Como não errar ao investigar dados sobre atividade parlamentar

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Na segunda semana de janeiro quase todo mundo já voltou do recesso de final de ano, menos os deputados e senadores. Os trabalhos do Congresso Nacional só serão retomados no dia 2 de fevereiro, conforme determina a Constituição Federal. E isso deixa muita gente, especialmente quem já voltou a trabalhar, com um pouco de inveja.

Deve ter sido por isso que uma onda de usuários do X (ex-Twitter) resolveu investigar a assiduidade de parlamentares em sessões no Congresso Nacional do ano passado. Mas muitos desses usuários fizeram um trabalho mal feito.

Posts no X alegaram que o deputado Nikolas Ferreira teria tirado 281 folgas em 2024 ou que a deputada Rosângela Moro teria folgado 283 dias, por exemplo. O que não é verdade.

Para chegar nesses números impressionantes — e falsos — as publicações cometeram alguns erros, deliberados ou não, na interpretação dos dados sobre presença em plenário dos deputados, disponibilizados pelo site da Câmara dos Deputados.

  • O primeiro foi usar os dados como se eles representassem toda a atividade parlamentar do ano. Porém, nem todos os dias da semana têm sessões plenárias — que costumam ocorrer entre terças e quintas-feiras. Durante todo o ano passado, por exemplo, aconteceram apenas 90 sessões. Nos outros dias, os parlamentares trabalham em outras atividades, como comissões especiais, reuniões, visitas e compromissos em suas bases eleitorais.
  • O segundo foi desconsiderar os períodos de recesso parlamentar obrigatório, entre 22 de dezembro e 1º de fevereiro e entre 17 de julho e 1 de agosto de cada ano.

Com esse mau uso dos dados, os posts subtraíram dos 365 dias do ano o número de dias em que os deputados compareceram às sessões. Isso transformou a assiduidade de mais de 90% de Ferreira e Moro — presentes, respectivamente, a 84 e 82 das 90 sessões parlamentares ocorridas em 2024 — em menos de 25%, em uma falsificação estatística.

Há uma série de dados abertos sobre o trabalho de deputados e senadores que podem ser consultados por jornalistas, investigadores ou qualquer cidadão no Portal de Transparência da Câmara. Além da presença em plenário, é possível descobrir gastos com verba de gabinete, remuneração, cota parlamentar, além de resultados legislativos de cada um dos 513 deputados.

Se usadas corretamente, essas informações são úteis para fiscalizar o poder público e informar a população. Porém, se interpretadas equivocadamente, podem produzir desinformação. Assim como o trabalho de um checador de fatos, para trabalhar com dados abertos é preciso colocar as informações em contexto.


🔄 ATUALIZAÇÃO

Na semana passada, a Meta — dona do Facebook, Instagram e Whatsapp — anunciou grandes mudanças em sua política de moderação de conteúdo, entre elas a substituição do programa de fact-checking por um sistema de notas de comunidade. Especialistas e defensores do direito digital foram unânimes em lamentar a decisão — que, na avaliação deles, pode acarretar aumento de desinformação e discurso de ódio nas plataformas.

Porém, a novidade pode trazer uma boa fonte de investigação com dados abertos.

No X, os dados de notas de comunidade são abertos e disponíveis para download. Foi assim que estudos e levantamentos puderam constatar a ineficácia do sistema no combate à desinformação.

Se o modelo adotado por Zuckerberg — que deverá ser anunciado nos próximos meses — for igual ao de Elon Musk, isso também será possível nas plataformas da Meta. Seria um pingo de transparência em um mar de desinformação.

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