Com a proximidade de eleições, as pesquisas eleitorais viram alvo de políticos e militantes, que, descontentes com seus resultados, recorrem ao baixo conhecimento dos eleitores sobre estatística para tentar minar a credibilidade das sondagens. O exemplo mais recente partiu do presidente Jair Bolsonaro (PL), que, no fim de maio, afirmou que o uso de amostragem seria prova de que os levantamentos do Datafolha não são confiáveis. A mais recente pesquisa do instituto o posicionou em segundo lugar, com 27%, atrás do ex-presidente Lula (PT), que teve 48%.
Aos Fatos consultou especialistas e dados para explicar como funcionam as pesquisas eleitorais e por que o argumento do presidente contra elas não procede. Confira a seguir:
- Como são feitas as pesquisas eleitorais?
- Quais são os tipos de pesquisa?
- O que são pesquisas estimuladas e espontâneas?
- Quem pode fazer as pesquisas?
- Por que pesquisas eleitorais não acertam sempre o resultado da eleição?
- Por que enquetes na internet não servem para medir a opinião do eleitorado?
1. Como são feitas as pesquisas eleitorais?
As pesquisas eleitorais são feitas por amostragem, método em que é delimitada uma quantidade de entrevistados que seja representativa da população a ser pesquisada. Essa seleção, chamada de amostragem aleatória estratificada, considera parâmetros geográficos e etários, bem como de gênero, etnia e renda. Embora deva respeitar as proporções do eleitorado real, a escolha das pessoas que vão responder o levantamento deve ser aleatória para afastar riscos de viés na pesquisa.
O procedimento padrão da entrevista é seguir o questionário e apresentar uma pergunta por vez. Segundo o Datafolha, esse rito é seguido pois, “a ordem das perguntas pode influenciar as respostas dos entrevistados. Assuntos colocados antes da pergunta central da pesquisa, seja ela sobre a aprovação do governo, confiança em algum político ou intenção de voto, podem afetar certas respostas”. Os entrevistadores também não devem permitir aos eleitores ver as perguntas antes do início.
Coletados os dados, os institutos entram em contato com uma amostra dos entrevistados para conferir se as respostas estão corretas. Depois disso, as informações são analisadas com a supervisão de estatísticos. É neste momento que se define a margem de erro, uma faixa de tolerância calculada por meio de uma fórmula matemática na qual os resultados podem variar para cima ou para baixo. Quanto menor a margem, mais confiável é a pesquisa.
Atrelada a ela está o nível de confiança, que é a probabilidade de os mesmos resultados se repetirem. As metodologias dos institutos tradicionais permitem um nível de confiança de cerca de 95% — ou seja, para cada 100 pesquisas, 95 apresentarão resultados dentro da margem de erro.
Uma vez concluídos os resultados, a pesquisa eleitoral deve ser registrada no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em no máximo cinco dias antes da publicação do levantamento. Desde o início de 2022, já foram cadastradas 209 pesquisas eleitorais no tribunal.
O método de amostragem é o mais utilizado em pesquisas eleitorais pela impossibilidade de ouvir, em tempo razoável, todo o eleitorado de uma determinada região ou país. Neale El-Dash, doutor em estatística pela USP (Universidade de São Paulo) e responsável pelo site Polling Data, usa uma metáfora para explicar como um grupo de centenas ou milhares pode estimar a opinião de uma população inteira:
“Você não precisa provar toda a comida da panela para verificar se a receita está temperada. Basta você experimentar um pouquinho, desde que tudo esteja bem misturado”.
2. Quais são os tipos de pesquisas eleitorais?
No Brasil, a maioria das entrevistas para pesquisas são feitas presencialmente ou por telefone. Institutos como Datafolha e Ipec — ex-Ibope — usam a primeira abordagem: o primeiro questiona pessoas em locais movimentados e o segundo vai até a casa do eleitor. Outros, como o PoderData, fazem por ligação: os entrevistados têm os números selecionados aleatoriamente a partir de uma base de dados.
