Os oito deputados bolsonaristas investigados no chamado inquérito das fake news são críticos frequentes do STF (Supremo Tribunal Federal) no Twitter e, em sua maioria, recorreram recentemente a desinformação ao falar sobre a corte.
Nos 100 dias anteriores à operação desta quarta-feira (27), os parlamentares mencionaram o tribunal de forma negativa em 206 ocasiões, o que corresponde a uma média de duas vezes por dia. Cinco das contas analisadas ainda usaram desinformação em 15 tuítes críticos (7% do total), mostra levantamento do Aos Fatos com dados do Twitter.
A reportagem analisou o conteúdo publicado na rede social por oito parlamentares que foram intimados a depor pelo ministro do STF Alexandre de Moraes no processo que investiga o uso de "notícias fraudulentas" contra o Supremo: os deputados federais Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP), Daniel Silveira (PSL-RJ), Filipe Barros (PSL-PR), Junio Amaral (PSL-MG) e Luiz Phillipe de Orleans e Bragança (PSL-SP); e os deputados estaduais Douglas Garcia (PSL-SP) e Gil Diniz (PSL-SP).
Além de intimar os deputados, Moraes ordenou 29 operações de busca e apreensão nas casas de políticos, empresários e blogueiros suspeitos de alimentarem uma rede de desinformação, como ex-deputado federal Roberto Jefferson, o empresário Luciano Hang, dono da Havan e dono do site Terça Livre, Allan dos Santos.
No total, a reportagem encontrou 326 tweets dos parlamentares que citam o STF ou um de seus ministros de 18 de fevereiro a 26 de maio – ou seja, as 206 menções negativas representam 63% das publicações do grupo sobre o tribunal. Os tweets coletados e as análises podem ser vistos aqui.
Três deputados concentram a maior parte das críticas: Daniel Silveira (51 menções negativas ou 25% do total), Bia Kicis (46 ou 22%) e Carla Zambelli (44 ou 21%), mas todos os oito fizeram comentários negativos sobre a corte. Kicis e Zambelli são também as que mais usaram desinformação (veja mais detalhes abaixo).
Mesmo antes da operação de quarta, os parlamentares já tinham Alexandre de Moraes, relator da investigação, como principal alvo – ele foi citado em contexto negativo ao menos 30 vezes no período analisado.
O magistrado atraiu uma onda de críticas do grupo ao suspender a nomeação do diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem, para a diretoria-geral da Polícia Federal em 29 de abril. Ramagem era o nome preferido de Bolsonaro para ocupar o cargo após a exoneração de Maurício Valeixo, que levou o então ministro da Justiça Sergio Moro a pedir demissão.
Depois de Moraes, os mais criticados foram Celso de Mello (22 menções), Luís Roberto Barroso (9) e Gilmar Mendes (8). Mello foi citado negativamente principalmente por ter publicizado uma reunião ministerial de abril em que Bolsonaro dá a entender que deseja trocar o comando da PF no Rio de Janeiro para blindar seus familiares.
Já Barroso foi criticado por ter suspendido a expulsão de diplomatas venezuelanos determinada pelo governo Bolsonaro no início de maio, e Mendes, por ter afirmado que o STF não validaria uma decisão do governo federal que contrariasse orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre a pandemia do novo coronavírus.
Desinformação. Dentre os 206 tweets analisados pela reportagem, 15 foram classificados como desinformação. As postagens enganosas investiram em narrativas que desacreditavam a atuação da corte e seus ministros e exaltavam a atuação do presidente Jair Bolsonaro frente à crise política ou à pandemia do novo coronavírus no Brasil.
Com seis postagens com conteúdo falso ou distorcido, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) ocupa o topo da lista dentre os parlamentares que mais desinformaram sobre o STF.
Em postagem publicada no dia 10 de maio, por exemplo, Zambelli sugere, sem apresentar evidências, que “Rodrigo Maia [presidente da Câmara dos Deputados] trabalha com governadores, vices e até ministro do STF, como Alexandre de Moraes, para derrubar o presidente Jair Bolsonaro”.
A deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) também compartilhou desinformação no período. Dentre as postagens analisadas por Aos Fatos, três foram consideradas falsas ou distorcidas.
