Quem compara os números de público das posses de ex-presidente com a estimativa oficial da posse do presidente Jair Bolsonaro (PSL) mistura laranjas com maçãs. É porque não é possível afirmar com certeza qual foi maior, já que há divergências entre as estimativas que foram apresentadas sobre a posse do ex-presidente Lula, tida como a mais popular desde a redemocratização do país, e faltam dados acessíveis sobre o número de presentes a essas cerimônias antes de 1990. Além disso, os métodos de cálculo aplicados variam: diferentes instituições divulgaram estimativas próprias nesta e em outras posses presidenciais, o que, a rigor, impede comparações entre os dados.
A hipótese do maior público entre todas as posses foi levantada por alguns sites, como o Caneta, e por perfis nas redes sociais após a divulgação de que 115 mil pessoas estiveram na Esplanada dos Ministérios na última terça-feira (1º). A estimativa veio do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), órgão vinculado à Presidência da República, tendo por base cálculo feito por uma central de monitoramento das forças de segurança envolvidas no evento. Restam dúvidas, porém, sobre como as autoridades chegaram a esse resultado.
Em um primeiro momento, por telefone, a assessoria de imprensa do GSI disse ao Aos Fatos que não sabia como a estimativa havia sido efetuada. Depois, por e-mail, o órgão informou ter considerado um dado “disponível” da capacidade máxima de público da Esplanada dos Ministérios e o número de pessoas por metro quadrado, mas deixou de fora informações essenciais, como os horários em que as informações foram colhidas e quais os parâmetros usados para analisar a concentração de pessoas e a lotação dos espaços. Veja abaixo:
Bolsonaro ou Lula? A ausência de informações sobre o método empregado impede, estatisticamente, comparações com o tamanho de público em outras posses presidenciais de que se têm notícia, especialmente com a do presidente Lula — como fizeram a Gazeta do Povo e o Renova Mídia —, pois a estimativa apresenta divergências. Além disso, o público presente na cerimônia do petista foi contado oficialmente por outro órgão, a PM-DF (Polícia Militar do Distrito Federal).
Registros da imprensa na época atribuem à instituição, porém, números que variam entre 70 mil e 200 mil, de acordo com o horário em que a estimativa teria sido feita.
A maioria das reportagens publicadas à época informavam que PM do DF estimou presença de 70 mil pessoas no início do dia da posse de Lula e que, ao final, o dado mais atualizado dava conta de 150 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios. A revista Época destoou da média ao trazer uma estimativa ainda maior, também atribuída à PM: 200 mil pessoas — número que foi adotado pelo PT na época.
Procurada pelo Aos Fatos nesta quarta-feira (2) em busca de uma informação mais precisa, a Polícia Militar da capital federal primeiro recomendou que nos baseássemos no que foi publicado pela imprensa. Depois, mudou o tom e informou que o número oficial da instituição para a posse de Lula era de 70 mil pessoas. O órgão disse ainda que os diferentes dados informados à imprensa eram decorrentes da variação de público e não confirmou como oficiais as estimativas de 150 mil e 200 mil divulgadas nos meios de comunicação na época.
Mesmo que não seja possível especificar exatamente como foi feito o cálculo em 2003, atualmente a PM do DF utiliza um método parecido, que foi empregado na última posse que eles calcularam, a de Dilma Rousseff, em 2015: os policiais determinam um número de pessoas por metro quadrado (a razão não foi informada), observam a multidão sem a captura de imagens e fazem estimativas em horários distintos.
Com outro método, uma análise conduzida pela Defesa Civil de Brasília a pedido da Folha de S.Paulo em janeiro de 2003, estimou em 71 mil pessoas o público na posse de Lula. A análise foi conduzida por dois técnicos, que, por meio de fotos aéreas tiradas em horários de maior concentração, identificaram espaços ocupados na Esplanada e calcularam quantas pessoas por metro quadrado estavam no local. O método aplicado é considerado frágil por especialistas por não contar, por exemplo, com fotos totalmente de cima para baixo, o que não foi possível devido a restrições no espaço aéreo naquela posse.
Métodos. O cálculo de pessoas por metro quadrado é, de fato, a maneira mais comum de se estimar a quantidade de pessoas em grandes aglomerações, mas os métodos aplicados para colher esses dados diferem muito entre si, como o uso de imagens remotas ou não. Isso ajuda a explicar diferenças entre as estimativas calculadas para um mesmo evento.
Segundo o engenheiro especialista em gerenciamento de riscos Moacyr Duarte, que realizou diversas contagens de público para o Coppe (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da UFRJ), não há um único método utilizado pelas instituições, e, muitos deles, por não usarem fotos aéreas bem verticais à multidão, como foi o caso da análise da Defesa Civil de Brasília, acabam sofrendo distorções: “quando você olha por uma câmera angulada, e não vertical, você perde a noção de profundidade e não dá para diferenciar a densidade".
Um dos maiores institutos de pesquisa do país, o Datafolha utiliza em casos como esse a área passível de ocupação do local pesquisado e a ocupação máxima (cerca de sete pessoas por metro quadrado). Assim, eles determinam quantas pessoas por metro quadrado havia em cada local, refazendo a contagem de hora em hora e realizando entrevistas para saber há quanto tempo os presentes estavam ali. Após isso, é calculada a área ocupada por meio de georreferenciamento, resultado que é multiplicado pela estimativa de pessoas por metro quadrado.
Já a Polícia Militar de São Paulo, estado mais populoso do país, utiliza uma “ferramenta tecnológica” chamada Copom Online. Essa tecnologia calcula o público por meio de mapas e georreferenciamento, baseados nas imagens aéreas colhidas por um helicóptero. A instituição utiliza como base a ocupação máxima de cinco pessoas por metro quadrado, como mostrou reportagem da Veja em 2016.
Povo nas posses. Além de fragilidades das estimativas, que não podem ser comparadas entre si, não há informações acessíveis sobre a quantidade de pessoas nas posses presidenciais realizadas antes da de Fernando Collor, em março de 1990, o que também refutaria a certeza de que a de Bolsonaro foi a que mais atraiu público. Todas as estimativas existentes nesse período foram realizadas pela PM-DF, à exceção da atual.
Em 1990, 60 mil pessoas compareceram à posse do então chamado “Caçador de Marajás”. Após o impeachment de Collor, seu vice, Itamar Franco, não realizou cerimônia de posse pública.
Fernando Henrique Cardoso (PSDB) assumiu a Presidência da República em 1995 sob os olhares de 10 mil brasileiros, público que minguou para 1.500 na reeleição dele, em 1999.
Para além da divergência sobre o número de pessoas na primeira posse de Lula, que varia de 70 mil a 200 mil, o petista contou com a presença de 10 mil apoiadores ao assumir o segundo mandato, em 2007.
Dilma Rousseff (PT) foi empossada com a presença de 30 mil pessoas em 2011 e com outros 10 mil em 2015. Alçado ao cargo de presidente com o impeachment da petista, o vice Michel Temer (MDB) foi empossado em uma cerimônia de 11 minutos que não foi aberta ao público.
Para a posse de Bolsonaro, a equipe de transição esperava, dias antes, o comparecimento de cerca de 250 mil pessoas, número abaixo da estimativa de 115 mil divulgada pelo GSI.