Em um evento de campanha há duas semanas, em um McDonald’s, Donald Trump interagiu com uma brasileira que trabalha como instrutora de tiro e se tornou cidadã americana. Na cabine do drive-thru, ela pediu: “Senhor presidente, por favor, não deixe os Estados Unidos virarem o Brasil”.
Pesquisas de boca de urna nos Estados Unidos mostraram que a vitória do republicano contou com o voto de parcela relevante do eleitorado latino. Assessores, aliados e apoiadores de Trump mantêm contato com lideranças políticas da América Latina, com o propósito de ampliar sua influência e consolidar a extrema direita na região.
O principal elo com o Brasil é Jason Miller, consultor político e estrategista de comunicação de Trump ouvido pela Polícia Federal no inquérito dos atos antidemocráticos. Mas a lista de aliados do bolsonarismo é mais extensa e inclui parlamentares americanos e Elon Musk, que rivalizou publicamente com o ministro Alexandre de Moraes.
Nos últimos meses, essas personalidades ajudaram a inserir o Brasil no debate público americano, conduzindo ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal) e alegando que a liberdade de expressão estaria supostamente em risco no país — retórica que poderá se fortalecer após o retorno de Trump ao poder.
“Se o Trump ganhar, ele tem duas pessoas: Elon Musk e Jason Miller. Essas pessoas têm uma atenção com o Brasil”, afirmou o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) no último dia 29, antes do resultado da votação ser conhecido.
As declarações do parlamentar foram feitas no Texas, em entrevista ao ex-comentarista da Jovem Pan Paulo Figueiredo Filho, que vive nos Estados Unidos e é investigado por suposto envolvimento com militares que tentaram promover um golpe no Brasil após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de 2022.
O filho do ex-presidente brasileiro foi aos Estados Unidos para acompanhar a reta final das eleições americanas e é considerado a principal ponte do bolsonarismo com a extrema direita mundial.
Também viajaram os deputados federais Bia Kicis (PL-DF), Filipe Barros (PL-PR), Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), Paulo Bilynskyj (PL-SP) e Dra. Mayra Pinheiro (PL-CE).
O apoio às direitas latino-americanas consta no Projeto 2025 — plano criado por ultraconservadores, incluindo conselheiros de Trump, para inspirar a próxima gestão. Dentre outras medidas para a América Latina, o projeto prevê:
- Desafiar as ideias socialistas “que capturaram muitos governos da região e a juventude das suas nações”;
- Financiar parcerias com o setor privado e apoiar grupos da sociedade civil, incluindo centros universitários e think tanks que defendam “a liberdade de mercado e ideias democráticas”.
Como o Aos Fatos mostrou, os contatos entre conservadores brasileiros e a extrema direita americana se intensificaram nos últimos meses e ajudaram a campanha de Trump a atribuir ao Partido Democrata uma suposta conivência com a censura no Brasil.
À espera da revanche
Braço direito de Trump em sua primeira gestão, Jason Miller é a principal esperança dos conservadores brasileiros, que aguardam do consultor político apoio para que a Casa Branca exerça pressão sobre o STF e ajude a pautar a anistia aos envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.
A aposta explora o fato de Miller ter sido interrogado pela Polícia Federal em 2021, no aeroporto de Brasília, quando se preparava para deixar o Brasil. O americano foi ouvido no âmbito do inquérito que investiga a organização de atos antidemocráticos, conduzido pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.
Na sequência do incidente, Miller comparou os policiais brasileiros a agentes da Alemanha nazista, afirmou que o STF era uma “mistura de Departamento de Justiça com FBI” e disse ter tido medo de ser mandando a uma “Guantánamo brasileira”.
“Essa pessoa guarda no coração essa rusga, né?”, avaliou Eduardo Bolsonaro na entrevista a Paulo Figueiredo Filho. Com a vitória de Trump, o parlamentar publicou vídeo em que Miller conversa com Trump durante a apuração, para mostrar a proximidade entre os dois.
Quando foi interrogado pela PF, o assessor de Trump estava no Brasil a convite do deputado para participar da edição brasileira da Cpac (Conferência de Ação Política Conservadora), principal encontro da extrema direita no país.
Na visita, Miller foi recebido pelo então presidente Jair Bolsonaro e se encontrou também com o ex-chanceler Ernesto Araújo e o assessor de assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins.
O conservador americano também realizou viagens ao Brasil para promover o Gettr, rede social que fundou para se contrapor às restrições das plataformas tradicionais, que em 2021 suspenderam as contas de Trump como resposta à invasão do Capitólio.
Segundo a Folha de S.Paulo, nessas visitas, Miller firmou amizades com representantes da extrema direita brasileira, incluindo Paulo Figueiredo Filho. Em live promovida na véspera da eleição americana, o ex-comentarista da Jovem Pan disse que “já trabalhou” com Miller, que também é orador de um curso comercializado pelo extremista brasileiro.