Os dois tipos de entrevistas têm desvantagens, segundo os especialistas ouvidos por Aos Fatos. As pesquisas presenciais costumam ser mais caras e podem esbarrar em obstáculos físicos, como regiões de difícil acesso, bairros mais afastados ou condomínios que não permitem a entrada dos pesquisadores. Isso pode levar uma parcela da população a nunca ser escolhida para entrevistas.
Já os levantamentos por telefone exigem que o entrevistado tenha um aparelho. Segundo o IBGE, em 2019, 94% dos brasileiros possuía celular e 24,4% telefone fixo. Essas porcentagens são mais baixas no Norte (90,8% móvel e 8% fixo) e no Nordeste (90,5% móvel e 9,3% fixo).
Também são realizadas, em menor grau, as pesquisas pela internet: nelas, o entrevistado recebe um link para participar e responder as perguntas. Com as respostas, os pesquisadores estratificam a amostra para torná-la mais próxima possível da realidade pesquisada. Assim como nos levantamentos por telefone, o maior problema é o acesso: segundo o IBGE, 82,7% dos brasileiros usam a internet.
De acordo com levantamento feito por Daniel Marcelino, analista de dados do Jota em Brasília e especialista em pesquisas de opinião, das 209 pesquisas de intenção de voto para presidente publicadas até o momento, 117 (56%) foram feitas com abordagem presencial, 90 (43%) por telefone e apenas duas (1%) pela internet.
3. O que são pesquisas estimuladas e espontâneas?
Nas pesquisas estimuladas, o entrevistador apresenta uma lista de candidatos ao eleitor, que deve apontar em qual deles pretende votar ou se não quer nenhuma das opções. Já nas espontâneas, não são apresentadas opções: o entrevistado anuncia seu candidato.
Não é raro que os resultados de uma pesquisa estimulada sejam diferentes de uma pesquisa espontânea. Segundo El-Dash, quando falta muito tempo para a eleição, é normal que as pessoas não saibam quem vai se candidatar e citem nomes conhecidos.
“Já a pesquisa estimulada é uma forma de você tentar simular o dia da eleição. Você sabe quais são os candidatos, com base em uma lista, e escolhe um. É uma forma de diminuir esse desconhecimento”, diz.
4. Quem pode fazer pesquisas eleitorais?
As pesquisas de opinião públicas podem ser feitas por qualquer instituição ou empresa no Brasil, conforme prevê a Lei das Eleições (nº 9.504/1997). A única exigência é que um profissional da área de estatística seja identificado como o responsável pelo levantamento.
As pesquisas devem ser registradas em um sistema eletrônico do TSE, chamado PesqEle, cinco dias antes da divulgação dos resultados. Nele, devem constar informações sobre o contratante da pesquisa, valor e origem dos recursos, metodologia, plano amostral, sistema interno de controle e verificação, questionário aplicado, informações sobre quem pagou a realização do trabalho, nota fiscal, informações sobre o estatístico responsável e indicação do estado e dos cargos aos quais se refere a pesquisa.
Nem todos os levantamentos registrados no sistema precisam ser divulgados. Segundo a Resolução do TSE nº 23.676/2021, fica a critério da empresa tornar ou não os dados públicos. O tribunal ressalta, no entanto, que qualquer pesquisa eleitoral, mesmo sem ser divulgada, deve ser registrada no PesqEle. Empresas que divulgam pesquisas sem o prévio registro estão sujeitas a penalidades que vão de pagamento de multa até detenção, de seis meses a um ano.
O TSE não regula a metodologia das pesquisas nem fiscaliza o seu conteúdo: “O registro é um ato unilateral, informações prestadas pelas empresas e institutos que são legalmente responsáveis pela fidedignidade do que trazem ao sistema. A legislação brasileira não concede à Justiça Eleitoral a prerrogativa de fiscalizar os registros de pesquisas de opinião de voto”.
Até o início de junho deste ano, 1.597 empresas estavam cadastradas no PesqEle — dessas, 49 se inscreveram em 2022, segundo o TSE. O cadastro não precisa ser renovado a cada eleição e não há data limite. Apenas neste ano, foram realizadas 209 pesquisas eleitorais.