Kicis afirmou erroneamente, por exemplo, que o diretor da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Ghebreyesus, teria defendido que a população mais pobre não poderia ficar isolada em casa e deveria voltar a trabalhar para garantir o próprio sustento. A suposta mudança de posicionamento foi usada para criticar o ministro Gilmar Mendes, que afirmou em videoconferência que o Brasil deveria seguir as recomendações do órgão internacional.
A declaração, classificada por Aos Fatos como falsa, já foi repetida pelo presidente Jair Bolsonaro ao menos sete vezes e também foi compartilhada por outro parlamentar investigado pelo inquérito do STF, o deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP).
Kicis também recorreu à desinformação ao acusar o ministro Celso de Mello de ter solicitado à PGR (Procuradoria-Geral da República) o acesso ao celular do presidente Jair Bolsonaro. De acordo com a parlamentar, “Melo mostra falta de isenção para conduzir o inquérito”. Como esclarecido pela própria assessoria do STF, o ministro se limitou a encaminhar para a análise da procuradoria requisições de apreensão feitas por partidos políticos. É praxe que ministros enviem esse tipo de ação para manifestação da PGR, que é o órgão de acusação.
Também foram identificadas publicações enganosas sobre o STF nas contas do deputado federal Filipe Barros (PSL-PR), Daniel Silveira (PSL-RJ) e Douglas Garcia (PSL-SP). De maneira similar às demais parlamentares, os deputados disseminaram conteúdos falsos ou distorcidos para atacar os ministros da corte e exaltar a atuação do presidente Jair Bolsonaro.
Histórico e críticas. Instaurado pelo presidente do STF, Dias Toffoli, o inquérito criminal que investiga “notícias fraudulentas", ofensas e ameaças que "atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares" foi entregue à relatoria do ministro Alexandre de Moraes em março de 2019 e segue em investigação um ano mais tarde. Desde o início da apuração, o inquérito foi usado como base para retirada de conteúdo jornalístico do ar, inativação de contas nas redes sociais e mandados de busca e apreensão.
A investigação foi criticada desde o início pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que afirmou que o STF estaria extrapolando suas atribuições ao se dispor a investigar desinformação disseminada contra seus próprios membros. Após um episódio em que o ministro Alexandre de Moraes requisitou a retirada do ar de reportagem do portal O Antagonista que citava Dias Toffoli, Dodge pediu o arquivamento da investigação, mas não foi atendida. A ex-PGR acusou a investigação de estar promovendo a “censura prévia”.
Dentro do Supremo, o ministro Marco Aurélio Mello se posicionou contra a decisão dos colegas. Em entrevista à GloboNews em março do ano passado, Mello afirmou que o Supremo deveria “manter uma necessária distância de investigações que envolvam apuração de suposto crime contra a própria corte”. O ministro chegou a dizer, em outra ocasião, que o inquérito era “natimorto” e que deveria ser analisado pelos 11 membros da corte.
A Rede Sustentabilidade também pediu que o STF anulasse o inquérito em março do ano passado. Na ação, o partido argumentou que os membros da corte “não merecem escapar à censura da opinião pública, visto que optaram livremente por se investir na condição de agentes públicos”. Em agosto, quando Alexandre de Moraes paralisou apuração da Receita Federal sobre irregularidades financeiras cometidas por 133 agentes públicos, incluindo membros do STF, o partido reiterou o pedido, que ainda não foi a julgamento no plenário.
Logo no início da apuração, foram identificados 12 perfis nas redes sociais que disseminariam desinformação de maneira consistente contra a Suprema Corte e seus membros. Também foram cumpridos os primeiros mandados de busca e apreensão em São Paulo e Alagoas. Um mês depois, novos mandados foram expedidos, inclusive contra o candidato derrotado ao governo do Distrito Federal nas eleições de 2018 pelo PSL, o general da reserva Paulo Chagas.
Em setembro, após entrevista em que declarou ter planejado o assassinato do ex-ministro Gilmar Mendes, o ex-PGR Rodrigo Janot também foi alvo de ações de busca e apreensão em sua casa e seu escritório de advocacia.
Outro lado. Os parlamentares Carla Zambelli, Bia Kicis, Filipe Barros, Douglas Garcia e Daniel Silveira foram contatados pelo Aos Fatos nesta quinta-feira (28) para que pudessem comentar os tweets em que foi verificada a presença de desinformação. Até a publicação desta reportagem, no entanto, nenhum deles havia respondido.
Colaboraram Ana Rita Cunha, João Barbosa, Luiz Fernando Menezes e Marina Gama Cubas.