Os perfis do presidente Jair Bolsonaro, de seus filhos e dos integrantes do governo no Twitter são o elo em comum na retórica dos investigados no inquérito das "fake news" na rede social. Análise do Radar Aos Fatos nos perfis de 24 alvos das investigações mostra que, em maio, eles retuitaram sobretudo tweets desses perfis com acusações contra o Supremo Tribunal Federal e o inquérito no qual são investigados.
Conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal, o inquérito apura a disseminação do que a corte considera ameaça aos seus integrantes. Ao analisar como os 24 perfis dos investigados interagem entre si, a reportagem constatou ainda ainda que eles dialogaram mais em momentos cruciais do inquérito, como a operação de busca e apreensão ordenada contra alguns deles.
Os perfis analisados foram:
Quem eles seguem. Radar Aos Fatos analisou quais são os perfis que os 24 investigados no inquérito das fake news seguem em comum no Twitter. A listagem inicial, datada da operação de busca e apreensão da Polícia Federal nos endereços de investigados, em 27 de maio, continha 25 perfis, mas a conta de um deles era restrita a seguidores. No caso do ex-ministro Abraham Weintraub, que não foi alvo dos mandados de busca e apreensão de 27 de maio, sua permanência no inquérito foi alvo de debate no STF até a última quarta-feira (17), quando, por 9 a 1, o plenário rejeitou o pedido para sua retirada. Por isso ele ficou de fora do escopo da análise.
Apenas três perfis são seguidos por todos eles: o do presidente Jair Bolsonaro, de seu filho Carlos Bolsonaro e o de Weintraub. Entre aqueles seguidos por mais da metade dos investigados, destacam-se os perfis de parlamentares, de militantes bolsonaristas e ligados a Olavo de Carvalho, de jornalistas e blogueiros conservadores e também de ministros e membros da equipe do governo.
Entre os perfis bolsonaristas, por exemplo, Leandro Ruschel é seguido por 20 dos investigados, assim como Cláudia Wild -- que também está listada no inquérito. O ideólogo da direita Olavo de Carvalho é seguido por 22 deles, e vários de seus seguidores assumidos, como Paula Marisa -- que é, inclusive, um dos 10 perfis mais retuitados pelos investigados -- também aparecem na listagem.
Entre jornalistas e blogueiros destacam-se Alexandre Garcia, jornalista, apresentador e colunista de política brasileiro, seguido por 22 dos investigados, e os blogueiros Allan dos Santos, do Terça Livre, e Bernardo Kuster, do site Brasil Sem Medo. Os dois últimos estão entre os investigados no inquérito. Na última terça-feira (16), o UOL mostrou que a fundação do PSL pagou com verba partidária os custos de passagem e hospedagem para a participação de ambos em um evento conservador organizado por Eduardo Bolsonaro.
Os perfis de sites e blogs mais seguidos pelos investigados são o Terça Livre (canal e revista), de Allan dos Santos, o Brasil Sem Medo, de Olavo de Carvalho, e em seguida o Crítica Nacional e o Conexão Política.
Quem eles retuítam. A conta oficial do presidente Jair Bolsonaro é a mais retuitada pelos perfis analisados, seguido pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro e pelo vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro.
O grafo a seguir foi elaborado a partir dos retuítes publicados pelos 24 perfis. A coleta foi realizada no dia 8 de junho e considera apenas postagens públicas desses usuários. A API pública do Twitter permite a captura de até 3.200 tweets de cada usuário. Ao todo, foram identificados 9.070 retuítes. Casos em que o perfil retuíta a si mesmo foram desconsiderados. A visualização final exclui ainda perfis retuitados por apenas um dos investigados. Logo, o que se vê na imagem é a representação de interações envolvendo usuários que foram retuitados por dois ou mais perfis no período analisado.
Cada nó corresponde a um perfil e as arestas entre os nós representam as interações entre eles. Assim, arestas mais grossas significam maior volume de retuítes entre dois perfis. O tamanho dos nós, por sua vez, representa a quantidade de perfis investigados que retuitou determinado usuário. O presidente Jair Bolsonaro aparece como o maior nó desta visualização pois foi retuitado por 20 dos 24 investigados: maior quantidade do período analisado. Nós menores demonstram que um usuário foi retuitado por uma quantidade menos expressiva de perfis investigados.
O que eles retuítam. Radar Aos Fatos analisou também que tipo de conteúdo os investigados retuitaram entre os dias 1 e 31 de maio, no mês em que a Polícia Federal cumpriu 29 mandados de busca e apreensão nos endereços dos alvos do inquérito.
Entre os perfis mais retuitados no período estão o presidente Jair Bolsonaro, bem como seus dois filhos, Carlos e Eduardo. Mas a afinidade não se restringe apenas ao grupo familiar do presidente. Postagens de Arthur Weintraub e Filipe G. Martins, assessores especiais da Presidência, também foram compartilhadas pelos investigados em forma de RT.
Destacam-se também o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, e deputados apoiadores do presidente, como Bia Kicis, deputada federal pelo PSL-DF, e Douglas Garcia, deputado estadual pelo mesmo partido, em São Paulo -- ambos, aliás, são dois dos citados no inquérito das fake news.
