Entenda os próximos passos após a denúncia da PGR contra Bolsonaro

Compartilhe

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 33 pessoas foram denunciadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) na terça-feira (18) por suspeita de tentar um golpe de Estado em 2022. Após prazo de 15 dias para manifestações dos advogados de defesa, o relator do caso no STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Alexandre de Moraes, decidirá se acata ou não a denúncia.

A tramitação do caso tem suscitado dúvidas nas redes. Usuários e parlamentares de oposição questionam o caminho para avaliação da denúncia e comparam o caso ao do presidente Lula (PT), que teve processos da Operação Lava Jato julgados na primeira instância.

Aos Fatos explica a seguir por que Bolsonaro deverá ser julgado pelo STF e quais os próximos passos do caso:

  1. Por que Bolsonaro será julgado pelo STF?
  2. Quais ministros devem julgar Bolsonaro?
  3. O que acontece se Bolsonaro for condenado? Há chances de recorrer?

1. Por que Bolsonaro será julgado pelo STF?

Especialistas consultados pelo Aos Fatos convergem ao dizer que Bolsonaro deve ser julgado pelo STF por dois motivos:

  • O Regimento Interno determina que ações penais por crimes contra ministros e contra o STF devem ser julgados pelo próprio tribunal, como é o caso em questão: as dependências do Supremo foram depredadas no 8 de Janeiro, há a suspeita de que existia um plano para assassinar Alexandre de Moraes, entre outros possíveis crimes que tiveram ministros ou o STF como vítimas;
  • Além disso, Bolsonaro é investigado por crimes cometidos como presidente da República — cargo cujo ocupante deverá ser julgado pelo Supremo, como estabelece a Constituição Federal.

Maíra Fernandes, professora da FGV Direito Rio, resume o primeiro ponto:

“A maioria dos ministros decidiu pela tramitação na corte em razão da natureza dos atos praticados no 8 de Janeiro e pela conexão aos crimes praticados contra e dentro das dependências do STF — o que, por força do Regimento Interno, atrai a competência para o Supremo”, ela explicou.

O advogado constitucionalista Antonio Carlos Freitas Jr. lembra também que a competência do tribunal para julgar casos ligados aos atos golpistas já foi discutida nas mais de 1.300 denúncias apresentadas pela PGR contra manifestantes, entre 2023 e 2024.

“Como os fatos trazidos na denúncia atual contra Bolsonaro são conexos aos já julgados pelo próprio STF, esse debate está de certa forma exaurido e pacificado”, explicou.

Foro privilegiado. Apoiadores de Bolsonaro alegam que o STF não teria competência para julgar o ex-presidente, já que ele deixou de ter foro por prerrogativa de função, conhecido também como foro privilegiado, em 31 de dezembro de 2022, quando deixou o cargo.

O entendimento atual do STF, no entanto, é que indivíduos com prerrogativa de foro que cometeram crimes durante o exercício de suas funções mantêm o direito mesmo após terem deixado os cargos.

Esse entendimento já foi aplicado em dezembro, quando o STF reconheceu competência para processar e julgar uma denúncia contra o ex-deputado federal Eduardo Cunha.

“Garantir a esses agentes a prerrogativa de serem julgados por juízes experientes, no tribunal escolhido pelo legislador, mesmo após a aposentadoria ou fim do mandato, parece ser a melhor maneira de preservar a liberdade de ação no desempenho das suas funções”, afirmou, na época, o ministro Gilmar Mendes.

Lula, homem idoso de barba e cabelos grisalhos, vestindo uma camisa azul-clara, fala ao microfone. A legenda na imagem diz: ‘ele só tem uma saída: ser preso.’
Ao comentar denúncia, presidente Lula afirma que, se tentativa de golpe for comprovada, Bolsonaro tem que ser preso (Reprodução/YouTube)

E o Lula? O presidente Lula (PT) foi julgado, inicialmente, na primeira instância da Justiça Federal, porque os crimes pelos quais foi acusado — corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava Jato (veja aqui e aqui) — não estavam relacionados ao exercício do cargo de presidente da República.

Além disso, no momento das investigações e do processo, Lula não ocupava cargo público, o que o impedia de ter foro por prerrogativa de função, já que a interpretação do STF à época era diferente da atual.

Davi Tangerino, professor de direito penal da Uerj, pontua ainda que o atual presidente também não foi acusado de cometer crimes contra o STF — um dos pré-requisitos para que as ações sejam julgadas pela corte.

