Desinformação climática é obstáculo para metas em discussão na COP27

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Enquanto, em 2019, mensagens alertavam que Greta Thunberg era neta do bilionário húngaro George Soros, filha de satanistas e anarquistas e usava tranças em referência a uma estratégia nazista para convencer o público, neste ano a desinformação sobre a ativista ambiental sueca está mais sutil.

Após o anúncio de que ela não iria à COP27 (27ª Conferência do Clima das Nações Unidas), que acontece até o dia 18, no Egito, negacionistas das mudanças climáticas comemoraram a decisão como um “momento de clareza” de Greta, que finalmente teria entendido que conferências do tipo não têm nada a ver com clima, o que é uma distorção. A crítica da ativista foi no sentido de como governos, incluindo o do país sede do evento, fazem uso de mentiras e greenwashing – nome em inglês para a promoção de mensagens ambientalmente corretas, mas que vão de encontro às práticas de nações e empresas.

Esse é um exemplo de como as estratégias de desinformação estão indo muito além da simples negação das mudanças climáticas, passando inclusive pelo greenwashing.

Isso não exclui, contudo, as informações falsas que são consideradas “clássicas”. Entre elas, estão as de que o homem não tem tanta influência na mudança climática, de que sempre houve ciclos mais quentes e menos quentes, de que não há consenso na comunidade científica sobre aquecimento global ou que eventos extremos, como ondas de calor, inundações e secas, não têm relação com o aquecimento global, segundo elencou Jaqueline Sordi, jornalista especializada na cobertura de pautas ambientais.

Na mesa de negociação da COP, que é a maior convenção climática do mundo, são esperadas medidas concretas para a implementação do Acordo de Paris, compromisso internacional para reduzir emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. Discursos enganosos põem em risco essas tratativas ao criar uma percepção distorcida da ciência e das possibilidades ao alcance para resolver o problema, como explica a Climate Action Against Disinformation, coalizão global de organizações contra a desinformação climática.

Segundo boletim feito pelo grupo durante a cúpula, têm proliferado narrativas na internet de que não há outra escolha, diante da guerra na Ucrânia e a crise energética na Europa e na China, senão apostar em combustíveis fósseis, e de que é impossível combater mudanças climáticas com a tecnologia existente. Elas se opõem ao pedido do secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, para que todos os países, sobretudo os ricos, façam “esforço extra” para manter o aumento da temperatura do planeta limitado a 1,5°C até o fim do século em relação ao período pré-industrial.

Negacionismo à brasileira

Com a transição de governo, e a ida à COP27 do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é esperado que o fluxo da desinformação sobre meio ambiente, hoje fortemente atrelado ao governo federal e a influenciadores ligados a ele, mude de endereço no Brasil.

Sai de cena Jair Bolsonaro (PL), que afirmou, ao menos 50 vezes durante o mandato, que a Amazônia não pega fogo porque é úmida, ignorando os recordes de queimadas em seu governo, e insistiu 40 vezes que o país é um dos que mais protege suas florestas, mesmo estando na 30ª posição em ranking do Banco Mundial.

Por outro lado, entra no Congresso uma bancada parlamentar composta por políticos que já desinformaram sobre o tema, como o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL-SP), eleito deputado federal, o vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e a ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina (PP-MS), senadores eleitos.

Entre as falas negacionistas de Salles, está a de que há uma “coincidência total” entre anos secos e mais quentes e o aumento de queimadas, e de anos úmidos com mais chuvas e menor devastação pelo fogo. É um exemplo de como um argumento verdadeiro é usado para criar uma conclusão falsa – períodos de seca costumam registrar sim mais incêndios florestais, mas foi a ação humana, não a estiagem, a razão principal por trás da evolução das queimadas na Amazônia.

Esse método de fazer confusão com dados reais foi usado recentemente por Bolsonaro. No debate entre presidenciáveis do segundo turno na Band, em 16 de outubro, o mandatário afirmou que, nos quatro primeiros anos do governo Lula, de 2003 a 2006, foi desmatado mais do que o dobro do que em sua gestão.

Como aponta Claudio Angelo, coordenador de comunicação do Observatório do Clima, apesar de o dado ser numericamente correto, é um retrato limitado, que não considera as tendências de alta do desmatamento sob Bolsonaro e de queda no primeiro mandato de Lula. É o que se chama de “cherry picking” – apontar para dados pontuais que confirmam uma suposição e ignorar parte considerável de casos e evidências que contradizem a tese.

Agronegócio

O Brasil é o quinto maior emissor de gases do efeito estufa, atrás de China, Estados Unidos, Índia e Rússia, de acordo com dados do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), do Observatório do Clima. O país, contudo, é o único desse grupo em que o maior fator de emissão é o desmatamento, associado à expansão da fronteira agrícola e da pecuária. Nos demais casos, a produção de energia puxa as emissões de gás carbônico.

Não por acaso, uma alegação comum é a de que o agronegócio brasileiro é o “mais sustentável do mundo”, já expressada pela ex-ministra Tereza Cristina. A afirmação não encontra base em dados, tendo em vista os indicadores ruins de desigualdade, impacto climático, uso de pesticidas e manejo de fertilizantes do setor.

Justiça climática

Há ainda uma vertente de desinformação que associa financiamento estrangeiro para proteção das florestas a uma ameaça à soberania nacional. Nesta COP, inclusive, as nações ricas estão sendo cobradas pelo compromisso de custear perdas e danos já causados pelas mudanças climáticas em países em desenvolvimento, os mais prejudicados pela crise climática, além de financiar a redução de emissões.

Já foi preciso desmentir, por exemplo, que o presidente da França, Emmanuel Macron, teria levado a uma reunião do G7, clube dos países mais ricos, um documento, assinado por políticos brasileiros de esquerda, pedindo a internacionalização da Amazônia.

Há ainda teorias conspiratórias sobre um suposto conluio para ampliar o controle sobre a região entre governos estrangeiros e ONGs, que teriam escalado o ator Leonardo Di Caprio para atear fogo na floresta.

Na COP do ano passado, na Irlanda, o governo brasileiro apresentou uma nova meta de redução de 50% das emissões dos gases associados ao efeito estufa até 2030 e a neutralização das emissões de carbono até 2050. Aquele foi, contudo, o quarto ano consecutivo de aumento de emissões, com uma alta de 12%, puxada pelo desmatamento, de acordo com o Seeg.

Nesta COP27, o país está sendo ainda mais cobrado pela preservação de suas florestas e a reativação de mecanismos de financiamento com esse intuito, como o Fundo Amazônia, bancado por Alemanha e Noruega e suspenso no governo Bolsonaro. Já haverá algum avanço se não for dito que “onde existe muita floresta existe muita pobreza”, como afirmado pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, na cúpula de 2021.

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