — busca novos modelos de negócios para justificar seus US$ 150 bilhões de valor de mercado.
E, assim como há décadas ocorreu com o Google e com o então Facebook, a OpenAI estuda soluções para exibir publicidade aos seus usuários, informou a diretora financeira da empresa, Sarah Friar, em entrevista ao Financial Times.
Segundo a executiva, a companhia terá uma abordagem “consciente sobre quando e onde implementar” anúncios. A reportagem mostra ainda que a OpenAI tem contratado funcionários que trabalham com publicidade no Google e na Meta (ex-Facebook) — as mesmas big techs que há décadas se viram diante de dilema parecido.
Após a repercussão, a OpenAI divulgou uma nota em que Friar declara: “Embora estejamos abertos a explorar outras fontes de receita no futuro, não temos planos ativos para buscar publicidade”.
Durante uma reunião de pauta do Aos Fatos, nesta semana, brinquei que talvez as combinações mais publicadas em nossos títulos sejam “Google lucra” e “Meta permite”, com sutis variações.
Os dez exemplos abaixo não deixam mentir:
- Google lucra com anúncio de site criado para aplicar golpes em fãs de Taylor Swift (20.jun.2023);
- Meta lucra com anúncios de venda de perfis falsos para golpes e propaganda enganosa (22.jun.2023);
- Meta muda política e permite anúncios que alegam fraude nas eleições brasileiras de 2022 (21.nov.2023);
- Meta faturou R$ 3,8 milhões com golpes anunciados no Facebook e no Instagram (15.jan.2024);
- Criminosos usam show de Caetano e Bethânia para vender ingresso falso com anúncios no Google (20.mar.2024);
- Meta permite anúncios com golpes de falsas doações para o Rio Grande do Sul (8.mai.2024);
- Justiça manda Meta remover anúncios com ‘deepfake’ de Luciano Hang, da Havan (27.ago.2024);
- Meta permite anúncio ilegal no Instagram com laudo falso de Marçal contra Boulos (5.out.2024);
- Meta permite anúncios de apostas eleitorais, proibidas pelo TSE (14.out.2024);
- Meta permite anúncios ilegais com ataques a candidatos na véspera do segundo turno (26.out.2024).
Para além da falta de criatividade por parte da edição — e peço desculpas —, a breve lista ressalta também, com o perdão da redundância, a lucratividade e o grau de permissividade dessas empresas.
Se nem as empresas que dominam a publicidade digital se preocupam o suficiente com a qualidade do que é exibido aos usuários, a ponto de permitirem anúncios com golpes do vigário e crimes eleitorais, que dirá as empresas com menos alcance. Afora a rinha de megalodontes pelo futuro da publicidade digital em sentido amplo, a inteligência artificial permeia toda a cadeia do setor.
“A IA será um dos maiores pilares estratégicos da publicidade digital”, escreveu nesta semana a CEO da IAB Brasil, Denise Porto Hruby, em texto no Meio e Mensagem sobre as perspectivas do mercado brasileiro para o ano que vem. “Além da personalização em larga escala, acredito que testemunharemos campanhas de marketing totalmente concebidas, executadas e medidas com IA, do início ao fim.”
Na semana passada, Aos Fatos publicou uma investigação inédita revelando que 9 em cada 10 anúncios nativos sobre saúde em sites de notícias contêm desinformação. De 90.934 anúncios checados, 81.447 (89,6% do total) continham alegações falsas ou distorcidas e foram classificados com os selos de “falso” ou “não é bem assim”.
O problema foi identificado nos nove sites analisados, e a proporção de anúncios enganosos por veículo variou de 46% (Veja) a 99% (Folha de S.Paulo). O relatório completo, com toda a metodologia, está disponível em português e em inglês.
Anúncios nativos imitam o design e a linguagem dos sites em que estão inseridos. No mercado editorial, um dos formatos mais usados são as caixas de recomendação de conteúdo, seções no rodapé que misturam inserções publicitárias com chamadas para conteúdos jornalísticos.
O objetivo da investigação não foi apontar supostos culpados, mas medir e analisar um fenômeno que pode ser identificado por qualquer leitor de sites de notícias.
É um problema de responsabilidade não só das empresas de publicidade digital, mas também do jornalismo — que tem a difícil tarefa de equilibrar receitas minguantes com a possibilidade de arriscar a credibilidade ao adotar soluções de terceiros.
Alguma regulação aprovada no Congresso Nacional, claro, também seria um passo na direção correta. Não custa chover no molhado.
O projeto do Aos Fatos foi selecionado pelo fundo de inovação Codesinfo e recebeu R$ 100 mil para desenvolver uma ferramenta de monitoramento de desinformação sobre saúde em anúncios publicitários na internet, que já está disponível. O Codesinfo foi organizado pelo Projor e financiado pela Google News Initiative.