Em agosto, com o anúncio da suspensão do X no Brasil, Miller foi um dos americanos que promoveram ataques nas redes ao ministro Alexandre de Moraes, a quem chamou de “inimigo da liberdade de expressão e ameaça à democracia”.
Cruzada contra Moraes
Em que pese a influência de Miller nos bastidores, foi o magnata Elon Musk quem personificou os anseios da extrema direita brasileira nos últimos meses, ao contestar Moraes.
O empresário sul-africano — um dos principais financiadores da campanha de Trump — ajudou a emplacar nos Estados Unidos a retórica de que o Brasil estaria vivendo uma ditadura com o apoio da gestão de Joe Biden.
A briga com Moraes começou em abril, quando o dono do X publicou uma série de posts com críticas ao magistrado brasileiro, a quem acusou de atentar contra a liberdade de expressão ao determinar o bloqueio de usuários investigados por ataques à democracia e às instituições.
“Por que você está determinando tanta censura no Brasil?”, escreveu Musk, ameaçando deixar de cumprir as determinações do STF e restabelecer as contas suspensas. Após os ataques, Moraes incluiu o magnata como investigado no inquérito das milícias digitais.
Em agosto, a contenda ganhou novo capítulo quando o empresário anunciou o fechamento do escritório do X no Brasil e se negou a nomear um representante legal para o país mesmo após ordem do STF.
Como resposta, Moraes determinou a suspensão da plataforma e o bloqueio das contas de outra empresa de Musk — a Starlink — para pagar as multas acumuladas pelo X por desrespeitar decisões da Justiça brasileira.
Na reta final da corrida à Casa Branca, o bloqueio do X alimentou teorias da conspiração nos Estados Unidos de que a candidata democrata, Kamala Harris, também planejava suspender a rede nos Estados Unidos.
Nas últimas semanas, bolsonaristas especularam que a eleição de Trump poderia fortalecer a posição de Musk na queda de braço com a Justiça brasileira, já que um novo bloqueio da plataforma poderia resultar na ameaça de sanções ao Brasil pelo futuro governo republicano.
Aliados no Congresso
Em abril, os ataques de Musk a Moraes ganharam o reforço de iniciativas de congressistas republicanos, sob a liderança do presidente do Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Jim Jordan.
O comitê foi o responsável pela divulgação de um relatório sobre supostos casos de censura e violação da liberdade de expressão no Brasil.
O documento apresentava trechos de ofícios do Judiciário brasileiro — tirados de contexto — que determinavam a remoção de contas ou publicações nas redes por disseminação de desinformação e discurso de ódio.
A investida do comitê contra o Brasil ocorreu semanas após a visita ao Congresso americano de uma comitiva de deputados brasileiros, liderados por Eduardo Bolsonaro.
Como mostrou a Agência Pública, o grupo passou cerca de uma semana em Washington buscando apoio político e tentando convencer os republicanos de que o Brasil não era mais uma democracia.
O lobby resultou também na realização de um debate sobre o Brasil na Comissão de Assuntos Exteriores do Congresso dos Estados Unidos, no dia 7 de maio, que contou com a presença de parlamentares brasileiros.
A sessão teve depoimentos de Paulo Figueiredo Filho e do ativista norte-americano Michael Shellenberger, autor dos chamados Twitter Files Brazil e um dos principais propagadores da retórica de que o Brasil vive sob censura. Também foi ouvido Christopher Pavlovski, fundador da rede social Rumble, que deixou de operar no Brasil em 2023 por discordar de decisões judiciais.
O ponto do debate mais aclamado pela extrema direita brasileira foi a intervenção da deputada republicana María Elvira Salazar, filha de exilados cubanos, que chamou Lula de ex-condenado e exibiu uma foto de Moraes.
“Nós não sabemos se o ministro é um socialista, ou se ele é um tolo, ou se ele é um tolo útil para os socialistas. Mas sabemos que ele está cerceando um dos direitos fundamentais de uma democracia que é a liberdade de expressão”, disse.
Em setembro, durante a suspensão do X, Salazar foi uma das responsáveis por apresentar um projeto de lei que visa proibir a entrada nos Estados Unidos de estrangeiros acusados de violar a liberdade de expressão.
“O juiz da Suprema Corte brasileira Alexandre de Moraes é a vanguarda de um ataque internacional à liberdade de expressão contra cidadãos americanos como Elon Musk”, disse a congressista na altura da apresentação do projeto.
“Os aplicadores da censura não são bem-vindos na terra dos livres, os Estados Unidos”, acrescentou.
Outro autor do projeto, o republicano Darrell Issa também dirigiu ataques a Moraes no anúncio do projeto. Os dois congressistas foram reeleitos na última terça-feira (5).
O caminho da apuração
Aos Fatos acompanhou podcasts conservadores que analisavam as relações entre o Brasil e os Estados Unidos, que foram transcritos utilizando a ferramenta Escriba.
A reportagem também coletou posts nas redes sociais e notícias na imprensa para complementar a construção da rede de apoio brasileiro nos Estados Unidos.