Debate nos EUA com checagem ao vivo na TV é chance para renovar formato no Brasil

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Aviso: este texto é uma análise e foi publicado originalmente na newsletter O Digital Disfuncional. Assine.


#38 | Como checar debates ao vivo e em tempo real

O elefante na sala dos produtores de debates eleitorais na televisão segue sendo a checagem em tempo real. O modelo em que o mediador desmente um dos debatedores imediatamente depois de uma declaração falsa, como observado algumas vezes na transmissão estadunidense noites atrás, expõe como o jornalismo dos Estados Unidos está aprendendo a lidar com extremistas mentirosos em momentos decisivos. A imprensa brasileira tem plena capacidade para ajustar-se da mesma forma.

Para isso acontecer aqui, no entanto, é necessário estratégia de longo prazo. Se quisermos ter um processo eleitoral menos traumático em 2026, é hora de os debates brasileiros comprometerem-se com a valorização da verdade factual ao vivo. O que vimos até aqui nas campanhas municipais, porém, são modelos ainda presos a uma lógica discursiva quase analógica, como se os telespectadores não estivessem acompanhando programas ao vivo em múltiplas telas há mais de uma década, os mediadores fossem meros leitores de pedaço de cartolina e os candidatos não tivessem múltiplos outros canais para apresentar suas ideias.

Aos Fatos checa em tempo real os debates entre candidatos em vários níveis de governo desde 2016, e o moribundo ex-Twitter era terreno nobre para tais eventos. Há quem goste e há quem não goste, pois viver é duro e criticar é mole, mas o fato é que, ao colocar todos os candidatos sob a mesma régua, é mais fácil ver com consistência quem tenta repetidamente violar o sistema métrico. Com checagem, é possível perceber que erros às vezes são apenas erros, enquanto mentiras são combustível para conspirações pouco democráticas.

Lá e aqui, políticos como Donald Trump e Pablo Marçal distorcem a própria noção de debate, pois não estão ali para a livre exposição de ideias que o formato permite. Querem tornar a transmissão um lugar de batalha contra o jornalismo e tirar vantagem de um lugar cuja cultura é oposta ao laissez-faire das redes. Eles querem usurpar tempo e espaço de concessões públicas para transformá-las em um ambiente em que caiba a versão falaciosa de liberdade de expressão que eles defendem e a mentira criminosa de que a checagem de fatos promove censura. É eficiente: basta ver que o debate com iniciativa de correção por mediadores neutralizou tanto a torrente conspiratória de Trump, que ele anunciou que não participará mais de outros eventos nesses moldes.

É preciso deixar claro que o uso repetido de declarações mentirosas também é um ataque ao jornalismo, e por isso as empresas de comunicação brasileiras precisam empreender mais esforços para não deixar que mentiras tirem a atenção das verdades ditas pelos debatedores. Por dever de ofício, um repórter demanda de sua fonte boa informação, ou seu trabalho estará errado. O mínimo que se deve demandar de um candidato, da Presidência às prefeituras, é informação fidedigna durante um debate. E a audiência, por sua vez, deve exigir que os jornalistas exponham os fatos como verdadeiramente o são, na ausência de alguém que, por pleitear o voto de um grupo de pessoas, deveria ser mais qualificado para fazê-lo.

A checagem de fatos durante um debate é urgente por ser uma ferramenta de honestidade intelectual com os demais candidatos. É não fazer grassar o cenário ideal para extremistas, cuja única missão é capturar o formato para diminuir a existência dos opositores. Chamam a atenção para si com mentiras, demandando dos adversários desmentir fatos que jamais estiveram em disputa, enquanto minam o jornalismo, por desqualificar seu espaço como ambiente de boa informação. Debate não é canal de cortes em rede social.

É possível mudar, e Aos Fatos tem feito essa experiência desde 2022 por meio de uma parceria com a TV Cultura de São Paulo no programa Roda Viva. Ao vivo e em tempo real, talvez seja o único programa televisivo brasileiro que se propõe a ter tal iniciativa abertamente. Candidatos reagiram de modo distinto à possibilidade de serem corrigidos no ar. Guilherme Boulos (PSOL) brincou, depois de mencionar números sobre o orçamento de São Paulo:

"Depois, se eu errei por alguma vírgula, o Aos Fatos me corrige."

Para que a operação de checar em tempo real funcione, durante os meses que antecedem a disputa e por força da cobertura de longo prazo de políticas públicas, a equipe do Aos Fatos promove um extenso trabalho de pesquisa, com coleta e documentação de informações, para que, durante a transmissão ao vivo, possa analisar – às vezes mais, às vezes menos rapidamente – se o que é dito ali é verdadeiro ou não. A apresentadora, Vera Magalhães, lê no ar checagens que atestam que determinadas declarações são enganosas.

Depois de cinco semanas, Aos Fatos encerrou a missão de checar declarações em tempo real dos candidatos à eleição paulistana na última segunda-feira (9). Perguntei a Vera Magalhães, cuja função é moderar o formato heterodoxo do Roda Viva e contraditar os entrevistados, qual o saldo da parceria. Disse ela:

“Num programa como o Roda Viva, longo, com perguntas não controladas, porque feitas por uma bancada diversa, a checagem de informações em tempo real é um desafio. Para o ciclo com os candidatos a prefeito de São Paulo, senti que era uma necessidade oferecer algumas contextualizações a quente, e aprofundar a averiguação depois. Por isso, a parceria com Aos Fatos foi muito importante. Acho que temos bastante a aprimorar em termos de protocolos e ferramentas para ter ainda mais agilidade, mas foi um grande avanço em relação a eleições passadas.”

É possível que, para 2026, os avanços da inteligência artificial consigam realizar o que desenvolvedores de novas tecnologias chamamos de claim matching. Essa roda foi inventada há alguns anos, mas os novos LLMs (modelos de linguagem grandes) aumentaram a capacidade de leitura de contexto de ferramentas, antes precárias, ao cruzar declarações de políticos com bases de dados confiáveis e entregar resultados em um curtíssimo espaço de tempo. Cabe ao checador verificar se o que foi produzido com esse tipo de IA está correto e pode ser publicado – ou, melhor, anunciado durante debates televisivos como uma correção necessária.

Ainda em fase experimental, a ferramenta Busca Fatos do Aos Fatos deve servir aos seus usuários fontes fidedignas para checar declarações assim que são transcritas, em tempo real. Para que inovações assim funcionem, é necessário o acompanhamento sistemático dos discursos dos principais personagens da política brasileira e acesso a informações de qualidade, como as checagens e reportagens do Aos Fatos e sua curadoria de fontes. São essas informações que vão alimentar o banco de dados da IA e entregar resultados coerentes.

Empreitadas como essa dependem do escrutínio sistemático sobre se o que determinado político diz é ou não real, para que bases de dados confiáveis sejam nutridas. Longe de ser trivial, ainda mais para uma indústria combalida, a checagem em tempo real é o caminho para tornar debates mais propositivos, qualificar a integridade retórica de potenciais representantes e, finalmente, proteger o jornalismo.

Referências

  1. CNN
  2. G1
  3. Aos Fatos (1 e 2)
  4. Assine (1 e 2)

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