5. Por que pesquisas eleitorais não acertam sempre o resultado da eleição?
As pesquisas são como um “retrato” da opinião do eleitorado no momento em que são realizadas. Logo, diversos fatores ao longo de uma campanha eleitoral podem fazer com que esse panorama do humor do eleitor mude, independentemente do levantamento. Por exemplo, é natural que uma sondagem feita meses antes do pleito traga resultados distintos dos que serão apurados de fato nas urnas.
“Quanto mais distante, mais imprecisa tende a ser a pesquisa. Vai ter campanha, uma série de acontecimentos, de eventos políticos que vão mudar esses resultados, esse levantamento. Quanto mais próximo da eleição, menor tende a ser o erro dessas pesquisas”, explica Daniel Marcelino, analista de dados do Jota em Brasília e especialista em pesquisas de opinião.
Um exemplo são as pesquisas do Datafolha em 2018. Na primeira após Lula (PT) ter sido impedido de concorrer, no dia 11 de setembro, Bolsonaro aparecia com 24% dos votos, seguido de Ciro Gomes (PDT) com 13% e Marina Silva (Rede) com 11%. No dia 20 do mesmo mês, outra pesquisa do instituto apontava Bolsonaro com 28%, Fernando Haddad (PT), com 14%, e Ciro Gomes, com 13%.
Nas vésperas da eleição, o Datafolha apontou que Bolsonaro chegava a 40% das intenções de voto, seguido de Haddad, com 25%, e Ciro Gomes, com 15%. O levantamento do dia anterior ao primeiro turno foi semelhante ao resultado oficial da eleição: Bolsonaro e Haddad foram para a segunda rodada, com 46% e 29% dos votos, respectivamente, e o pedetista ficou em terceiro, com 12%.
Outro ponto a se considerar é o percentual de indecisos, que tende a cair com a proximidade do pleito. De acordo com levantamento do Jota no início de junho, a média de eleitores nessa situação hoje no país é de 5%, percentual bastante inferior ao verificado na série histórica. No mesmo período em 2018, essa taxa era de 26,5%.
6. Por que enquetes na internet não servem para medir a opinião pública?
Simultaneamente às pesquisas de opinião, enquetes nas redes sociais também buscam medir a popularidade de candidatos. Esses levantamentos podem ser respondidos por centenas de milhares de pessoas, e são usados para argumentar que as pesquisas eleitorais não são confiáveis, pois alcançam, em tese, mais pessoas. Em reportagem, Aos Fatos mostra os motivos pelos quais as enquetes nas redes não têm validade estatística.
De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2019, 82,7% da população têm acesso à internet — nem todos com acesso às redes sociais —, e as rotinas de acesso variam em relação à população. Isso pode deixar fora da amostra uma parcela importante do eleitorado, o que é chamado de "viés de seleção" na linguagem estatística.
Além disso, a participação é voluntária — o eleitor procura a pesquisa, e não o contrário. Quando consideradas as enquetes nas redes sociais, os algoritmos tendem a dar mais destaque para conteúdos que se encaixem nas afinidades do usuário. É mais provável, por exemplo, que um eleitor do presidente Jair Bolsonaro (PL) veja uma enquete em uma página de direita do que um eleitor de esquerda, o que pode influenciar nos resultados.
Há ainda a possibilidade de usuários criarem mais de uma conta, o que abre margem para que as pesquisas sejam manipuladas por robôs, programas de computador que realizam tarefas de forma automatizada. Essa estratégia já foi usada para polarizar o debate público ou inflar o número de seguidores de personalidades nas redes.
Por fim, é importante considerar se as perguntas podem influenciar as respostas dos entrevistados. Enquanto nas pesquisas de opinião são usados recursos como discos de papel para evitar mostrar os candidatos em uma ordem hierárquica, as enquetes não têm essa preocupação: as perguntas podem apelar para o espectro político com o qual o autor se identifica.