Assunto recorrente em declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o agronegócio foi também um dos principais temas de desinformação do petista no mês passado. Durante o Bahia Farm Show em Luís Eduardo Magalhães (BA), por exemplo, ele disse que o Plano Safra de 2022 teria sido o “pior de toda a história do agronegócio” — quando, na verdade, o governo de Jair Bolsonaro (PL) destinou mais verba para investimentos naquele ano do que em anos anteriores.
Lula também disse, mais de uma vez, que o financiamento de máquinas agrícolas em governos petistas tinham juros de 2% ao ano e que, durante o governo Bolsonaro, essas taxas saltaram para 18%. No entanto, programas federais de financiamento jamais chegaram ao patamar da taxa citada.
O Aos Fatos acompanhou a agenda do presidente em junho e destacou quatro declarações ligadas ao agronegócio. Veja abaixo o que checamos:
- É falso que o Plano Safra 2022/2023 foi o pior da história do agronegócio. No ano passado, o governo disponibilizou R$ 353,1 bilhões para investimentos, valor superior aos dos 10 anos anteriores;
- Não é verdade que os juros do financiamento de máquinas agrícolas subiu de 2% ao ano nos governos petistas para 18% no governo Bolsonaro;
- Lula errou ao dizer que, para garantir o investimento no setor produtivo, seu governo diminuía a TJLP toda vez que a taxa Selic aumentava;
- Não é verdade que o monitoramento via satélite de desmatamentos e queimadas deixou de ser feito em governos anteriores. Em resposta, o governo pondera que gestões anteriores deixaram de usar as estatísticas para punir crimes ambientais.
“Quem é do agronegócio sabe quanto foi o Plano Safra no ano passado. Talvez o pior Plano Safra de toda a história do agronegócio” — em discurso no Bahia Farm Show, 7.jun.2023.
Ao contrário do que Lula dá a entender, o Plano Safra 2022/2023 — formulado pelo governo Bolsonaro — destinou o maior volume de crédito rural ao menos dos últimos 10 anos. De acordo com o Ministério da Agricultura e da Pecuária, o governo federal disponibilizou R$ 340,8 bilhões (ou R$ 353,1 bi em valores corrigidos pelo IPCA) a programas de modernização, inovação e sustentabilidade no agronegócio.
Esse crédito é o maior disponibilizado pelo programa ao menos desde 2013, quando foram destinados R$ 136 bilhões para a agricultura (ou R$ 239,7 bilhões em valores corrigidos pelo IPCA). O montante de 2022 só foi superado pelo anunciado neste ano (veja abaixo).
“No nosso tempo, uma dessas máquinas colheitadeiras grandes, que parecem um robô, essa máquina era financiada com 2% de juro ao ano. Hoje eles estão pagando por 14 ou 18% de juro ao ano” — no programa Conversa com o Presidente, 13.jun.2023.
A declaração é falsa porque os dados citados por Lula não coincidem com juros praticados pelo Moderfrota, programa de financiamento do governo federal para compra de veículos agrícolas como tratores e colheitadeiras, nem com o Pronaf Mais Alimentos, programa de financiamento do BNDES voltado à agricultura familiar.
Diferentemente do que sugere o presidente, atualmente o primeiro programa oferece crédito a juros de 12,5% ao ano, segundo dados do Plano Safra. Também estão incorretos os valores praticados pelos governos petistas: a taxa de juros mais baixa foi registrada entre 2013 e 2014, quando o programa oferecia empréstimos entre 4,5% e 5,5% ao ano.
A declaração é incorreta mesmo se Lula estivesse se referindo ao Pronaf Mais Alimentos. Lançado em 2008 com taxas de juros de 2% ao ano, o programa nunca chegou a cobrar 14% (veja gráfico abaixo). Durante o governo Bolsonaro, as taxas de juros variaram entre 2,5% e 6%.
Os dados citados por Lula são semelhantes aos que aparecem em uma reportagem do Globo Rural de abril de 2022, dando conta de que produtores conseguiram adquirir máquinas via financiamentos que chegavam a 14% na Agrishow e 19% fora da feira. Essas linhas de crédito, no entanto, foram contratadas junto a instituições financeiras privadas e não são comparáveis com os programas federais, que contam com juros subsidiados, menores do que os praticados no mercado.
“Ele [Henrique Meirelles] sabe que cada vez que ele aumentava 0,5% cento da taxa de juro, eu baixava 0,5% da TJLP para que o BNDES tivesse dinheiro para investir no setor produtivo. Ele sabe disso” — em entrevista à Rádio Gaúcha, 29.jun.2023.
Não é verdade que, durante os dois primeiros mandatos de Lula — que tiveram Henrique Meirelles à frente do Banco Central —, os aumentos da taxa Selic eram compensados por uma queda na TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo). Por mais que haja uma diferença no período de vigência de cada uma delas, a série histórica (veja abaixo) desmente a declaração do petista.
Os dados do Banco Central e do BNDES mostram, por exemplo, que a Selic subiu de 16% para 19,75% entre agosto de 2004 e maio de 2005. Nesse período, passaram-se três semestres e não houve nenhuma modificação na TJLP, que só foi cair em janeiro de 2006. Situação semelhante ocorreu entre março de 2008 e setembro de 2008: a Selic saiu de 11,25% para 13,75%, enquanto a TJLP permaneceu estável em 6,25%.
“Nosso território voltou a ser monitorado por satélites, para que possamos identificar e dar uma resposta rápida a qualquer risco ambiental” — em discurso no Dia Mundial do Meio Ambiente, 5.jun.2023.
A declaração de Lula foi considerada falsa porque em nenhum momento, seja no governo de Michel Temer (MDB) ou no de Jair Bolsonaro (PL), o território nacional deixou de contar com monitoramento via satélites. Tanto o Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite) como o Deter (Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real), programas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que usam imagens espaciais, continuaram funcionando durante essas gestões — registrando, inclusive, desmatamentos e incêndios florestais no mesmo dia em que ocorriam.
Em nota ao Aos Fatos, a Secom ponderou que, “apesar de o monitoramento do Inpe não ter sido interrompido, o Ibama deixou de usar esses dados, no último governo, para punir desmatadores por meio de autos de infração e embargos remotos, como ocorria até 2018”.
Segundo o governo, “a retomada pela atual gestão do uso de imagens de satélites para responsabilização remota de infratores ambientais, a fiscalização do Ibama embargou 206 mil hectares na Amazônia de abril a junho por desmatamento ilegal e aplicou R$ 647 milhões em multas”.
Os dados levantados pelos programas de monitoramento estão disponíveis no site TerraBrasilis. É possível verificar, por exemplo, que os satélites identificaram 166.851 avisos de desmatamento, apenas na Amazônia, entre 1º de janeiro de 2018 e 31 de dezembro de 2022. No Cerrado, foram registrados 43.738 avisos em tempo real nesse mesmo período.
Lula provavelmente se refere à retomada do CBERS (Programa Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), que prevê o lançamento de um novo satélite em acordo entre China e Brasil, anunciado em abril. Os programas de monitoramento brasileiros, no entanto, usam também equipamentos dos Estados Unidos e da Índia.