Como investigar as 'big techs' sem usar as soluções vendidas por elas

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Uma frase atribuída a Benjamin Franklin diz que “três pessoas conseguem manter um segredo, desde que duas delas estejam mortas”. O que acontece, então, quando fontes confiam a nós informações às quais não teríamos acesso de outra maneira?

Esse é o caso da série sobre moderação de conteúdo nas plataformas, assinada pela repórter Gisele Lobato. As pressões sobre os moderadores, o avanço do uso da IA na área apesar das falhas estruturais e o apagão de dados sobre o assunto são informações que só foram possíveis porque pessoas que trabalham para as big techs toparam falar. Talvez o Sr. Franklin ficasse chocado com a possibilidade de um segredo ser compartilhado por três pessoas, duas físicas e uma jurídica — caso das plataformas, reconhecidas por diversas violações de privacidade.


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Na apuração da série, tomamos diversos cuidados para garantir que o sigilo das fontes fosse preservado. Evitamos, por exemplo, usar as ferramentas de comunicação fornecidas pelas próprias plataformas investigadas. Isso significa nada de chat do Instagram ou do Facebook para ouvir moderadores da Meta, nem Google Meet para conversar sobre moderação no YouTube. O Google Docs, editor de texto em que esta newsletter é escrita a cada 15 dias, só recebeu as versões finais do texto, já com as fontes sem identificação.

Optar por alternativas às ferramentas que usamos todos os dias impõe dificuldades. Em alguns casos, podemos conjugar aplicações para unir segurança e usabilidade. Uma possibilidade é estabelecer uma comunicação segura com a fonte usando o Gmail aliado ao PGP (sigla para Pretty Good Privacy, um software que criptografa dados de maneira segura). O risco neste caso é alguém, em uma das pontas, cometer algum erro de configuração e colocar as mensagens em risco. Por isso, vale a pena seguir esse manual.

No nosso caso, recorremos a aplicativos de mensagem que não eram de propriedade das plataformas investigadas e que contavam com criptografia para reforçar a nossa segurança. Após o contato inicial, o Proton Mail é uma solução para comunicações posteriores. Apesar de não ter sido usado nesse caso, o Signal também é uma boa opção, tão conveniente quanto o Whatsapp.

Preocupações sobre segurança já fazem parte do dia a dia de quem investiga grandes corporações. Em uma internet dominada pelas big techs — e temperada com pitadas generosas de tecnofeudalismo —, no entanto, essas questões se tornam ainda mais urgentes. Afinal, não é segredo que todo nosso comportamento online é coletado, processado e monetizado.

O ditado da internet no capitalismo tardio, que prega que “se você não paga pelo serviço, você é o produto”, talvez já tenha nascido velho, considerando que não há mais garantia de que nossos dados não serão transformados em mercadoria e usados para treinar o mais novo modelo de inteligência artificial.

Para piorar, na semana passada descobrimos ainda que o serviço de inteligência do governo federal usou sua estrutura para espionar jornalistas, incluindo o Aos Fatos. Isso reforça que todo cuidado é pouco para proteger as fontes, fundamentais para o exercício do bom jornalismo. Por conta desses e de outros tantos casos, em questão de guardar segredos, começo a acreditar que talvez o papel e a caneta não estejam tão ultrapassados assim.


⭐Recomendação da semana

A empresa Proton, aquela famosa pela sua VPN e seu serviço de email encriptado, lançou — infelizmente após o início da produção da série sobre moderação — uma suíte de aplicações de produtividade que compete com o Office 365, da Microsoft, e o Docs, do Google.

O Docs in Proton Drive, como a empresa decidiu batizar, permite a produção online e colaborativa entre vários usuários em documentos de texto e pode ser uma boa pedida para quem necessita de uma boa dose adicional de privacidade para o trabalho em equipe.

Referências

  1. Good Reads
  2. Aos Fatos (1, 2, 3 e 4)
  3. Wikipedia
  4. Wikitech
  5. Proton (1, 2 e 3)
  6. Signal
  7. EM

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