Um em cada três integrantes da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) instalada na Câmara dos Deputados para investigar a atuação do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) publicou desinformação nas redes sobre temas socioambientais desde o início da atual legislatura, inclusive o presidente e o relator do colegiado.
Nos posts, os deputados disseminaram alegações enganosas sobre temas como ocupações de terra e o marco temporal, tema de projeto aprovado na Casa que afeta o processo de demarcação de territórios indígenas.
- O Radar Aos Fatos analisou todas as publicações com palavras-chave relacionadas a temas socioambientais dos 24 titulares da comissão no Facebook desde 1º de fevereiro, início da atual legislatura;
- Ao todo, foram identificadas 47 publicações falsas ou enganosas, feitas por nove parlamentares (37,5% da comissão);
- Juntos, esses posts somam mais de 356 mil interações;
- 91% das publicações desinformativas foram feitas por sete deputados da oposição.
Presidente da CPI, o deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS) desinformou em ao menos oito ocasiões sobre uma temática que foi prevalente entre os oposicionistas: as ocupações de terra. Nos posts enganosos, o parlamentar inflou o número de ocupações ocorridas durante o governo Lula (PT) e omitiu dados sobre o antecessor, Jair Bolsonaro (PL). Outros quatro parlamentares também investiram em mentiras com o mesmo teor.
Em março, por exemplo, Zucco afirmou que a quantidade de ocupações documentadas até então no governo Lula teria superado o total registrado ao longo de todo o mandato de Bolsonaro. Em outra publicação, ele disse que o antigo governo teria acabado com as invasões de terra. Nada disso, no entanto, é verdade: até abril de 2023, foram registradas 33 ocupações, contra 62 documentadas entre 2019 e 2022. Em maio deste ano, o número subiu para 56 ocupações.
Também integrante da mesa da comissão, o relator Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, enganou usuários ao publicar um post em maio em que confunde o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) e o MST, duas organizações distintas. “Com a permissão e a omissão do governo Lula, o MST deixa mais um estrago em São Paulo”, disse ele na legenda de um post que comentava uma reportagem da Folha de S.Paulo sobre um grupo de 20 famílias que ocuparam uma casa em um bairro nobre da capital paulista.
Evair de Melo (PP-ES), vice-presidente do colegiado, disseminou mentiras sobre o processo de demarcação de terras indígenas para defender a tese do marco temporal, tema do PL 490/2007, aprovado na Câmara na última terça-feira (30). O deputado afirmou, por exemplo, que áreas equivalentes a estados inteiros seriam demarcadas caso o projeto não fosse aprovado — o que não é verdade, já que a rejeição ao marco temporal não levaria à aprovação automática de processos de demarcação.
Replicando um argumento enganoso encampado pela Frente Parlamentar Agropecuária, a deputada Caroline de Toni (PL-SC) publicou nas redes que 30% do território nacional passaria a ser ocupado por terras indígenas caso o marco temporal não fosse aprovado no Congresso. A alegação é enganosa porque, ainda que houvesse uma aprovação automática dos processos em tramitação atualmente, a área destinada aos povos originários chegaria a 13,75% do território nacional, não 30%.
Desinformação à esquerda. Do lado dos governistas, que são minoritários na composição da CPI, dois parlamentares desinformaram sobre temas socioambientais no Facebook. Os deputados Valmir Assunção (PT-BA) e Padre João (PT-MG) publicaram quatro posts enganosos sobre essas questões desde o início da atual legislatura.
Militante do MST, Assunção usou dados enganosos para rebater os argumentos desinformativos dos parlamentares de oposição sobre ocupações de terra. Em duas publicações, o deputado afirmou que não ocorreu nenhum assentamento durante o governo Bolsonaro, embora dados do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) mostrem que 9.928 famílias foram assentadas entre 2019 e 2020, dados mais recentes disponíveis.
Ataques. Além de disseminar mentiras, integrantes da CPI também publicaram, em cerca de 90 ocasiões, ofensas a integrantes do movimento sem-terra e aos povos indígenas.
- Em ao menos 78 posts, membros do MST foram chamados de “bandidos” e “terroristas”. Os integrantes do movimento também foram associados, sem provas, a grupos armados como as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia);
- Em outros 11 posts, os deputados usaram critérios discriminatórios, como vestimentas e características físicas, para afirmar que indígenas responsáveis por ocupações de terras seriam “falsos índios”.
Outro lado
Em resposta enviada ao Aos Fatos, a deputada Caroline de Toni afirmou que o cálculo da Funai sobre a área total ocupada pelas terras indígenas demarcadas ou em processo de demarcação é subestimado, porque há mais de cem territórios em estudo que ainda não tiveram a sua extensão delimitada. Caso esses territórios sejam demarcados, “a porcentagem de aproximadamente 14% do território nacional será certamente superada”.
Sobre a alegação de que cerca de 30% da extensão territorial brasileira seria destinada aos povos indígenas caso o marco temporal fosse rejeitado, a parlamentar afirmou que se trata de uma estimativa publicada pelo Observatório Jurídico do Agronegócio com base na área média dos territórios já demarcados. No entanto, a própria parlamentar admite em email que as terras em estudo não possuem polígono definido. “Qualquer afirmação antecipada do total de hectares de terras em estudo é precipitada e não oficial.”
Este texto foi atualizado às 18h50 do dia 2 de junho de 2023 para incluir a manifestação da deputada federal Caroline de Toni (PL-SC).