2. Quais ministros devem julgar Bolsonaro?

O Regimento Interno do STF permite que as ações penais sejam julgadas por turmas, colegiados formados por cinco ministros — no caso de Bolsonaro, a Primeira Turma, composta pelo relator, Alexandre de Moraes, e pelos ministros Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux. Caso a denúncia seja aceita por Moraes, caberá a Zanin, que preside o colegiado, marcar a data de início do julgamento.

A denúncia contra Bolsonaro também pode ser encaminhada ao plenário, por decisão de Moraes ou da maioria da turma, e há pressão política para que isso ocorra.

Imagem mostra os cinco ministros que compõe a Primeira Turma do STF: Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Flávio Dino (Méuri Elle/Aos Fatos)
Montagem mostra os cinco ministros compõe a Primeira Turma do STF: Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Flávio Dino (Méuri Elle / Aos Fatos)

O entendimento sobre o julgamento de ações penais no STF mudou ao longo da última década:

  • Em 2014, o tribunal transferiu a competência do plenário para as turmas, principalmente após julgamentos de recursos do Mensalão ocuparem diversas sessões entre 2007 e 2013;
  • Na época, foi determinado que cabia ao plenário processar e julgar, por crimes comuns, o presidente da República, o vice-presidente, os presidentes da Câmara e do Senado, os ministros do STF e o procurador-geral da República;
  • Já em 2020, em razão do aumento nos julgamentos virtuais e da restrição do foro por prerrogativa de função, o STF restaurou a competência do plenário para julgar denúncias e ações penais;
  • Em dezembro de 2023, houve mais uma mudança no regimento. As denúncias e ações penais voltaram a ser julgadas pelas turmas, com o objetivo de “racionalizar a distribuição dos processos criminais e reduzir a sobrecarga do plenário”. Nesse caso, ainda cabe ao plenário julgar os crimes cometidos pelo presidente e vice-presidente, além dos ministros do STF, do PGR e dos presidentes das Casas Legislativa.
Ministro Alexandre de Moraes, homem calvo de pele clara, vestindo toga preta sobre terno e gravata, fala durante uma sessão. Ele está sentado em uma cadeira vermelha, com um notebook aberto à sua frente e uma pilha de documentos ao lado. Ao fundo, há uma bandeira do Brasil.
O ministro Alexandre de Moraes é relator do caso no STF (Valter Campanato/Agência Brasil)

O Regimento Interno do STF também prevê que a turma pode decidir levar o processo ao plenário se os ministros forem provocados por uma das partes do julgamento — o que ainda não foi feito pela defesa de Bolsonaro — ou mesmo por iniciativa própria, sendo necessário o voto favorável da maioria.

“O regimento dá ao relator [Alexandre de Moraes] o poder de afetar ao pleno temas de grande relevância jurídica. Então, Moraes pode, segundo essa regra, levar o caso ao plenário, se quiser”, afirma o advogado Davi Tangerino.

3. O que acontece se Bolsonaro for condenado? Há chances de recorrer?

Caso o ex-presidente seja condenado pelo STF, ele pode cumprir pena em regime fechado, mesmo que receba a punição mínima prevista aos cinco crimes atribuídos a ele, que é de 12 anos e seis meses.

Homem de pele clara e cabelo grisalho, usando uma jaqueta preta com zíper, faz um gesto apontando para si mesmo enquanto fala
Caso seja condenado, Bolsonaro pode recorrer ao próprio STF (Wilton Júnior/Estadão Conteúdo)

Pelo entendimento atual da corte, um réu só pode cumprir pena ao final do processo, caso tenha sido condenado e tenham se esgotado todas as possibilidades de recurso.

Um réu condenado em primeira instância pode recorrer à segunda instância da Justiça, ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e, em alguns casos, ao STF. No caso de um processo que tramita no STF, não há como recorrer em outras esferas, porque a corte já é a instância mais alta. O ex-presidente, no entanto, pode recorrer mais uma vez ao próprio STF.

O caminho da apuração

Aos Fatos entrevistou especialistas em direito penal e constitucional para explicar os próximos passos após a denúncia feita pela PGR. Foram consultados também entendimentos, decisões anteriores e o regimento interno do STF para contextualizar as situações analisadas.

Compartilhe

Leia também

falsoBolsonaro não foi inocentado de acusação de tentativa de golpe

Bolsonaro não foi inocentado de acusação de tentativa de golpe

falsoImagem que circula nas redes é antiga e não mostra ataque de rebeldes do Iêmen contra porta-aviões dos EUA

Imagem que circula nas redes é antiga e não mostra ataque de rebeldes do Iêmen contra porta-aviões dos EUA

falsoEstudo da USP não comprova que máscaras foram inúteis e perigosas na pandemia de Covid-19

Estudo da USP não comprova que máscaras foram inúteis e perigosas na pandemia de Covid-19