Nos tweets desses perfis que foram retuitados por ao menos dois dos investigados nesse período, predominaram as postagens críticas ao inquérito da fake news e ao Judiciário, com destaque a ataques ao ministro Alexandre de Moraes responsável pela investigação das notícias falsas -- eles estavam presentes em 18 das 31 postagens sobre o Judiciário.
Moraes também foi alvo de críticas na redes sociais depois que duas pessoas que protestaram em frente a sua residência foram presas no dia 2 de maio. Isso aconteceu depois que o ministro suspende a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção da Polícia Federal.
A imprensa foi outro alvo das postagens retuitadas pelos investigados. Em sua maioria, elas criticavam a cobertura sobre o inquérito das fake news. O mesmo aconteceu com o ex-juiz Sergio Moro, a quem ainda foram feitas críticas após a saída dele do Ministério da Justiça.
Também predominaram elogios ao desempenho do presidente na reunião ministerial de 22 de abril cujo vídeo foi divulgado no dia 22 de maio, defesas a Bolsonaro e retuítes de suas postagens.
Como eles interagem entre si. No próximo grafo, foram consideradas as 1.159 publicações em que um dos perfis investigados retuita outro usuário citado no processo. Na imagem, o tamanho de cada nó (perfil) representa o volume de interações deste usuário no debate, seja retuitando alguém, seja sendo retuitado.
O perfil de Allan dos Santos (@allantercalivre) é o mais relevante quando observamos o total de interações por usuário. Ou seja, ele é o perfil que mais interagiu com os outros usuários da base. O blogueiro é seguido em ordem de relevância pela deputada federal do PSL-DF Bia Kicis (@biakicis), pelo deputado federal do PSL-RJ Filipe Barros (@filipebarrost), pelo perfil bolsonarista @taoquei1 e pelo deputado estadual de São Paulo, filiado ao PSL, Douglas Garcia (@DouglasGarcia).
Allan dos Santos também aparece como perfil retuitado por mais usuários investigados, empatado com Bernardo Kuster (@bernardopkuster) e a deputada federal do PSL-SP Carla Zambelli (@CarlaZambelli38). Há, por outro lado, perfis retuitados por poucos usuários investigados, como é o caso de PATRIOTASBR38, GTabacow, RoboConservador, cmtewinston, EnzuhOficial e _SaraWinter. Marcos Bellizia (@bellizia70) não recebeu nenhum retuíte no período analisado.
Outros perfis não retuítam nenhum dos demais investigados. É o caso do empresário Luciano Hang (@lucianohang) e do perfil bolsonarista @bolsoneas.
Operação da PF. A reportagem analisou também os períodos em que os investigados mais retuitaram uns aos outros no último mês. O recorde foi no dia 27 de maio, quando o ministro Alexandre de Moraes determinou que a Polícia Federal cumprisse mandados de busca e apreensão contra os alvos do inquérito. Nesse dia, houve 47 interações na forma de retuítes. As publicações em questão criticavam a operação, o ministro Alexandre de Moraes, o STF, e também faziam menção à deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), que no dia afirmou que a ofensiva da PF sobre aliados de Bolsonaro deixava claro “o motivo do desespero do presidente Jair Bolsonaro em interferir na Polícia Federal".
Outro pico de interações (42) aconteceu no dia 4 de junho, quando o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu o acesso do Ministério Público (MP) ao andamento do inquérito.
Metodologia. Para a análise de perfis seguidos, foram identificados 13.679 perfis que eram seguidos por ao menos um dos 24 perfis de investigados no inquérito das fake news. Analisamos quantos elos em comum cada um desses perfis tinha. Foram citados na reportagem aqueles que eram seguidos por 13 ou mais investigados.
Para o grafo de retuítes foram coletados, no dia 8 de junho, as postagens públicas dos perfis de 24 investigados no inquérito das fake news. A API pública do Twitter permite a captura de até 3.200 tweets de cada usuário. Ao todo, foram identificados 9.070 retuítes.
Para a análise do conteúdo dos retweets no mês de maio, foram capturados 2.523 retweets de 24 dos investigados no inquérito das fakes news entre os dias 1º e 30 de maio. Eles eram de tweets originais de 359 perfis distintos. A partir dessa primeira análise foi verificado quais desses 359 perfis tiveram, no período analisado, conteúdo retuitados pelo maior número de investigados, chegando a uma lista de 12 perfis. São eles: @jairbolsonaro, @allantercalivre, @CarlosBolsonaro, @BolsonaroSP, @AbrahamWeint, @Biakicis, @GFiuza_Oficial, @DouglasGarcia, @filgmartin, @profpaulamarisa, @ArthurWeint e @fabifbbr. Não entraram na análises conteúdos retuitados pelo próprio autor do tweet original.
Em seguida, foram selecionados os retweets feitos por ao menos dois dos investigados cuja autoria era de algum desses 12 perfis. Eles foram categorizados por temas e podem ser vistos aqui.
Também analisamos o número de retuítes feitos entre os usuários por dia, para identificar em qual deles houve mais interações entre eles.
Esta reportagem foi atualizada em 18 de junho de 2020, às 20h55, para atualizar o status do agora ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub.